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4 METODOLOGIA OU FAZER DECOLONIAL? O PROCESSO

4.2 A COMPOSIÇÃO DO NOSSO PROCESSO DECOLONIZANTE DE

4.2.5 Questões éticas decoloniais

Neste trecho, abordaremos questões éticas que perpassaram o processo de pesquisa, quais são: o nosso compromisso ético-político; as demandas de sigilo; o possível uso de informações dos participantes nas redes sociais; a questão da devolutiva; e elementos em torno das normas éticas de pesquisa demandadas pela academia.

Algumas provocações na introdução desta tese, assim como a de Azeredo (2010), e nossos pressupostos feministas e decoloniais nos levaram a questionar quais seriam os parâmetros dos procedimentos e da escrita dessa pesquisa, e quais seriam suas implicações políticas. Essas indagações se somam a outra: que compromisso ético-político esse pesquisador tem construído como psicólogo homossexual, negro, servidor público e professor universitário no semiárido alagoano. Preocupamos-nos em constituir, com os participantes e todas e todos os envolvidos, uma pesquisa política em Psicologia.

Ao ter em conta a pesquisa de Ferreira (2006b), a qual relata relações sexuais entre homens no contexto rural (tratamos da mesma na seção 3), com os jovens também se fazendo presente, nos perguntamos sobre eventuais riscos de revelar itinerários. Assim como Ferreira (2006a; 2006b), definimos também por não revelar as identidades dos participantes, priorizando suas experiências em articulação com sua segurança. E, conforme veremos na seção da análise, optamos por não expor muitos elementos atrelados às intimidades dos jovens. Mas Ferreira também nos instigou para outra lógica, ao tratar da visibilidade e das afecções do corpo camponês, agora sexualizado, homossexualizado, inclusive. Compreendemos que devemos subverter os receios provocados por esse tipo de questão, e então decidimos que nossa narrativa se daria no sentido de mostrar o que os jovens quisessem, como forma de legitimar as vivências da homossexualidade. Não exibir suas questões incorreria em manter a reclusão dos sujeitos naquilo que se determina a partir da docilização de corpos. Procuramos anunciar essa sexualização do corpo do jovem homem rural homossexual, no sentido de potencializar esses corpos para o gozo e afirmação de suas vidas para além da reprodução, conforme prescrito pelo sistema de gênero moderno/colonial.

Diante disso, entendemos que os elementos da analética se associam diretamente com as situações e sujeitos dessa pesquisa. Lidamos com jovens em contextos de pobreza e de

negação históricas, que têm resistido direta ou indiretamente em seus cotidianos e que, neste sentido, têm questionado a negação da negação dentro da perspectiva da totalidade que limita e impede diálogo entre os outros e dos opressores com o povo (ORELLANO; GONZÁLEZ, 2015; ALCOFF, 2016). Focamos e potencializamos a subversão desses jovens, que em seus contextos inauguram ou validam outras narrativas, muito próprias e ricas, com evidente valor político. Conforme diz Aranguren (2018a) sobre a analética, buscamos conhecer a palavra do outro não no sentido de revelá-lo, e sim buscando apresentá-lo, dando crédito à sua narrativa. Isso implicou em construir uma relação na qual esses jovens imprimissem suas demandas e questões diante de seus e de nossos objetivos, de forma que nos afirmamos mutuamente, mostrando suas práxis, evocando seus saberes.

