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5.1 Proposta conceitual

5.1.1 Eficiência como sobreprincípio

Os sentidos do dever constitucional de eficiência quanto aos meios, resultados e modos de agir da atividade administrativa, conforme inferidos da jurisprudência do STF, eliminando- se sentidos redundantes e pouco claros, seriam os seguintes:

a) Quanto aos meios:

a. Viabilização material do funcionamento do Estado; b. Capacitação técnica dos servidores públicos; e

c. Incremento das condições de trabalho dos servidores públicos. b) Quanto aos resultados:

427 V. pp. 140-141.

a. Vedação de consequências discriminatórias indiretas da atividade administrativa;

b. Vedação de incentivos contrários ao funcionamento do Estado; c. Vedação de conduta lesiva ao patrimônio público;

d. Correção de falhas de mercado;

e. Livre produção de efeitos das decisões judiciais;

f. Promoção da atualidade e da continuidade do serviço público; e g. Favorecimento do acesso à Justiça.

c) Quanto ao modo de agir:

a. Planejamento da atividade administrativa; b. Coordenação da atividade administrativa; c. Celeridade da atividade administrativa; d. Flexibilização de procedimentos; e. Flexibilização de competências;

f. Adoção de critérios objetivos de contratação pela Administração; e g. Viabilização da controlabilidade dos atos da Administração.

Esses sentidos parecem se adequar a concepção do dever constitucional de eficiência como sobreprincípio, nos termos da teoria de Humberto Ávila, conforme se passa a demonstrar. Ávila, com fundamento em sua própria teoria, concebe o dever constitucional de eficiência apenas como postulado. Segundo ele, a eficiência, embora majoritariamente denominada princípio pela doutrina, não determina a realização de finalidades, mas estrutura “a realização dos fins cuja realização é imposta pelos princípios”429.

Assim, para Ávila, “o dever de eficiência estrutura o modo como a Administração deve atingir os seus fins e qual deve ser a intensidade da relação entre as medidas que ela adota e os fins que ela persegue”430. A justificação que o dever de eficiência impõe, segundo Ávila, deve ocorrer no âmbito do juízo de adequação do postulado da proporcionalidade, para obstar a adoção de medida que, embora adequada, seja a menos intensa, a pior e a menos segura para atingir um fim:

429 ÁVILA, Humberto. Moralidade, Razoabilidade e Eficiência na Atividade Administrativa. In: Revista Eletrônica de Direito do Estado, nº 4. Salvador: Instituto de Direito Público da Bahia, out.-dez./2005, p. 3. Disponível em: http://www.direitodoestado.com.br. Acesso em: 9 de janeiro de 2016.

430 ÁVILA, Humberto. Moralidade, Razoabilidade e Eficiência na Atividade Administrativa. In: Revista Eletrônica de Direito do Estado, nº 4. Salvador: Instituto de Direito Público da Bahia, out.-dez./2005, p. 19. Disponível em: http://www.direitodoestado.com.br. Acesso em: 9 de janeiro de 2016.

O postulado da proporcionalidade exige que a administração escolha, para a realização de fins, meios adequados, necessários e proporcionais. Um meio é adequado se promove o fim. Um meio é necessário se, dentre todos aqueles igualmente adequados para promover o fim, for o menos restritivo para o administrado. E um meio é proporcional em sentido estrito se as vantagens que promove supera as desvantagens que provoca. (...) Para este trabalho, interessa-nos responder somente à primeira pergunta (o que significa um meio ser adequado à realização de um fim?). Para tanto, é preciso analisar as relações existentes entre os vários meios disponíveis e o fim que se deve promover. Pode-se avaliar essa relação em três aspectos: quantitativo (intensidade), qualitativo (qualidade) e probabilístico (certeza). (...) Essas ponderações – restringindo-nos ao objeto do nosso trabalho – remetem-nos a analisar se a administração tem o dever de escolher o “mais intenso”, “melhor” e “mais seguro” meio para atingir o fim ou se tem o dever de escolher um meio que simplesmente promova o fim. Cremos que a administração tem o dever de escolher um meio que simplesmente promova o fim. (...) Em primeiro lugar, nem sempre é possível – ou mesmo plausível – saber qual, dentre todos os meios igualmente adequados, é o mais intenso, melhor e mais seguro na realização do fim. (...) Mas se a administração não tem o dever de escolher o “mais intenso”, o “melhor” e o “mais seguro” meio para atingir o fim, pergunta-se: pode a administração escolher o “meio menos intenso”, “pior” e “menos seguro” para atingir um fim? Certamente, não. Pois é precisamente aqui que entra em cena o dever de eficiência administrativa431.

Além de conceber o postulado da eficiência como “dever de promover o fim de modo satisfatório”, Ávila associa a ele um “dever de escolher meio menos custoso ‘ceteris paribus’”, significando que “a opção menos custosa dever ser adotada somente se as vantagens proporcionadas por outras opções não superarem o benefício financeiro”432, ou seja, a melhor medida para realizar um fim, segundo esse dever, é a que apresenta melhor relação custo- benefício.

Concordando parcialmente de Ávila, Fernando Leal vai adiante e argumenta que “não parece ser possível defender que a eficiência seja classificada simplesmente como princípio”, porque “dificilmente será possível vinculá-la a um fim normativo autônomo (a própria realização da eficiência pela eficiência) e ponderá-la diretamente com outros princípios ou fins concorrentes”433. Segundo Leal, “no caso específico da eficiência, é necessário saber se existe

431 ÁVILA, Humberto. Moralidade, Razoabilidade e Eficiência na Atividade Administrativa. In: Revista Eletrônica de Direito do Estado, nº 4. Salvador: Instituto de Direito Público da Bahia, out.-dez./2005, pp. 21-23. Disponível em: http://www.direitodoestado.com.br. Acesso em: 9 de janeiro de 2016.

