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Diversidade cultural: o índio e a educação escolar não-indígena no Brasil

Nesta seção da pesquisa realizamos breve exame sobre as abordagens da diversidade cultural indígena no sistema de Ensino Básico brasileiro. Aqui, pretendemos observar qual a postura da educação escolar brasileira diante da questão do respeito à pluralidade étnico- racial, no sentido de ampliar o debate acerca das formas como são tratadas, especificamente, as histórias e culturas indígenas nas instituições escolares não-indígenas.

No contexto contemporâneo, caracterizado pela difusão de políticas públicas educacionais dedicadas à produção de valores que propiciem o respeito e a valorização da diversidade cultural, cabe indagar sobre o lugar que os saberes sobre os grupos indígenas ocupam no ensino escolar, sobre a natureza das imagens que se constroem acerca dos índios e o nível de empenho empregado pelas instituições de ensino e a comunidade escolar para a elaboração e efetivação de projetos pedagógicos que promovam a valorização da diversidade cultural indígena. Serão, portanto, inquietações desta natureza que nortearão o desenvolvimento das reflexões insertas neste tópico da pesquisa.

A pluralidade cultural, como atestam Zamboni e Bergamaschi, pode ser considerada em outros setores da vida social, porém, na escola e, principalmente, na vinculação dos saberes escolares, há o predomínio de saberes eurocêntricos e brancos. As autoras apontam ainda que, por exemplo, a produção historiográfica e as políticas curriculares que orientam especificamente o ensino de História em diferentes contextos históricos, bem como as publicações didáticas e paradidáticas dirigidas às crianças, pouco fogem deste caminho, contribuindo substancialmente para negar o caráter multiétnico e pluricultural da nação brasileira (ZAMBONI; BERGAMASCHI, 2011).

Os resultados da análise realizada pelas autoras sobre as imagens indígenas na literatura escolar, mais especificamente nos livros Porque me ufano de meu país (1900), de Afonso Celso e História do Brasil para crianças, de Viriato Corrêa, publicado em 1934, com edições posteriores lançadas até meados dos anos 1960, revelam como tais posturas etnocêntricas, tão comuns no cotidiano escolar, eram expressas nas imagens que veiculavam sobre os indígenas. Assim, nestes livros vigoravam as seguintes concepções: 1- índio genérico, em que a pluralidade das identidades étnicas fica completamente apagada; 2- índio exótico, apresentado por diferenças em sinais diacríticos muito específicos e

descontextualizados culturalmente; 3- índio romântico, vinculado à ideia do bom selvagem, apresentado sempre no passado como uma figura ambígua, de herói e perdedor; 4- índio fugaz, que anuncia um fim inexorável, seja pelo extermínio físico ou por processos de assimilação à sociedade nacional (ZAMBONI; BERGAMASCHI, 2011, p. 8).

Nas escolas primárias da década de 1970 não se conheciam sociedades indígenas: tratava-se de “índios” ou apenas “índio”. As imagens sobre os indígenas construídas pela literatura escolar e que, consequentemente, seriam apropriadas pelos estudantes do período, ainda se pautavam na concepção generalizante herdada das visões dos cronistas, viajantes e intelectuais dos séculos XVII, XVIII e XIX (FREITAS, 2009).

Desta forma, os indígenas eram pintados como elementos que homogeneamente “viviam da caça, pesca e coleta, moravam em ocas (que reunidas formavam a taba), adoravam Jaci, Guaraci e Tupã, orientados pelo pajé (praticante de feitiçarias) e por um valente cacique.” (FREITAS, 2009, p. 196). Os índios eram, ainda, “[...] brincalhões, indolentes e frágeis de saúde, diante do trabalho imposto pelos portugueses. Deixavam-se iludir até mesmo por pequenas bugigangas como facas e espelhinhos oferecidos pelos europeus.” (FREITAS, 2009, p. 197).

Considerações como as expostas acima, incitam-nos a retomar alguns questionamentos fundamentais para se pensar a situação da diversidade cultural indígena em sala de aula. De onde vêm aquelas ideias ainda hoje tão presentes em nosso imaginário? Quais os instrumentos que contribuíram para a construção desse imaginário do brasileiro “médio” sobre o índio, e que tanto reflete em nossa sala de aula? Que visão os professores transmitem aos alunos sobre o índio e sua cultura? (SPYER, 1996, p. 162).

Segundo Spyer, os livros didáticos foram e continuam sendo um dos principais instrumentos para a construção das concepções do brasileiro sobre o índio. Eles desempenham “a função de organizar e reproduzir o que o branco pensa acerca dos povos da floresta, tanto em termos históricos quanto atuais.” A característica central destas concepções sobre os índios é a de serem permeadas pela visão europeia da dualidade entre o bem e o mal, o selvagem e o civilizado, a visão demoníaca e a idílica (SPYER, 1996, p. 163).

O sistema educacional brasileiro ainda impõe certo silêncio e invisibilidade às histórias e culturas indígenas. Elas são alvo da atenção de professores apenas em momentos restritos do ano letivo como, por exemplo, nas datas das chamadas “comemorações cívicas”, relativas à Festa do Dia do Índio, no dia 19 de abril.

[...] minhas lembranças deste tema na escola (a partir dos 7 anos de idade) passam sobretudo pelas [...] “comemorações cívicas”. A principal delas [...] era a Festa do Índio, no Dia do Índio (o que não difere muito de hoje), quando pintávamos a cara de tintas coloridas e nos enchíamos de penas de galinhas e recitávamos alguns poemas de Gonçalves Dias ou de Cassiano Ricardo. Tais comemorações persistem até hoje, com a mesma forma e conteúdo, na esmagadora maioria das escolas brasileiras, onde o índio é tratado como FOLCLORE – cultura morta – e não como cultura viva. (SPYER, 1996, p. 165).

Neste sentido, como afirma Vieira, as escolas, para além destas “ocasiões especiais”, como no caso das comemorações do Dia do Índio descrito acima, não se preocupam em elaborar e “realizar práticas pedagógicas voltadas para o âmbito da cultura, [...] que possam desconstruir e ressignificar as imagens cristalizadas, sólidas e exóticas dos povos indígenas, que por tão longo tempo permeiam o imaginário social.” (VIEIRA, 2009, p. 238); como vimos no capítulo anterior, imagens cercadas de recorrências estereotipadas e reinvenções generalistas.