Outra questão quanto ao sigilo foi o fato de nos depararmos com informações geradas pelos participantes nas redes sociais durante e, principalmente, após o contato com eles nas entrevistas e na roda de conversa. A maioria deles tem perfis em redes sociais e tiveram vínculos diretos e indiretos com o pesquisador. Visualizamos diversas manifestações muito pertinentes dos mesmos, o que gerou interesse em lidar com suas informações postadas. Nos questionamos sobre como seria possível administrar eticamente essas informações secundárias advindas das redes sociais sobre trabalho, estudos, posicionamentos, afetos, as estratégias de uso deles das redes sociais e os contatos contínuos que alguns mantiveram. Avaliamos se alguns conteúdos extrapolariam ou não os cuidados éticos da pesquisa, se o que publicizaram configuraria risco de revelar itinerários, identidades e intimidades, e também se as informações poderiam ser reveladoras de resistências e subjetivações decoloniais. Porém, optamos por não lidar com esses conteúdos, por já termos grande volume de informações construídas durante o campo de pesquisa, bem como teríamos que constituir um outro tipo de procedimento que já não seria mais adequado em termos de tempo hábil para construir mais materialidades para análise. Ficamos com o desafio e compromisso de lidar com as manifestações em redes sociais em pesquisas futuras.

Tínhamos também o interesse em, antes da escrita do texto final da tese, socializar as informações construídas e narradas pelo pesquisador na forma de devolutiva junto aos jovens participantes. Porém, não tivemos condições objetivas de proceder nesses termos, tanto por questões de logística quanto por conta do volume de informações construídas a serem tratadas na análise. Conforme nos aponta Ribeiro et al (2016), seria de extrema relevância promover a devolutiva, processo que elas avaliam que ocorre ao final de uma pesquisa com os dados, ao contrário da restituição, que elas defendem que deve ocorrer durante a pesquisa junto aos participantes, como forma de promover reflexões sobre as informações construídas e os

procedimentos de pesquisa. Ainda conforme as autoras, essa restituição teria o papel de enunciar questões ao tomar em conta o diário de campo para que ele pudesse ser problematizado com os participantes.

No entanto, consideramos que constituímos a devolutiva, conforme os pressupostos da restituição, durante o processo de pesquisa em dois momentos: quando fizemos as entrevistas após a conversa inicial, com a construção e uso da Caixa Mediadora de Entrevistas repleta de elementos que já havíamos registrado em nosso diário de campo a partir desses contatos iniciais. O outro momento foi quando realizamos a roda de conversa, bastante balizados por informações construídas nas entrevistas. Mesmo que cada momento desse tenha tido o foco na construção de informações, avaliamos que boa parte delas só foi possível porque proporcionamos problematizações em torno de entendimentos e subjetivações já expostas anteriormente por eles. Ainda assim, vemos a necessidade de realizar uma restituição final, com o compromisso de continuar problematizando as diversas narrativas geradas com esta pesquisa. Mas, conforme retomaremos nas considerações finais desta tese, e com base na discussão de Pinho (2019) sobre devolutiva, nosso interesse maior está em não “devolver” algo para os jovens, e sim em valorizar tudo o que eles proclamaram em torno de suas homossexualidades.

Coadunamos com Jobim e Souza e Carvalho (2016) quando elas apontam a necessidade de construir a narrativa da pesquisa com os participantes. Sobre isso, reconhecemos os limites que tivemos, pois nem sempre foi possível alinhar os desejos ético- políticos do pesquisador com os desejos ético-políticos dos participantes. Mas, conforme o caráter decolonial que esta pesquisa assume, avaliamos que foi possível construir alguma narrativa de pesquisa com os participantes, mostrando suas trajetórias e subjetivações, escrevendo na perspectiva de “afirmação de algumas verdades em detrimento de outras” (JOBIM e SOUZA; CARVALHO, 2016, p. 108), em reconhecimento aos principais interlocutores da pesquisa, os jovens homens homossexuais do campo.

Inicialmente, definimos um limite de dez participantes. Pensamos que talvez não alcançássemos esse quantitativo, por acreditarmos previamente que haveria poucos jovens homens em escolarização que se assumissem homossexuais no contexto rural. No entanto, nos surpreendemos e tivemos 11 participantes diretos, além do contato com vários outros jovens que por questões de logística, receios, sigilo e outros critérios não puderam participar. Entendemos que a validade desta pesquisa não reside no quantitativo ou na totalidade de participantes, e sim na medida em que buscamos cumprir os objetivos estabelecidos.

