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À beira do fogão: Freud e a Educação

Conta a história, relatada por Mrech (2003), que a educação sempre esteve voltada para situações idealizadas, onde a perfeição e a certeza têm sido as marcas das práticas educacionais, em que a presença humana é severamente ignorada. Em decorrência dessa postura, uma série desastrosa de conseqüências habita os ambientes educativos.

Considerando a relevância dos inúmeros questionamentos e desconfortos gerados por este novo paradigma, especialmente nos educadores que vêem suas verdades desconstruídas cotidianamente, pretende-se, a partir das contribuições psicanalíticas discutidas no texto Três Ensaios sobre a Teoria da

Sexualidade (Freud, 1905), refletir um pouco mais sobre a possibilidade de re-

significação do ato educativo, no sentido de não privá-lo da presença humana e de seus desejos. Para tanto, num primeiro momento, revela-se importante entender

algumas das concepções do papel da educação para Freud.

Antes das descobertas ligadas à sexualidade infantil, ele acreditava que as neuroses eram resultantes da internalização das interdições morais transmitidas, especialmente, pela educação. Por este motivo, chegou a pensar que uma educação menos severa teria um efeito profilático nas neuroses. Em 1896, esta percepção começou a ser modificada, a partir da noção de recalque.

Freud (idem) percebeu que havia um desprazer no interior da própria sexualidade, não o contrário; logo ele concluiu que os preceitos morais e as tendências individuais não são contrários.

Dessa forma, o suposto efeito profilático não faz mais sentido. O rigor passa a ser concebido como algo necessário ao funcionamento psíquico, sendo a correção educativa também importante, desde que tomados os devidos cuidados em relação aos excessos. Freud (ibidem) esclarece, ainda, que viver sob o completo domínio das pulsões19 seria algo da ordem do impossível ou representaria a morte.

As investigações freudianas levam-no à descoberta da sexualidade infantil. Com o texto Três Ensaios Sobre a Teoria da Sexualidade, Freud (ibidem) escandaliza a Europa ao afirmar que a constituição da sexualidade humana era anterior à puberdade e que a sexualidade não estava a serviço restrito da reprodução, estando presente nas crianças desde a mais tenra idade. Estes ensaios abordam o pequeno polimorfo, com sua sexualidade fragmentada.

No primeiro ensaio, intitulado As aberrações sexuais a noção de instinto

19 Pulsão é um dos conceitos da delimitação entre o anímico e o físico (Freud, 1905, Vol. VII,

é substituída pela de pulsão, pulsão sexual. Freud (ibidem) começa, então, a definir aquilo que ele considera o objeto - a pessoa de quem precede a atração sexual - e os objetivos sexuais - os atos aos quais a pulsão conduz. Ratifica as teorias já existentes, mostrando o quanto a noção de sexualidade supera em muito os limites por elas impostos.

No segundo ensaio, intitulado A Sexualidade Infantil, Freud (ibidem) aborda uma questão essencial para a Educação – revela que o impulso sexual humano (pulsão sexual) pode ser decomposto em pulsões parciais. Descobre que, no decorrer da constituição sexual dos seres humanos, acontecem práticas de natureza perversa, que sucumbirão mais tarde à repressão e terão que se submeter ao domínio das práticas genitais com vistas à procriação. São elas: pulsão oral, no caso do prazer de sucção; anal, no caso da defecação; escópica, no caso do olhar, etc.

“O que distingue as pulsões entre si e as dota de propriedades específicas é sua relação com suas fontes somáticas e seus alvos. A fonte da pulsão é um processo excitatório num órgão, e seu alvo imediato consiste na supressão desse estímulo orgânico” (Freud,1905, p.159)

Freud (ibidem) conclui, a partir dessa descoberta, que a pulsão sexual do adulto é composta, na verdade, das pulsões parciais. Antes do interesse genital, a criança vivencia essas pulsões livremente. Não há, portanto, um objeto ao qual se dirigir, uma vez que se dirige ao próprio corpo. Só mais tarde, buscará um objeto sexual sobre o qual dirigir o impulso.

as pulsões parciais são capazes de enveredar-se por caminhos socialmente úteis, como é o caso da Educação (Kupfer, 1997, p.41). Este é mais um ponto que interessa, sobremaneira, ao educador, uma vez que revela ser a pulsão passível de sublimação.(ibidem, p.41-42).

No caso de um desenvolvimento bem-sucedido da criança, acontecerá um conjunto de movimentos, em que parte dessa pulsão será reprimida, parte irá compor a sexualidade genital e outra parte será sublimada. No caso da última parte, a pulsão poderá se transformar e, então, a energia que move a pulsão continua a ser sexual, mas não o seu objeto. Por conseguinte, é possível afirmar que os educadores, de posse dessa informação, podem reduzir a coerção e dirigir de forma mais proveitosa a energia que move tais pulsões.

