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INTERESSE DE AGIR ADEQUAÇÃO

No documento Direitos Sociais e Processo Judicial (páginas 118-121)

3.4 RESERVA DE CONSISTÊNCIA

4.1.2 Interesse de agir

4.1.2.1 INTERESSE DE AGIR ADEQUAÇÃO

Há quem sustente que a ação adequada para garantir a efetividade dos direitos sociais seria a ação transindividual, que teria melhores condições de analisar, globalmente, a viabilidade da política pública que se pretender implementar ou corrigir.

Nesse sentido, Luís Roberto Barroso327, ao dissertar sobre o caso da saúde, afirma que o Judiciário vem interferindo sobremaneira nos gastos públicos na área, preocupando-se demasiadamente em garantir a efetivação do direito individual, e esquecendo-se da macrojustiça. Assim sendo, seriam geradas algumas distorções na Administração Pública, a qual se veria obrigada a gastar mais com medicamentos do que com saneamento básico, como, proporcionalmente, aconteceu no Estado do Rio de Janeiro, em 2007.

O autor sustenta que a excessiva judicialização na área da saúde pública estaria inviabilizando os Entes Federados de otimizarem globalmente seus recursos, impondo- se, assim, os seguintes limites à atividade jurisdicional:

a) Os provimentos judiciais em ações individuais devem ser restringidos à dispensação dos medicamentos já incluídos nas listas elaboradas pelos Entes Federados.

b) A alteração das listas de medicamentos poderá ser realizada apenas no âmbito de ações coletivas, controlando, abstratamente a alocação dos recursos públicos, e preservando a igualdade e a universalidade nas prestações de saúde pública.

c) Somente medicamentos com eficácia científica comprovada poderiam ser incluídos pelo Judiciário nas listas dos Entes Federados, em ações coletivas.

d) Na inclusão de medicamentos pelo Judiciário, nas listas dos Entes Federados, devem-se preferir os medicamentos genéricos e aqueles produzidos em território

327 BARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde,

fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial. Disponível em: <http://www.lrbarroso.com.br/noticias/medicamentos.pdf>. Acesso em: 16 jul. 2009.

nacional, analisando-se, ainda, abstratamente, se o medicamento é indispensável para a manutenção da vida.

e) Deve figurar no polo passivo o Ente Federado que esteja vinculado à lista que se pretende corrigir.

Na alínea “a”, Barroso visa limitar as pretensões individuais relacionadas ao direito à saúde impondo ao Judiciário conceder apenas individualmente os medicamentos já disponibilizados pelas listas padronizadas pelo SUS. Ora, tal restrição acabaria por fulminar as pretensões individuais que, em sua grande parte, objetivam a concessão de medicamento ou a realização de tratamentos que não são disponibilizados pelo SUS.

Obviamente que o jurisdicionado não possui o direito subjetivo de escolher o tratamento que lhe aprouver328, devendo comprovar, ainda que em status assertiones, que o procedimento médico indicado é essencial para a garantia de sua saúde, e que o SUS não fornece o medicamento/tratamento prescrito, ou, ainda, que o análogo fornecido pelo SUS é ineficiente para a sua cura.

Quanto às alíneas “b”, “c” e “d”, não restam dúvidas de que ações judiciais que as possuíssem no rol dos pedidos apenas poderiam ser veiculadas na forma coletiva.