Ainda no que toca a fidedignidade e validade de nossa pesquisa, consideramos a partir de Minayo (2012) que a salvaguarda desses aspectos se deu na medida em que buscarmos “a fidedignidade aos vários pontos de vista [dos participantes, dos possíveis interlocutores e dos atos de resistência], garantindo a diversidade de sentidos expressos pelos interlocutores, fugindo a ideia de verdade única” (MINAYO, 2012, p. 625). Nesse sentido, acolhemos a heterogeneidade dos participantes de cada localidade do agreste alagoano.

Entendemos também que o rigor de uma pesquisa decolonial não opera conforme o que é demandando classicamente pela academia, fortemente marcada por epistemologias e métricas ocidentais que interditam, histórica e sistematicamente, os colonizados. Procuramos constituir um rigor na enunciação e construção de uma epistemologia decolonial, através do reconhecimento de formas particulares de saber. Investimos nossas atitudes em anunciar o que tem sido negado, buscando criar outra narrativa acadêmica para que outros seres humanos constantemente negados possam ocupá-la.

Para que fosse executada, esta pesquisa foi submetida ao Conselho de Ética e Pesquisa (CEP) da Universidade Federal de Pernambuco. E a atuação no campo de pesquisa se deu mediante permissão concedida pelos participantes através do termo de consentimento livre e esclarecido ou pelo termo de assentimento livre e esclarecido, com pais ou responsáveis assinando o termo de consentimento livre e esclarecido para responsável legal pelo menor de 18 anos. Quanto aos riscos e benefícios, os jovens participantes da pesquisa foram informados que poderiam deixar de participar da mesma a qualquer momento, sem qualquer tipo de ônus, e nesse caso somente alguns não confirmaram inscrição ou não puderam participar, conforme já dito.

Avaliamos que não houve incômodo junto aos jovens participantes. Porém, um deles, após o contato inicial e tendo o entendimento de que poderia recorrer ao pesquisador caso tivesse alguma necessidade, entrou em contato diante de demandas outras, para além da pesquisa, procurando por atendimento psicológico junto à Clínica Escola do Curso de Psicologia da Universidade Federal de Alagoas, em Palmeira dos Índios-AL, que por anuência submetida ao CEP garantiu espaço para atendimento dos participantes da pesquisa, caso fosse necessário. Mesmo não havendo relação com demanda da pesquisa, viabilizamos o atendimento desejado pelo jovem participante. Durante sua entrevista ele nos agradeceu e relatou a importância de ter passado pelo processo terapêutico. Mesmo não havendo relação com demanda da pesquisa, viabilizamos o atendimento desejado pelo jovem participante. Durante sua entrevista ele nos agradeceu e relatou a importância de ter passado pelo processo terapêutico.

Nesse sentido, consideramos que a participação dos jovens nesta pesquisa resultou em benefícios, de forma geral, contribuindo para a proclamação de suas identidades e experiências homossexuais junto a comunidade escolar, de forma saudável e construtiva para todos e todas que se envolveram com esse processo de pesquisa e para aquelas e aqueles que tiverem acesso aos seus resultados, no sentido de decolonização do poder, do saber, do ser e de gênero.

A construção de informações só foi iniciada após a aprovação do projeto de pesquisa pelo CEP e o cronograma foi cumprido. A execução do orçamento foi de inteira responsabilidade do pesquisador principal. E os dados coletados nessa pesquisa (as gravações, as transcrições e as materialidades criadas pelos participantes), estão armazenados em pastas de arquivo e computador pessoal, sob a responsabilidade do pesquisador, no endereço cadastrado no Programa de Pós-Graduação em Psicologia (PPGPsi) da UFPE, pelo período de mínimo cinco anos.

5 ANÁLISE DAS INFORMAÇÕES CONSTRUÍDAS COM OS JOVENS HOMENS