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DISTRIBUIÇÃO DO ÔNUS DA PROVA E RESERVA DO

No documento Direitos Sociais e Processo Judicial (páginas 137-140)

POSSÍVEL

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Como já afirmado anteriormente, no Capítulo 3, Item 3.1, a reserva do possível pode ser encarada como um limite imanente ao direito fundamental, ou como uma restrição externa.

Nesse sentido, como limite imanente, a reserva do possível estaria inserida no próprio conceito do direito fundamental, sendo fato constitutivo do direito alegado.

De outro lado, como restrição externa, a reserva do possível não seria elemento constitutivo do direito fundamental, mas sim fato impeditivo à satisfação desse direito.

O entendimento que se garante à reserva do possível influenciará sobremaneira na distribuição do ônus da prova, que, conforme disciplina o artigo 333, CPC, será do autor, se for adotado o instituto como limite imanente, ou do réu, se for a reserva do possível compreendida como restrição externa.

Consoante já explanado, entendemos a reserva do possível como uma restrição externa ao direito fundamental, motivo pelo qual o ônus da prova sobre tal instituto caberá sempre ao Poder Público demandado em Juízo, que, figurando na condição de réu (artigo 333, inciso II, CPC), deverá comprovar a existência desse fato impeditivo da satisfação do interesse autoral (que, in casu, será a implementação de uma determinada política pública relacionada a um direito fundamental social).

Observe-se um outro perigo da adoção da reserva do possível como um limite imanente dos direitos fundamentais, uma vez que, nesse caso, o ônus da prova incumbirá ao autor da ação (artigo 333, inciso I, CPC). Tal compreensão do instituto poderá inviabilizar,

369 Sobre os poderes do juiz em matéria de prova, cf. XAVIER, Trícia Navarro. Poderes instrutórios do

juiz no processo de conhecimento. Dissertação de Mestrado. Vitória. Universidade Federal do Estado do Espírito Santo, 2008. (Orientador: Flávio Cheim Jorge). Sobre a prova no Processo Civil Coletivo, GOMES, Camilla de Magalhães. A prova no processo coletivo: teoria dos modelos da prova aplicada ao processo coletivo. Dissertação de Mestrado. Vitória. Universidade Federal do Estado do Espírito Santo, 2009. (Orientador: Hermes Zaneti Júnior).

por completo, o controle, pelo Judiciário, das políticas públicas, pois será muito difícil, quiçá impossível, a demonstração da inexistência da reserva do possível (prova diabólica).

Desse modo, principalmente nas ações individuais, em que o autor (o indivíduo) não dispõe de meios preparatórios eficazes para instruir sua demanda (como o Ministério Público, que possui o inquérito civil), poderá ocorrer o nefasto julgamento com fulcro no ônus da prova, com a consequente improcedência dos pedidos autorais e a posterior formação da coisa julgada material.

É importante asseverar que, ainda que o indivíduo disponha da possibilidade de ajuizar uma ação cautelar preparatória para produção de provas, requerendo, a exibição dos documentos pertinentes pelo Poder Público, o problema do ônus da prova não seria resolvido.

Isso porque, na hipótese de o Poder Público se recusar a fornecer a documentação, e, não sendo possível a busca e apreensão, não seria aceitável a admissão como verdadeiros dos fatos a serem provados, como prevê o artigo 359, CPC, porque não há como considerar verdadeiros fatos que o demandante da cautelar desconhece370. Nesse diapasão, o caput do artigo 359 somente será aplicado (presunção relativa de veracidade dos fatos a serem provados) no âmbito do processo de cognição, ainda mais se verificado que o artigo 845, CPC, determina a aplicação dos artigos 355/363 e 381/382, todos do CPC, adaptados ao processo cautelar.

Poder-se-ia, na hipótese de adoção da reserva do possível como limite imanente, a fim de impedir a formação da prova diabólica, a adoção da teoria dinâmica da distribuição do ônus da prova.

O nosso Código de Processo Civil adotou a teoria estática do ônus da prova, a teor de seu artigo 333, distribuindo previamente o encargo probatório. No entanto, em muitas hipóteses (como a do caso das ações para controle de políticas públicas em que se adota a reserva do possível como limite imanente), a produção de prova pela parte que possui

tal incumbência torna-se deveras onerosa, justificando a distribuição dinâmica do encargo probatório: produzirá a prova quem tiver melhores condições de fazê-lo371.

Essa teoria encontra respaldo legal apenas no artigo 6°, inciso VIII, do CDC, sendo necessária a realização de um trabalho hermenêutico para estendê-la às demais ações que não as consumeristas.

A adoção da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, portanto, não é questão totalmente pacífica em âmbito nacional, sendo certo que ela não poderá salvaguardar adequadamente a tutela dos direitos fundamentais sociais.

Em assim sendo, uma vez que compreendemos a reserva do possível como uma restrição externa ao direito fundamental, o ônus da prova incumbirá ao Poder Público, nas ações para controle de políticas públicas.

A jurisprudência pátria, malgrado não faça a distinção ora traçada, já vem entendendo ser ônus do Poder Público a prova da reserva do possível, conforme se extrai do seguinte acórdão:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL.

MEDICAMENTOS. MUNICÍPIO DE PELOTAS. Legitimidade Passiva: O fornecimento de medicamentos, insumos e a realização de exames constitui responsabilidade solidária dos entes de direito público derivada do artigo 196 da Constituição Federal. Não havendo, pois, falar em ilegitimidade passiva de qualquer dos entes federados. Denunciação à lide: Pedido corretamente afastado pela sentença. Prevalente o interesse de uma rápida solução da lide, ante os direitos envolvidos na demanda, o que não ocorreria acaso acatado a intervenção de terceiros Direito à Saúde: Patente o dever de os entes públicos fornecerem, gratuitamente, medicamentos, insumos e demais serviços de saúde para o resguardo dos administrados, direito que tem sua matriz na Constituição Federal, tendo sido objeto de regulamentação na legislação infraconstitucional (arts. 196 e 198 da CF). Evidenciada a premente necessidade do tratamento, bem como a precariedade financeira do postulante, impõe-se o fornecimento dos fármacos dos quais não pode a parte prescindir, amparando os direitos à vida, à saúde e, em última análise, a preservação da própria dignidade humana. Reserva do possível. A simples alegação de que a prestação ao pedido da autora geraria impossibilidade de atendimento aos demais direitos garantidos pela

371 DIDIER JÚNIOR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processual

civil: direito probatório, decisão judicial, cumprimento e liquidação da sentença e coisa julgada. 2. v. Salvador: Juspodivm, 2007. p. 62.

Constituição Federal, não atende os ônus da prova que o art. 333, II, do CPC lhe impõe. Ausente prova da impossibilidade do cumprimento da obrigação solidária de prestar atendimento à saúde, não há como, via juízo de proporcionalidade, auferir a aplicação do princípio da reserva do possível. SENTENÇA MANTIDA. APELAÇÃO DESPROVIDA. (TJRS, Apelação Cível Nº 70029495942, Terceira Câmara Cível, Relator: Paulo de Tarso Vieira Sanseverino, Julgado em 21/05/2009)

4.3 SANÇÕES APLICÁVEIS EM CASOS DE DESCUMPRIMENTO DA

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