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3.1 Panorama da literatura jurídica

3.2.2 Serviço público

3.2.2.4 Diversos

Dos 5 (cinco) demais acórdãos sobre serviço público, 2 (dois) não têm informações úteis para a compreensão do sentido de eficiência. Os acórdãos do SL nº 885 AgR / SP, que trata de

263 STF, ADI 4543 MC / DF, Plenário, Rel. Min. Carmen Lúcia, julgamento em 19.10.2011, pp. 19-20. 264 STF, ADI 2306 / DF, Plenário, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 21.3.2002, pp. 31-32.

suspensão de liminar que determinou a suspensão da execução de contrato administrativo265, e do HC nº 84367 / RJ, que trata de omissão em prestar informações requisitadas pelo Ministério Público em inquérito civil referente a prestadora de serviço público266, trazem informações úteis apenas com referência ao tipo de norma em que o dever de eficiência se classifica, assunto que será tratado em capítulo próprio.

No acórdão da ADPF nº 46 / DF, que trata do monopólio do serviço postal pela ECT, o Min. Marco Aurélio, em voto vencido, atribui à eficiência o sentido de correção de falhas de mercado267. Nos termos do voto:

É preciso ressaltar que a reconstrução do papel do Estado brasileiro envolve a superação de falsos dilemas, como o que levava a optar necessariamente pelo maniqueísmo entre serviço público e atividade econômica, como se uma atividade não pudesse correlacionar, ao mesmo tempo, os dois conceitos. Cumpre dissipar a ilusão de que os direitos fundamentais somente são observados se houver a preservação do Estado interventor. O Estado deve atuar, sim, mas de maneira subsidiária, de forma a assegurar boas condições para o crescimento da economia e o melhor desenvolvimento das capacidades de cada indivíduo, garantindo igualdade de oportunidades e viabilizando os deveres de continuidade, de universalidade e de eficiência na obtenção de serviços públicos. Abandonemos o conceito de Estado burocrático, formalista, exageradamente apegado aos meios, extremamente rígido, instituído no Brasil na década de 30 para fazer oposição ao Estado patrimonialista e que atendeu à proposta de dominação racional-legal idealizada por Max Weber. Adotemos o modelo de Estado gerencial, em vigor nos países escandinavos, na Inglaterra, na Austrália, como aquele que busca resultados, concede autonomia aos agentes, descentraliza poderes, muito mais do que a mera observância de regras. Nesse sentido, atender ao princípio da subsidiariedade significa dizer que o que possa ser realizado de maneira satisfatória pelas empresas privadas não deve ser assumido pelo Estado. A eficiência do Poder Público, então, será dimensionada não pelo número de atividades que preste diretamente à população, mas na medida em que consiga manter o mercado plenamente saudável para a livre iniciativa e a livre concorrência das empresas privadas. Nessa toada, a atuação do Estado na atividade econômica deverá ocorrer apenas quando esta se mostrar falha, ou insuficiente, de modo que o Poder Público aja de maneira a corrigir as imperfeições que o mercado sozinho não for capaz de digerir. Quando o cumprimento pela livre iniciativa se mostrar imperfeito, como, por exemplo, quando não atender às necessidades de universalização do serviço, deverá o Estado intervir, para garantir-lhe a manutenção de forma adequada a todos os cidadãos. Nesse sentido, valiosas

265 STF, SL 885 AgR / RJ, Plenário, Rel. Min. Ricardo Lewandovski, julgamento em 21.11.2015. 266 STF, HC 84367 / RJ, 1ª Turma, Rel. Min. Carlos Ayres Britto, julgamento em 9.11.2004.

267 Falhas de mercado consistem em hipóteses que contradizem as premissas do funcionamento de um mercado de concorrência perfeita, em que nenhum dos agentes tem poder de mercado, as dotações de direitos são claras, os agentes são perfeitamente informados acerca dos bens e dos direitos que compõem esses mercados e a transação desses bens e direitos ocorre de maneira desembaraçada e sem custos. São tipos de falhas de mercado, por exemplo, os monopólios e monopsônios, os oligopólios e oligopsônios, a assimetria de informação entre negociantes e os custos de transação, dentre outros. Para noções introdutórias sobre o tema, cf.: SEIDENFELD, Mark.

Microeconomic predicates to law and economics. Cincinnati: Anderson Pub. Co., 1996, pp. 61-68; e MANKIW,

são as lições extraídas de obra do professor Juan Carlos Cassagne: “A instituição dos monopólios em matéria dos chamados serviços públicos, industriais ou comerciais, contradiz abertamente o princípio da subsidiariedade, que legitima a gestão [estatal] e, ao mesmo tempo, desemboca em um sistema de alto custo social, já que as formas monopolísticas de prestação desses serviços públicos geram uma ineficiência natural que chega a resistir até às mudanças tecnológicas, à racionalização do serviço e à seleção de pessoal”268.

A arguição foi julgada improcedente, tendo-se entendido que o monopólio dos serviços postais pela ECT não afronta preceitos constitucionais.

No acórdão da ADI nº 3944 / DF, que trata da inconstitucionalidade de dispositivos do decreto que instituiu o Sistema Brasileiro de Televisão Digital, o Min. Ayres Britto atribui à eficiência o sentido promoção da atualidade e da continuidade do serviço público.

