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4 METODOLOGIA OU FAZER DECOLONIAL? O PROCESSO

4.2 A COMPOSIÇÃO DO NOSSO PROCESSO DECOLONIZANTE DE

4.2.1 Como conhecemos os participantes?

4.2.1.2 Divulgação nas escolas

Enquanto ocorria a divulgação pelas redes sociais, também realizamos divulgação em oito escolas de ensino médio15 e uma escola de ensino fundamental (falaremos o motivo na página 38), de três municípios do agreste de Alagoas, e também em duas universidades. Essas escolas têm amplo alunado de diversas cidades da mesorregião (agrupamento de microrregiões em um mesmo estado ou território) do agreste alagoano. Conforme conversas com educadores, estudantes e alguns dos participantes, identificamos que 12 municípios dessa região são atendidos pelas escolas as quais circulamos. A região conta com 24 municípios e possui limites ao norte com Pernambuco, ao sul com Sergipe, marcado pelo Rio São

13 Disponível em: https://www.facebook.com/anthoniocesar.

14 Agradeço meu namorado Raul Santos Brito e a amigos que indicaram jovens com perfis no Instagram. 15 Algumas dessas escolas foram parceiras em ações de estágio e extensão do nosso curso de Psicologia da

Francisco, a oeste com o sertão, e também com o leste alagoano, que compreende zona da mata e litoral. Os jovens que participaram da pesquisa residem em quatro desses municípios e estudam ou estudaram em dois deles. Denominaremos os municípios de Cidade Amarela, Cidade Verde, Cidade Vermelha e Cidade Azul. A seguir o mapa de Alagoas, com destaque em rosa para o agreste alagoano:

Figura 4 - Mapa de Alagoas, com destaque para o agreste alagoano

Fonte: adaptado por Juliana Amaral (2020)

De forma geral, o objetivo era conversar com os gestores e educadores para informar sobre a pesquisa, buscar apoio e afixar na escola o cartaz informativo da pesquisa. Conforme detalharemos, tivemos algumas dificuldades para divulgar em algumas poucas escolas, mas, em compensação, na maioria tivemos apoio de diversas formas.

Na verdade, pudemos notar o estranhamento de algumas pessoas, desde a impressão do material em uma pequena gráfica na região. Não planejamos ida à sala de aula, e não fomos para as salas em três das escolas visitadas. Em uma dessas instituições, que inclusive já foi parceira de projeto de extensão coordenado pelo pesquisador, a gestora relatou que as famílias têm agido com muita vigilância diante de questões em torno de gênero e sexualidade. Conversamos sobre como isso tem se acirrado nos últimos anos. Em outra escola o gestor, como ato de acompanhamento e apoio, entrou em contato dias depois para saber se tudo deu certo no processo de divulgação. Nas outras duas escolas em que não tivemos permissão para adentrar às sala de aula, os gestores alegaram que não seria possível interromper as atividades. Percebemos nesses dois estabelecimentos alguma rigidez nessa questão. Porém, nessas duas escolas pudemos estabelecer parcerias para discussão sobre questões de gênero e sexualidade com bastante abertura e participação de estudantes, educadoras e educadores, antes e depois deste processo de pesquisa. São escolas que geralmente têm posturas críticas e propositivas diante do público LGBTQI+.

Em seis escolas, fomos incentivados para irmos nas às salas de aula divulgar a pesquisa. Tivemos apoio direto de muitas mulheres educadoras (professoras, gestoras, psicólogas, assistentes sociais, comunicadoras e funcionárias de apoio), assim como de homens educadores cisgêneros, heterossexuais e também homossexuais. Sobre isso, afirmamos a homossexualidade desses educadores a partir do que pudemos observar e dialogar, pois os mesmos não falaram sobre ela diretamente. Foram educadores muito prestativos no auxílio ao processo de divulgação. Um deles intermediou o contato com mais duas escolas, sendo uma delas de ensino fundamental. Apesar de não compor o público-alvo da pesquisa, fomos até essa escola e a visita foi bem satisfatória, com bastante abertura dos educadores e também de alguns estudantes. Procuramos falar sobre a pesquisa numa linguagem mais simples, por conta da faixa etária. Através desses educadores pudemos divulgar em todas as salas de aula disponíveis em quatro escolas. Foram dias intensos, e ficamos muito contentes com a abertura gerada por eles.

