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Os índios das missões científicas do século XIX e do positivismo republicano

As imagens sobre indígenas também foram expostas em iconografias das obras de artistas e cientistas que participaram das missões científicas européias no Brasil oitocentista. Neste contexto, são significativas as produções do zoólogo Johann Baptiste Von Spix, do botânico Carl Friedrich Von Martius, do pintor e geógrafo Hércules Florence, além das contribuições de personalidades como Jean Baptiste Debret, pintor que esteve no Brasil a serviço da Missão Artística Francesa, e Johann Moritz Rugendas, desenhista e documentarista integrante da Expedição Langsdorf.

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Rodolfo Amoedo (1857-1941), pintor carioca, estudou na Academia Imperial de Belas Artes (AIBA) do Rio de Janeiro, e em Paris, na Escola Nacional Superior de Belas Artes. Foi nomeado, em 1888, professor honorário de pintura na AIBA. Dentre as suas obras mais representativas, destacamos as de temática indianista, como por exemplo, O Último Tamoio (1883). Financiada por D. Pedro II, esta tela foi exibida pela primeira vez ao público brasileiro em 1884, na Exposição Geral de Belas Artes no Rio de Janeiro (SCRICH, 2012). Segundo Cavalcanti (2012), para a composição da tela, Amoedo se inspirou no poema épico A Confederação dos Tamoios (1856), do poeta romântico Gonçalves de Magalhães, obra que narra um episódio ocorrido três séculos antes, entre 1554 e 1567: a revolta dos índios Tamoios contra portugueses que tentavam escravizá-los, movimento que ficou conhecido como a “Confederação dos Tamoios”.

Figura 5 – Rodolfo Amoedo (1857-1941). O Último Tamoio (1883), óleo sobre tela, 180,3 x 261,3 cm. Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro, Brasil.

Fonte:<http://www.brasilartesenciclopedias.com.br/temas/pinturas_indianista.html>. Acesso em: 10 mar. 2011.

Os integrantes das missões científicas do século XIX estavam envolvidos no movimento de expansão das ciências naturais. Os artistas e cientistas das expedições pautavam seus estudos no método da observação e no espírito do colecionismo. No afã de pesquisar a natureza e o homem dos trópicos, eles prezavam pela descrição, registro, documentação e reprodução das suas observações através de desenhos e pinturas, encerrando o trabalho de campo com a coleta dos espécimes, que comporiam as coleções resguardadas nos recém-criados museus de história natural (PORTO ALEGRE, 2000).

Nesta conjuntura intelectual, segundo Maria Sylvia Porto Alegre, emerge a figura do pintor-etnográfico, observador que “desenha corpos, sistematiza traços, analisa e constrói a representação da identidade indígena através da aparência do seu corpo, buscando na sua superfície o sentido da interioridade invisível”. (PORTO ALEGRE, 2000, p. 67).

Na produção destes pintores-etnográficos se revela, pela primeira vez, a diversidade das culturas indígenas. Os desenhos e as pinturas se dissociam dos estereótipos Românticos deformados do “índio genérico”, em vias de extinção. Agora, detalham-se os corpos nus, adornados e pintados, as armas e objetos de uso cotidiano, as caçadas e a guerra, a vida em família, a dura sobrevivência nas selvas, o nomadismo constante, os rituais, as máscaras e as festas, experiências que atestam os traços distintivos de vários povos indígenas: Botocudos, Pataxó, Borôro, Puri, Mundurukú, Jurí, Tukuna, Kamakã, Coeruna, Mawé, Apiaká, entre outros (PORTO ALEGRE, 2000).

Neste sentido, na aquarela Habitação dos Apiacás sobre o rio Arinos (fig.6), de Hercules Florence24, podemos perceber as formas como são enfatizados os traços culturais dos Apiaká, por meio da riqueza de detalhes das ornamentações corporais dos indígenas e da reprodução de cenas da vida cotidiana específicas dos membros daquele grupo. No primeiro plano da imagem, em aldeia situada em ambiente ribeirinho, aparecem 6 indígenas nus, 3 homens e 3 mulheres, com as faces, tórax, braços e pernas pintados com figuras que reproduzem várias formas geométricas, portando penachos de plumas coloridas, colares, botoques, braceletes, pulseiras e tornozeleiras. À direita, 2 indígenas diante de um balde seguram longas e finas estacas de madeira, que lhes servem de pilão e com as quais

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Hercules Florence (1804-1879) foi um artista francês que integrou como segundo desenhista a Expedição Langsdorff (1821-1829), organizada pelo cônsul russo Gregory Ivanovitch Langsdorff (1773-1852) que, partindo do Rio de Janeiro, passou por São Paulo chegando à Amazônia por via fluvial (GRUPIONI, 2000). Em aquarelas como Habitação dos Apiacás sobre o rio Arinos (1828), produzida durante a Expedição, Florence prezou por retratar em detalhes o ambiente natural e social dos indígenas brasileiros da época. Neste sentido, segundo Hartmann (1970, p. 154 apud PEREIRA, 2008, p. 74), as imagens de Florence assumiram fundamental importância documental e etnográfica, pois colocaram em evidência grupos indígenas brasileiros que estavam até então ausentes do panorama iconográfico.

Figura 6 – Hercules Florence (1804-1879). Habitação dos Apiacás sobre o rio Arinos (1828). Academia de Ciências da Rússia, Moscou.

supostamente trabalham no beneficiamento da farinha de mandioca, conservada num balde disposto sobre as gramíneas do solo. Ainda à direita, uma mulher indígena, de costas para o observador, no interior de uma habitação com teto de palha, posta-se sobre uma rede de tecido atada às extremidades de estacas de madeira, que servem de lastro para a habitação. No segundo plano, à esquerda, outra habitação de estacas de madeira e teto de palha, onde se encontram 2 indígenas sobre redes de tecidos sobrepostas, com semblantes tranquilos que denotam satisfação.

Já no alvorecer do regime republicano brasileiro, a constituição das imagens sobre os índios foi influenciada pelos pressupostos da Escola Positivista do francês Augusto Comte. A sua teoria dos 3 estados, em que o conhecimento estaria sujeito a passar por sucessivos estágios da evolução, Teológico, Metafísico e Positivo e os povos mais primitivos e mais civilizados seriam apenas estados diferentes desta evolução, foi apropriada e adaptada por intelectuais brasileiros que pretendiam elaborar interpretações sobre a situação social dos povos indígenas.

Neste sentido, os índios foram observados como primitivos, que apenas por meio do evolucionismo e do progresso poderiam adentrar ao estágio positivo. O índio considerado como um ser incapaz, fraco, indefeso, uma criança grande e órfão, necessitava abandonar esta condição e ascender a um estágio superior, sob a tutela do Estado, e não mais da igreja, o que justifica o paternalismo estatal como vocação histórica da República (MARIANO, 2006).