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Rotulações e Psicanálise: uma receita incompatível

Pierucci (apud Colli e Kupfer, 2005), tomando acontecimentos históricos de luta em favor da igualdade, como a Revolução Francesa, destaca a importância de não se confundir diferença com desigualdade. Todavia, constata parecer impossível defender a diferença sem reforçar práticas discriminatórias (p.19).

Essa constatação nos leva de volta à escola e às dificuldades enfrentadas diante da inclusão de crianças com deficiência no ensino regular. Tais dificuldades seriam resultantes apenas da falta de recursos, de uma formação

específica, do preconceito do professor por sua ignorância em relação às especificidades de cada deficiência?

É possível pensar que a inclusão verdadeira só acontecerá no momento em que todas as crianças forem tratadas como iguais; isto porque, a partir daí virão à tona as diferenças que, verdadeiramente, interessam: as de uma ordem subjetiva.

Coerentemente, Lajonquière (1999) afirma que:

A educação marca os sujeitos enquanto semelhantes. Porém, sermos semelhantes não significa que sejamos iguais ou que cada um seja a réplica de um outro, isto é, que todos sejamos clones. Com efeito, parte do que se transmite em todo ato educativo se repete, mas uma outra parte se perde de maneira que, ao todo, a marca na sua repetição acaba diferindo (p.187).

A mudança ocorrida com a inclusão escolar pode ser observada no olhar destinado à criança. De acordo com Lajonquière (2001), se antes a criança era encarada como possuidora de déficits, que supostamente deveriam ser corrigidos, agora, com o advento da nomenclatura ‘necessidades educacionais especiais’, supõe-se, nela, necessidades que deverão ser atendidas como condição para que ela se torne parecida com as demais. Não deixemos escapar a ronda da normalização, aqui presente!

Lajonquière (1999) afirma que a promessa da educação é que a criança, ao se apropriar de conhecimentos próprios dos adultos, poderá vir a sê-lo. Portanto, educar supõe uma falta na criança e, através do ato educativo, ela é

introduzida na cadeia desejante, o que permite que ela circule na sociedade como um semelhante.

Importante esclarecer que a criança, da qual trata a psicanálise,

... não está separada do adulto (...) a criança do inconsciente nasce da sexualidade (inconsciente) desse outro – não apenas porque ele a gera, mas porque a acolhe desviando-a do seu destino biológico, pervertendo sua natureza e implantando-lhe a pulsão, iniciando-a na sua sexualidade / sensibilidade, numa palavra: seduzindo-a (Bacha, 2002, p.68).

Neste sentido, Bacha (ibidem), retomando Freud, afirma que o ser humano nasce de um homem e de uma mulher e numa condição designada

desamparo biológico; o bebê encontra-se, nesse momento, em uma situação

extrema de dependência da mediação de um adulto para satisfazer suas

necessidades de sobrevivência. Entre o bebê e o leite, o adulto introduz o seio ou sua sexualidade inconsciente. Nas origens da nossa humanidade, uma esfomeada de amor oferece o seio para aplacar nossa fome de leite. Nesse circuito, a mãe

alimenta seu bebê e o introduz nos prazeres e angústias da sexualidade, também alimentando-se daquilo que projetou nele (ibidem, p.69).

Apesar de a divisão subjetiva e o mal-estar na cultura colocarem diante dos olhos a (im) possibilidade da educação ideal, de perfeição narcísica, o ato educativo é responsável por uma mudança de posição do sujeito frente à castração.

Se um dos aforismos mais populares da modernidade é “lugar de criança é na escola”, os alunos incluídos (quando há inclusão de fato) - antes identificados como loucos, deficientes mentais, entre outros - passam a ser

identificados como crianças. Essa mudança ocorre pelo fato (não tão simples) de que freqüentam uma escola e não uma instituição especial e segregadora, em cujo estatuto há uma discriminação das patologias e não dos sujeitos que dela podem fazer parte.

As instituições especializadas, assim como a sede por diagnósticos e prognósticos dos educadores, das escolas regulares no contato com as crianças incluídas, objetalizam a criança e deixam de enxergar um sujeito para enxergar uma patologia; o que, por si, inviabiliza o ato educativo e, conseqüentemente, a inclusão. O discurso médico, uma vez incorporado pela escola, transforma-se em verdade absoluta e necessária para a sustentação da prática pedagógica.

Não é de satisfação que se trata a educação, ou a inclusão, é de um posicionamento do educador diante do sujeito que aprende. O ato educativo se dá a partir do confronto entre subjetividades e não de uma ecolalia, de estratégias mais ou menos adequadas para abordar o aluno tomado como objeto, objeto este marcado com os significantes: patologia, impossibilidade, estranho, incompatível.

Trata-se de romper com o percurso da história de mera aplicação de diferentes discursos no campo educativo para que o educador, tomando as rédeas de sua empreitada, possa, por sua própria autorização, ensinar os que vieram depois dele e colocar cada aluno, seja ele deficiente ou não, nos trilhos da cadeia desejante que nos subjetiva e nos filia à humanidade.

Deste modo, no lugar da psicopatologização escolar, que rotula indiscriminadamente todos os alunos, deficientes ou não; do diagnóstico, que paralisa o professor no exercício da sua profissão; das técnicas de adestramento,

que insistem na adaptação às normas descabidas; aos métodos de ensino inquestionáveis, Kupfer (2001) propõe uma educação para o sujeito:

Quando um educador educa levando em conta o sujeito, poderá estar norteado, também, pela idéia de que, embora seu aluno esteja marcado e determinado por inscrições primordiais, que darão sempre o norte de seu percurso pelo mundo, e sobre os quais não pode nada fazer – nem professor, nem aluno -, nada de sua aprendizagem está predeterminada (p.125).

Nesse sentido, considera-se urgente uma reconfiguração do processo de formação do professor que, até então, tem caminhado no sentido inverso da falta de garantias e da aceitação das diferenças, sobretudo aquelas referentes à aprendizagem.