432 ÁVILA, Humberto. Moralidade, Razoabilidade e Eficiência na Atividade Administrativa. In: Revista Eletrônica de Direito do Estado, nº 4. Salvador: Instituto de Direito Público da Bahia, out.-dez./2005, p. 20. Disponível em: http://www.direitodoestado.com.br. Acesso em: 9 de janeiro de 2016. No mesmo sentido: ÁVILA, Humberto: Sistema Constitucional Tributário. São Paulo: Saraiva, 2010, pp. 440-447.

433 LEAL, Fernando. Propostas para uma Abordagem Teórico-Metodológica do Dever Constitucional de

Eficiência. In: Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico, nº 15. Salvador: Instituto de Direito

Público da Bahia, ago.-out./2008, p. 7. Disponível em: http://www.direitodoestado.com.br. Acesso em: 9 de janeiro de 2016.

um estado de coisas autônomo e desejável buscado pela própria norma ou se ela não passa de um instrumento que pauta a realização de outros fins, estes, sim, independentes”434. Conclui pela possibilidade de conceber o dever de eficiência como postulado435, mas também como princípio que expressa, em vez de finalidades, meta-finalidades:

Nesse sentido, seria aquele estado de coisas (que podemos chamar de eficiente) um fim externo à realização de qualquer finalidade que envolva (também) decisões de caráter econômico ou orçamentário. Não estaria este “princípio da eficiência” atado às características dos sujeitos ou objetos atingidos, mas seria uma finalidade inerente ao próprio Estado, que tem de alocar recursos, prestar serviços públicos e garantir condições materiais e instrumentais para a fruição de direitos. Mas sua amplitude pode se expandir para além do âmbito da Administração Pública. É da mesma forma – como finalidade estatal – que se pode referir como eficientes aos sistemas de organização centralizada do poder através da divisão dos poderes e dos precedentes e mesmo a estrutura do próprio processo. No primeiro caso, porque permitem, com menor custo, a manutenção da paz social, certeza e adaptabilidade às mudanças. No segundo, porque, como produtos de litígios, quanto maior o número de precedentes em uma área, menor será o custo do processo. Ambos são expressões de noções como produtividade e eficácia – agregados ao conceito jurídico de eficiência – que se fazem presentes na própria estruturação do Estado e do ordenamento jurídico. Por tais razões, a eficiência seria, a bem dizer, um princípio, porquanto subscreve (meta-)finalidades. Seria a versão nacional, como princípio setorial voltado à Administração Pública, para o “dever de boa administração” dos italianos436.

A concepção de Leal do dever constitucional de eficiência como sobreprincípio parece adequada a um princípio da eficiência dotado de múltiplos sentidos, como o que ora se propõe437. Escora-se em conceito de sobreprincípio, emprestado da teoria de Ávila, para quem “há princípios que se caracterizam justamente por impor a realização de um ideal mais amplo, que engloba outros ideais mais restritos. Esses princípios podem ser denominados de sobreprincípios”438. Ávila propõe o seguinte conceito de princípio:

434 LEAL, Fernando. Propostas para uma Abordagem Teórico-Metodológica do Dever Constitucional de

Eficiência. In: Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico, nº 15. Salvador: Instituto de Direito

Público da Bahia, ago.-out./2008, p. 9. Disponível em: http://www.direitodoestado.com.br. Acesso em: 9 de janeiro de 2016.

435 A concepção de postulado da eficiência de Leal tem diferenças relevantes em relação à de Ávila, conforme será demonstrado no próximo item.

436 LEAL, Fernando. Propostas para uma Abordagem Teórico-Metodológica do Dever Constitucional de

Eficiência. In: Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico, nº 15. Salvador: Instituto de Direito

Público da Bahia, ago.-out./2008, pp. 10-11. Disponível em: http://www.direitodoestado.com.br. Acesso em: 9 de janeiro de 2016.

437 Leal, no entanto, também considera que o dever constitucional de eficiência constitui postulado normativo de sentido similar ao postulado da economicidade concebido no item a seguir. Conforme se espera demonstrar, a jurisprudência do STF parece fornecer subsídios suficientes para a concepção de um postulado da economicidade que se distingue do dever constitucional de eficiência.

Princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação do estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção439.

O estado de coisas ou o fim a ser promovido – aspecto prospectivo – mediante aplicação do sobreprincípio da eficiência consistiria no incremento dos meios, dos modos de agir e dos resultados da atividade administrativa, mediante promoção de cada uma das finalidades que, conforme o arranjo proposto, constituem o sentido do dever constitucional de eficiência, sem prejuízo de novas interpretações jurisprudenciais permitirem a inferência de outras finalidades. A pretensão de complementaridade e de parcialidade relaciona-se a que os princípios abrangem “apenas parte dos aspectos relevantes para uma tomada de decisão, não têm a pretensão de gerar uma solução específica, mas de contribuir, ao lado de outras razões, para a tomada de decisão”440.

Quanto ao modo de aplicação, trata-se de “argumentar de modo a fundamentar uma avaliação da correlação entre os efeitos da conduta a ser adotada e a realização gradual do estado de coisas exigido”441.

Embora haja decisões do STF que parecem ponderar eficiência diretamente com outras normas, a estrutura de argumentação não é explícita, portanto a jurisprudência deixa em aberto a possibilidade de que o princípio da eficiência tenha sido ponderado indiretamente, por intermédio de um de seus sentidos.