De forma geral, o pesquisador iniciou os contatos em sala de aula se apresentando, falando sobre o projeto de extensão realizado em escolas da região que discutia sexualidade e projeto de vida, e que a partir desse projeto o mesmo iniciou essa pesquisa, com o objetivo de compreender as formas de resistência dos jovens homens que são homossexuais e residem na zona rural (nesse momento ainda não passamos a denominar como jovens que residem no campo). Em muitas salas, o pesquisador percebeu que “rolavam” olhares entre os estudantes, assim como algumas risadinhas mas, ao mesmo tempo, algumas das alunas e alguns dos alunos continuaram olhando atentamente. Informamos que era uma pesquisa sigilosa, que só participaria quem quisesse, que não tínhamos o objetivo de “tirar ninguém do armário” (nesse momento mais risadinhas, poucas) e que essa pesquisa se dava porque nas reuniões com os jovens participantes do projeto havíamos percebido que alguns dos meninos homossexuais sofriam bulliyng, desistiam de estudar, tinha rendimento baixo, reprovação, entre outros problemas, e que estávamos interessados em conhecer as estratégias de resistência que eles tinham, além das dificuldades, sobretudo os que continuavam estudando. Informamos que a pesquisa ajudaria posteriormente a criar formas de atuar com esses jovens e com a escola. Falamos sobre os momentos previstos, dos contatos disponíveis nas redes sociais e apresentamos os panfletos. Em muitas escolas não abrimos para questões durante a divulgação. Confessamos que, inicialmente, tivemos algum receio por não sabermos diretamente como iriam corresponder, e também consideramos o risco de rotulação dos estudantes que levantassem a mão e fizessem questionamentos. Porém, com a intensificação de idas para as salas de aula passamos a abrir para questões.

Em algumas poucas escolas observamos que houve silenciamentos e os pouquíssimos questionamentos se deram, de forma geral, com pouca tensão. A maioria dos estudantes, das educadoras e dos educadores não fez perguntas. Foi possível observar sorrisos de identificação com a pesquisa por parte de alguns estudantes mais afeminados, que geralmente não estavam isolados em sala. Avaliamos essa postura como positiva, como se eles e elas estivessem (finalmente) sendo valorizados e reconhecidos pelo que são, em um contexto que geralmente silencia a homossexualidade e problemas de gênero em seu cotidiano, e com alguma intenção de compor um pacto conosco.

Em somente uma das escolas fomos interpelados diretamente pelos estudantes, curiosamente por estudantes visivelmente mais novos que outros com quem tivemos contato. Perguntaram como o pesquisador fazia os seus cabelos dreadlocks e também se era possível fazer a inscrição por um colega homossexual que havia evadido. Nesse caso, indicamos que fizessem junto com o colega, porque ele teria que ter interesse em participar, que o incentivassem a fazer parte do estudo e que entrassem em contato com o pesquisador por e- mail ou WhatsApp, caso houvesse necessidade e pudéssemos ajudar em algo. Percebemos então que não fizeram contato, e não identificamos esse rapaz citado entre os inscritos. Não houve críticas diante da pesquisa, nem por parte dos estudantes, nem por parte dos professores e professoras. Algumas professoras questionaram sobre mais detalhes e alguns conceitos como, por exemplo, gays, homossexualidade e a luta LGBTQI+.

Nas escolas em que pudemos ir para a sala de aula, avaliamos que tivemos maiores interlocuções, o que possibilitou saber mais sobre cotidiano e também sugestões sobre abordagem. Em algumas delas, lidamos com demanda de sofrimento psíquico, ou relatada pelos educadores, ou pelos estudantes, ou observada diretamente. Identificamos questões em torno da evasão, automutilação e suicídio, e percebemos que algumas das situações estavam atreladas aos estudantes identificados como LGBTQI+. Ao fim das visitas, em cada sala, agradecíamos pelo espaço e pela atenção. De forma geral, nos sentimos bem respeitados pelos estudantes.