Segundo o ministro, os dispositivos impugnados, referentes à concessão temporária de mais um canal às concessionárias, para veicularem a mesma programação pelas vias analógica e digital, realizariam o dever de eficiência:

A norma inscrita no art. 7º do Decreto 5.820/2006 (e também nos arts. 8ª a 10) cuida de autorização de uso do espectro de radiofrequências, e não de outorga de concessão do serviço público de radiodifusão de sons e imagens. O que se deu, na verdade, foi o seguinte: diante da evolução tecnológica, e para a instituição no país da tecnologia digital de transmissão de sons e imagens, sem interrupção da transmissão de sinais analógicos, fez-se imprescindível a consignação temporária de mais um canal às atuais concessionárias do serviço de radiodifusão de sons e imagens. Isso para que veiculassem, simultaneamente, a mesma programação nas tecnologias analógica e digital. Tratou-se de um ato do Presidente da República com o objetivo de manter um serviço público adequado, tanto no que se refere à sua atualidade quanto no tocante à sua continuidade. Ato por isso mesmo serviente do princípio constitucional da eficiência no âmbito da Administração Pública. (...) Não sendo mais adequado um serviço de radiodifusão de sons e imagens que se utilize de transmissão de sinais analógicos, necessária a utilização da tecnologia digital (atualidade), não merecendo tal qualificação, porém, um serviço tecnologicamente “de ponta” que não esteja ao alcance de grande parte da população brasileira, imperiosa a transmissão simultânea em ambas as tecnologias, durante um período de transição (continuidade)269.

No mesmo sentido, votou a Min. Carmen Lúcia:

E como o Ministro-Relator, também julgo improcedente a ação. Primeiro, porque acho que não há outro serviço que se tenha iniciado a partir do que decretado. Até lembraria que em todo trabalho de Direito Administrativo sobre

268 STF, ADPF 46 / DF, Plenário, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 5.8.2009, pp. 47-51.

concessão e permissão de serviço público se dá como exemplo o que ocorreu em 1881 em Campos. Em 1789, Thomas Edison cria a lâmpada incandescente; o serviço público de iluminação era a gás, e se determinou então que os mesmos concessionários tivessem a obrigação de passar a fazer a mudança para a iluminação elétrica. Este exemplo é citado pelos administrativistas exatamente para demonstrar que, quando o serviço público precisa ser prestado com mais eficiência em benefício do interesse público (...), o poder público tem a obrigação de determinar e o concessionário de aceitar. É também o entendimento do que significa a expressão, hoje constitucionalmente aproveitada no artigo 175 da Constituição, como serviço adequado270.

A ação direta foi julgada improcedente, tendo-se reconhecido a constitucionalidade do decreto.

No acórdão do RE nº 658570 / MG, que trata de “atribuição às guardas municipais do exercício de poder de polícia de trânsito, inclusive para imposição de sanções administrativas legalmente previstas”, o Min. Marco Aurélio, votando pelo parcial provimento do recurso, para restringir as atribuições da guarda municipal, em tema de fiscalização e controle de trânsito, “aos casos em que existir conexão entre a atividade a ser desempenhada e a proteção de bens, serviços e equipamentos municipais”, atribui a eficiência o sentido de vedação à sobreposição de competências:

Por conta dos limites à atuação da guarda municipal em matéria de trânsito, afasto a alegação de contrariedade ao princípio da eficiência. As atribuições da Empresa de Transportes e Trânsito de Belo Horizonte – BHTRANS, ao menos sob a perspectiva constitucional, não se reduzem à proteção de bens, serviços e instalações municipais, no que não haveria sobreposição de funções entre as duas instituições271.

Nesse mesmo acórdão, o Min. Luis Roberto Barroso, votando pelo desprovimento do recurso, para considerar legítimo o exercício, pelas guardas municipais, do poder de polícia de trânsito, inclusive pela aplicação de multa, atribui à eficiência o sentido de flexibilização de competências:

Deve-se interpretar o preceito sistematicamente, à luz, sobretudo, do princípio constitucional da eficiência, considerando-se as diferentes realidades sociais e orçamentárias dos Estados e Municípios brasileiros. Assim, o art. 144, §10, da CF exigiria tão-somente o exercício da função de agente de trânsito por agente público – e, nesse sentido, estruturado em carreira. A escolha de qual carreira do serviço público contemplará as funções de agente de trânsito fica a cargo do legislador estadual e municipal, sendo perfeitamente possível

270 STF, ADI 3944 / DF, Plenário, Rel. Min. Carlos Ayres Britto, julgamento em 5.8.2010, p. 27. 271 STF, RE 658570 / MG, Plenário, Rel. Min. Luis Roberto Barroso, julgamento em 6.8.2015, p. 22.

recair, nessa última hipótese, sobre a guarda municipal, como, aliás, é comum no país272.

O recurso foi desprovido por maioria, nos termos do voto do Min. Barroso.

Portanto, são 4 (quatro) os sentidos de eficiência inferidos dos demais acórdãos sobre o tema do serviço público:

a) Correção de falhas de mercado;

b) Promoção da atualidade e da continuidade do serviço público; c) Vedação à sobreposição de competências; e

d) Flexibilização de competências.