Ainda em relação à aproximação dos educadores dessa teoria, Freud (1905) assegura que eles

portam-se como se compartilhassem nossas opiniões sobre a construção das forças defensivas morais à custa da sexualidade e como se soubessem que a atividade sexual torna a criança ineducável, pois perseguem como ‘vícios’ todas as suas manifestações sexuais, mesmo que não possam fazer muita coisa contra elas. (p.168).

Esse trecho deixa clara a intenção frustrada dos professores de tentar controlar a satisfação das pulsões de seus alunos. O educador deve, ao contrário, buscar o justo equilíbrio entre o prazer individual, inerente à ação das pulsões sexuais, e as necessidades sociais, a repressão e a sublimação dessas pulsões.

essa sexualidade pulsional é considerada como o protótipo da sexualidade infantil e isso não apenas porque se gera nos primeiros tempos de vida, senão porque seu destino será diferente na medida em que se produza a evolução psicossexual da criança (...) A pulsão em si mesma só vai em busca da descarga; aquilo que obstacularize esta descarga levará a movimentos de complexização defensiva que culminam nos processos fundantes da tópica psíquica (p.133).

Os destinos da pulsão seriam, na verdade, não destinos, mas variações das pulsões, sendo eles: volta contra a própria pessoa, transformação no contrário, recalcamento e sublimação; todos definidos pelo processo de estruturação psíquica.

Ainda no segundo ensaio, Freud (ibidem) lembra que, ao recusarmos o reconhecimento de uma sexualidade infantil, estamos negando o reconhecimento dos nossos próprios impulsos sexuais infantis. Isto significa dizer que estamos mantendo sobre eles o interdito lançado na nossa infância, o “esquecimento” nos faz recusar a nossa própria infância perversa.

O terceiro ensaio é dedicado à análise da sexualidade genital. As pulsões sexuais encontram, finalmente, um objeto sexual.

Revela-se importante, nesse momento, retomar o conceito de sexualidade infantil. Segundo Celes (2005), situa-se além das condutas sexuais

da infância, como também além das lembranças recuperadas em análise. E

complementa afirmando que a sexualidade infantil é compreendida por meio de

uma série de outros conceitos que a caracterizam e a delimitam: zonas erógenas, parcialidade, perversão, libido, pulsão (p.68); dentre outros, caracterizam a

fundamental deste conceito na psicanálise, igualando-se à importância do inconsciente.

Por tudo isso, pensar num ato educativo programado e repleto de certezas, que ignora as diferenças individuais, presentes no processo de desenvolvimento ora relatado, não tem razão de ser concebido. Primeiro, pois todo esse arsenal de métodos e técnicas de programação e controle ficam à mercê do desejo inconsciente. Depois, porque, em detrimento da necessidade de aprender a controlar suas pulsões, o ser humano não pode tê-las proibidas de modo radical.

Segundo Kupfer (2001):

a criança freudiana, um sujeito que está sujeito a um inconsciente, não pode ser pensado como alguém cuja construção se inicia com o nascimento. É uma criança que ultrapassa o conceito de escolar, uma vez que permite a entrada de um sujeito do desejo (p.37-38).

Dessa maneira, quando a educação trabalha a serviço deste sujeito – seja ele professor ou aluno – é imprescindível que sejam abandonados quaisquer modelos de adestramento e adaptação.

Finalmente, a possibilidade de se pensar numa re-significação do ato educativo, que seja capaz de superar os atuais impasses vivenciados na sala de aula, como os que se apresentam diante de uma situação inclusivista, demanda dos atores educacionais a sensibilidade a este sujeito do desejo, movido por pulsões, faltante e incompleto, que tem sido desprezado, manipulado e tratado como objeto previsível, ordenado e estável pela instituição escolar.

Re-significar significa re-pensar, re-elaborar, no sentido de perceber os diversos processos que envolvem o educativo, especialmente aqueles relativos à sexualidade. É importante que as pulsões sejam dominadas e adaptadas ao meio social, mas, para isso, é preciso que a educação saiba agir. A educação, então,

deve encontrar seu caminho entre a Cila do deixar fazer e o Caribde da proibição (Freud, 1932/33, p.146). Deve-se descobrir, portanto, um ponto optimum, de modo

que a educação atinja o máximo com o mínimo de danos, sem perder de vista o fato de que é quase impossível que o mesmo método educativo possa ser uniformemente bom para todas as crianças.