Pudemos identificar algumas falas preconceituosas e discriminatórias por parte de alguns poucos gestores. Houve críticas de educadores e gestoras sobre a feminilidade dos estudantes homossexuais em suas escolas, e críticas aos alunos homossexuais nomeados como “atirados”, por paquerarem publicamente outros alunos, assim como alguns educadores fizerem correlações entre o sofrimento psíquico de alguns alunos e alunas com as dúvidas e/ou vivências da sexualidade, também relacionando com as dificuldades dos familiares lidarem com essas questões. Procuramos abordar todas essas questões a partir de uma breve

devolução das mesmas, lançando perguntas curtas, problematizando de forma leve e respeitosa as situações de discriminação, procurando compreender minimamente algumas das indagações, buscando dialogar com os objetivos da pesquisa e indicando possíveis parcerias futuras com a Universidade16.

Evitamos, na medida do possível no momento, deixar as situações em aberto, mas também não geramos tensões que pudessem inviabilizar contatos futuros. De forma geral, os poucos contatos tensos foram se desdobrando em situações sem conflitos. Uma das escolas visitadas para divulgação já havia sido contatada meses antes para estabelecer parceria para a pesquisa, como citamos anteriormente. Mas o gestor nunca havia dado retorno sobre a carta de anuência, mesmo após vários contatos. Pudemos conversar diretamente com ele, na ocasião da divulgação, de forma breve, sem muita atenção por parte do mesmo, que não interferiu no processo de divulgação.

Em outras escolas, o apoio partiu de educadoras que já eram nossas parceiras, assim como a adesão e apoio também aconteceu de forma espontânea em alguns espaços. Pegamos os contatos telefônicos, de e-mail e de redes sociais de diversos educadores e educadores, e pudemos depois disponibilizar informações mais detalhadas sobre a pesquisa e replicar os panfletos digitais para que fossem replicados para os alunos. Em alguns casos, fomos convidados para eventos e parcerias futuras nas próprias escolas. Identificamos falas e atos de apoio aos estudantes LGBTQI+. Em uma das escolas, os gestores avaliaram de forma positiva que a escola que coordenavam era o único espaço de manifestação da afetividade para muitos de seus alunos LGBTQI+.

Entre a visita nas escolas, tivemos a oportunidade de também fazer a divulgação em uma das reuniões do coletivo denominado União Agreste Livre (UAL). Com sede em uma das cidades participantes da pesquisa, esse coletivo, do qual o pesquisador também faz parte, busca discutir questões sobre a população LGBTQI+ do agreste de Alagoas. A reunião teve como foco a apresentação dos participantes, das expectativas de retomada do coletivo e de perspectivas de trabalho do mesmo. Havia cerca de 30 participantes, com público majoritariamente composto por jovens mulheres e o foco na apresentação de si. Em um dos momentos, o pesquisador pôde apresentar a pesquisa, com a entrega de panfletos, de forma objetiva. Nesse espaço, o pesquisador foi questionado por uma das jovens participantes sobre

16 Nesses contatos, o pesquisador, docente do curso de Psicologia da UFAL, em Palmeira dos Índios, informou que estava afastado de suas funções para a pesquisa, mas que estaria à disposição e interessado em parcerias futuras, bem como informou o que estava em funcionamento na universidade durante o seu afastamento (o Núcleo de Psicologia Escolar e Educacional de Alagoas – NPEE-AL e a Clínica Escola do curso de Psicologia da UFAL Palmeira dos Índios).

porquê não estávamos pesquisando com lésbicas. Alguns gestores e estudantes das escolas visitadas também perguntaram sobre, e nessas ocasiões argumentamos que tivemos que eleger um foco de pesquisa sobre homossexualidade e masculinidades, e que também estávamos considerando o nosso lugar de fala, especificamente do pesquisador. Apesar de não ter havido nenhum conflito por conta disso, embora tenhamos notado alguma tensão (percebemos que uma das participantes fez uma dobradura com o panfleto entregue), avaliamos que haviam compreendido as justificativas e consideramos que, em momentos posteriores de construção de informações, essa foi uma questão que demandou atenção por parte de algumas jovens com as quais tivemos contato e também de muitos dos jovens homens homossexuais participantes da pesquisa. Trataremos disso mais adiante.

Convém dizer que, ao fim de todo o processo de divulgação e posterior construção de informações, percebemos que nenhum dos participantes veio diretamente das escolas visitadas, nem do coletivo UAL. Todos eles souberam da pesquisa pelas redes sociais, diretamente pelos amigos, por gestores de outras escolas não visitadas (mas que souberam da pesquisa pelas redes sociais) e dois deles souberam a partir de professoras que não atuam nas escolas onde ocorreram divulgação, mas que souberam da pesquisa pelas redes sociais.