328 Nesse sentido: “EMENTA: ADMINISTRATIVO - MOLÉSTIA GRAVE - FORNECIMENTO

GRATUITO DE MEDICAMENTO - DIREITO À VIDA E À SAÚDE - DEVER DO ESTADO - MATÉRIA FÁTICA DEPENDENTE DE PROVA. 1. Esta Corte tem reconhecido aos portadores de moléstias graves, sem disponibilidade financeira para custear o seu tratamento, o direito de receber gratuitamente do Estado os medicamentos de comprovada necessidade. Precedentes. 2. O direito à percepção de tais medicamentos decorre de garantias previstas na Constituição Federal, que vela pelo direito à vida (art. 5º, caput) e à saúde (art. 6º), competindo à União, Estados, Distrito Federal e Municípios o seu cuidado (art. 23, II), bem como a organização da seguridade social, garantindo a "universalidade da cobertura e do atendimento" (art. 194, parágrafo único, I). 3. A Carta Magna também dispõe que "A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação" (art. 196), sendo que o "atendimento integral" é uma diretriz constitucional das ações e serviços públicos de saúde (art. 198). 4. O direito assim reconhecido não alcança a possibilidade de escolher o paciente o medicamento que mais se adeqüe ao seu tratamento. 5. In casu, oferecido pelo SUS uma segunda opção de medicamento substitutivo, pleiteia o impetrante fornecimento de medicamento de que não dispõe o SUS, sem descartar em prova circunstanciada a imprestabilidade da opção ofertada. 6. Recurso ordinário improvido. (RMS 28338/MG, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/06/2009, DJe 17/06/2009)”.

Com posição similar à de Barroso, malgrado seja ainda mais restritiva, Liana Cirne Lins sustenta que “a titularidade dos direitos sociais é efetivamente social, razão pela qual se impõe sua proteção na forma social [...] sem exclusão da possibilidade de haver, residualmente, proteção individual nos casos de ameaça ao mínimo existencial”329.

Observe-se que a autora estabelece a titularidade transindividual dos direitos fundamentais sociais, que somente poderiam ser tutelados individualmente, na hipótese de ferimento ao mínimo existencial.

A intenção de Liana Cirne Lins é impedir, ao máximo, a efetivação dos direitos sociais através do Judiciário, chegando a adotar a concepção socializante de que tais direitos seriam apenas direitos coletivos, o que já refutamos no Capítulo 2.

Esse posicionamento parece-nos ensejar uma contradição, eis que a tutela individual dos direitos fundamentais sociais somente se legitima nas hipóteses de ferimento do mínimo existencial, isto é, o Estado não está obrigado a tudo prestar, devendo ser responsabilizado, segundo os parâmetros da proporcionalidade, na medida exata para garantir uma existência digna dos administrados.

Por conseguinte, é inócua a limitação imposta pela autora de que a tutela individual se dará apenas quando presente o ferimento ao mínimo existencial, até mesmo porque a análise da transgressão do mínimo existencial não está dentre os requisitos de admissibilidade da ação, sendo matéria afeta ao mérito.

Impedir, in status assertiones, a proteção individual de um direito fundamental lesado não é medida consentânea ao Estado Democrático Constitucional, devendo ser de plano rechaçada:

Portanto, a tentativa de alguns setores da doutrina de melhor resolver as questões ligadas às políticas públicas através de ações coletivas não pode resultar em capitis deminutio dos direitos individuais, suprimindo toda a teoria dos direitos fundamentais que vem sendo construída, de

329 LINS, Liana Cirne. A tutela inibitória coletiva das omissões administrativas: um enfoque processual

sobre a justiciabilidade dos direitos fundamentais sociais. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/potal/cms/verTexto.asp?serviço=processoAudienciaPublicaSaude&Pagina=Artigos >. Acesso em: 26 abr. 2009.

modo a reconhecer os direitos subjetivos como situações jurídicas complexas ou permissões especiais de aproveitamento, individuais e coletivas, ao contrário, transformando-os em promessas vazias diluídas nas responsabilidades coletivas330.

Insta salientar ainda que, admitir que dar primazia, preferência à tutela coletiva, com o intuito exclusivo de se otimizar a efetivação dos direitos fundamentais sociais, no âmbito do Judiciário, não é o mesmo que impedir a tutela individual.

Na verdade, na esteira do afirmado por Sarlet, os direitos fundamentais sociais, em última análise, são dirigidos à pessoa humana, impondo também por essa razão, a proteção individual desses direitos331, através do processo.

No documento Direitos Sociais e Processo Judicial (páginas 118-121)