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Possibilidade jurídica da demanda

No documento Direitos Sociais e Processo Judicial (páginas 115-117)

3.4 RESERVA DE CONSISTÊNCIA

4.1.1 Possibilidade jurídica da demanda

A impossibilidade jurídica pode ser verificada em quaisquer dos três elementos da demanda (pedido, causa de pedir e partes).

Nessa ordem, ela existirá quando o pedido “se choca com preceitos de direito material, de modo que jamais poderá ser atendido, independentemente dos fatos e das circunstâncias do caso concreto”. Já a impossibilidade jurídica da causa de pedir estará caracterizada nos casos em que “a ordem jurídica nega que fatos como os alegados pelo autor possam gerar direitos”. Quanto às partes, elas “podem ser causa de impossibilidade jurídica, como no caso da Administração Pública, em relação à qual a Constituição e a lei negam a possibilidade de execução mediante penhora e expropriação pelo juiz”324.

Observe-se que a demanda será juridicamente possível não quando existente previsão no ordenamento jurídico, mas quando inexistir proibição legal. Por esse motivo, inicialmente, a jurisprudência nacional chegou a extinguir algumas ações para controle de políticas públicas, sob o argumento de que o pedido atentaria contra a previsão constitucional da separação dos poderes:

324 As citações deste parágrafo podem ser encontradas em DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições

de direito processual civil. v. 2, 3. ed., rev., atual. e com remissões ao Código Civil de 2002. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 301-302.

EMENTA: AÇÃO CIVIL PÚBUCA (sic). Condenação em obrigação de fazer. É defeso ao Poder Judiciário impor ao Executivo, determinada conduta administrativa, tão só, com base no artigo 3°, da Lei n° 7.347/85. Necessidade de previsão legal da norma afrontada e da correspondente penalidade. Pedido juridicamente impossível. Recurso improvido. (TJSP, Embargos Infringentes 703805001, Relator(a): Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, Órgão julgador: 7ª Câmara de Direito Público, Data de registro: 05/07/2001)325

Contudo, os tribunais pátrios não tardaram em rechaçar esse tipo de argumento, pelas razões já expostas em Capítulos anteriores (vide Capítulos 1 e 3), conforme observamos do seguinte exemplo:

EMENTA: PROCESSUAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OBRIGAÇÃO DE FAZER. INSTALAÇÃO DE PROGRAMA SÓCIO-EDUCATIVO DESTINADO À ADOLESCENTE EM REGIME DE SEMI-LIBERDADE NO MUNICÍPIO DE RIBEIRÃO PRETO. DIREITO SUBJETIVO À ABSOLUTA PRIORIDADE NA EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS À VIDA, À EDUCAÇÃO, À DIGNIDADE, AO RESPEITO, À LIBERDADE E À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA, ENTRE OUTROS. INTERESSE TRANSINDIVIDUAL. CARÊNCIA DA AÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. 1. Controvérsia gravitante em torno da possibilidade jurídica do pedido formulado em ação civil pública de preceito cominatório de obrigação de fazer, que objetiva a criação e instalação, no município de Ribeirão Preto, de programa sócio-educativo destinado a adolescentes em regime de semi-liberdade previsto no artigo 90, VI, do Estatuto da Criança e do Adolescente. 2. Alegação de que o prazo exíguo para o cumprimento da obrigação de fazer caracteriza a impossibilidade jurídica do pedido, em virtude da sujeição dos entes públicos às Leis de Licitações e de Responsabilidade Fiscal, no que aludem à necessidade de previsão orçamentária para a criação, expansão ou aperfeiçoamento de ação governamental que acarrete aumento de despesa. 3. A possibilidade jurídica do pedido, uma das condições da ação, cuja ausência enseja a extinção do processo sem julgamento do mérito, abrange não apenas a previsão legal da pretensão do autor, mas, antes, que a mesma não se encontre "vetada" pela ordem jurídica. 4. Causa de pedir consubstanciada na inobservância, pela FEBEM/SP, da política básica de atendimento dos direitos da criança e do adolescente estabelecida pelo ECA, frustrando a concretização dos direitos fundamentais garantidos pelo artigo 227, caput, da Constituição Federal de 1988, verbis: "É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao

325 O Desembargador Relator deste processo assim afirmou em seu voto: “A evidência, não se pode

excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (art. 5o, inc. XXXV, da Const. da Rep.); não cabendo, entretanto, ao Juiz de Direito, da causa, criar o direito material, estabelecendo sanção negativa (art. 5o, inc. II, da Const. da Rep. c/c art. 126, do Cód. de Proc. Civil). O pedido, na forma que apresentado, configura ingerência do Poder Judiciário, na esfera discricionária da Administração Pública, em desrespeito ao princípio constitucional da separação dos poderes ( art. 2o, da Const. da Rep.). Não se encontrando amparado na legislação vigorante, exsurge juridicamente impossível, o pedido formulado”. Tratava-se, na origem, de pedido elaborado pelo Ministério Público para que fosse disponibilizado local adequado para o depósito do lixo urbano.

adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão." 5. O pleito ministerial não se encontra vedado pelo ordenamento jurídico, constituindo tentativa de assegurar o efetivo respeito ao direito subjetivo do adolescente no município de Ribeirão Preto. 6. Consagrado por um lado o dever do Estado, revela-se, pelo outro ângulo, o direito subjetivo do adolescente. Consectariamente, em função do princípio da inafastabilidade da jurisdição consagrado constitucionalmente, a todo direito corresponde uma ação que o assegura, sendo certo que todos os adolescentes, nas condições estipuladas pela lei, encartam-se na esfera desse direito e podem exigi-lo em juízo. A homogeneidade e transindividualidade do direito em foco enseja a propositura da ação civil pública. 7. Ademais, o magistrado não fica adstrito ao prazo, para o cumprimento da obrigação de fazer, indicado pelo Ministério Público, sendo-lhe defeso, contudo, a prolação de sentença que incorra em um dos vícios de julgamento elencados no artigo 460, do CPC. 8. Recurso especial desprovido. (STJ, REsp 630.765/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 23/08/2005, DJ 12/09/2005 p. 214).

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