Quanto a essa questão das redes sociais, esse foi um dos elementos da composição do processo decolonizante de pesquisa que nos surpreendeu, uma vez que não considerávamos inicialmente o uso das redes sociais como estratégia principal, mas que acabou se mostrando fundamental. O campo de pesquisa demandou o uso desse instrumento, exigindo a apropriação de ferramentas nunca utilizadas anteriormente por nós (a exemplo do Instagram e do formulário virtual de inscrição atrelado ao e-mail). Percebemos que as redes sociais compõem um espaço dinâmico que favorece alguma segurança e, mesmo considerando os perigos do mal uso (quando não se constrói conhecimento, quando é usado para disseminar informações sem fundamento – as fake news – ou quando é utilizado para apropriação indevida de dados), as redes sociais possibilitaram a construção de uma rede de contatos que foi bastante efervescente e relevante no período de divulgação, no início da pesquisa e em articulações durante a mesma. Foi um espaço que proporcionou alguns pactos e, consequentemente, relações de confiança, principalmente demandadas pelos jovens que se tornaram participantes da pesquisa, mas também de educadores. Por esses caminhos, passamos a receber informações sobre diversos processos de luta e eventos, relacionados ou não a questão LGBTQI+. Também passamos a disseminar informações e, como já relatamos, também foi possível compor outras parcerias com pessoas e instituições, recebendo e fazendo convites para eventos e reuniões.

Sobre as escolas, avaliamos que nelas há jovens, conforme o perfil indicado para a pesquisa, mas que provavelmente a conjuntura política local, nacional e o avanço do Escola Sem Partido em Alagoas podem ter inibido a participação dos mesmos. No ano de 2016, a Assembleia Legislativa de Alagoas aprovou a lei nº 7.800 do Programa “Escola Livre”, que veda “a prática de doutrinação política e ideológica, bem como quaisquer outras condutas por parte do corpo docente ou da administração escolar que imponham ou induzam aos alunos opiniões político-partidárias, religiosa ou filosófica” (ALAGOAS, 2016). O projeto tramitou em 2015, ano marcado por investidas de vereadores conservadores implicados na retirada de qualquer alusão a chamada “ideologia de gênero” e “doutrinação ideológica” de diversos planos municipais de educação17, inclusive no agreste alagoano, e também no Plano Estadual de Educação. Conforme afirmam Silva (2018) e Penna (2018), o embate público sobre o projeto Escola Sem Partido, mesmo quando não resulta na aprovação das “ideologias de gênero” nos planos, e mesmo com a liminar no Supremo Tribunal Federal que considerou em 2017 a lei alagoana inconstitucional, já traz impactos negativos no cotidiano escolar, além de inibir a luta por direitos e por afirmações de outras possibilidades de gênero e sexualidade.

Não é possível fazer muitas inferências sobre a não participação de prováveis jovens homossexuais do campo estudantes das escolas visitadas. Mas podemos afirmar que todo o processo de divulgação in loco nas escolas foi muito positivo como forma de mostrar a pauta LGBTQI+ no contexto escolar do semiárido alagoano. Algumas questões levantadas em campo durante a construção de informações possibilitaram o exercício de compreensão sobre os silenciamentos desses jovens. Conforme veremos na seção 5, sobre a análise das informações construídas, alguns silenciamentos significaram a promoção de segurança diante de relações de opressão presentes no contexto escolar, segundo relatos dos participantes. Nesse sentido, também percebemos que alguns silenciamentos são estratégicos, como forma de evitar rotulações e de não revelar percursos e circuitos que geram a resistência e a vivência da homossexualidade em seus contextos.

A seguir avançaremos mais sobre como começamos a construir informações que possibilitaram essas e outras compreensões sobre os processos emancipatórios de subjetivação sexual desses jovens homens homossexuais do campo, diante dessas incursões conservadoras que relatamos acima, marcadas pelas colonialidades e heteronormatividades.

17 Diversos municípios alagoanos aprovaram seus planos municipais de educação sem qualquer alusão a perspectivas de gênero e orientação sexual, a exemplo do que relata essas reportagens: http://glo.bo/38f0iea; https://byt.ly/2H5kDa7; http://byt.ly/3bj6vYJ.