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2 DECOLONIALIDADES, RESISTÊNCIAS E SUBJETIVIDADE DOS

2.2 SUBJETIVAÇÕES: entre colonialidades e decolonialidades

Nos interessa compreender como temos sido secularmente pautados pela imposição colonial mas, ao mesmo tempo, construímos possibilidades de reafirmar nossa ancestralidade, nossos outros saberes não-hegemônicos. Também nos questionamos quem é e como se constitui o sujeito decolonial. Maldonado-Torres (2019) afirma que a subjetividade perpassa as colonialidades do poder, do saber e do ser. Conforme já apresentamos e nos posicionamos, estamos com Lugones (2014a), de que a colonialidade de gênero, invariavelmente, é também efetivada através de processos de subjetivação.

De forma geral, ela compreende que “o longo processo da colonialidade começa subjetiva e intersubjetivamente em um encontro tenso que tanto constitui a normatividade capitalista, moderna colonial, quanto não se rende à ela” (LUGONES, 2014a, p. 941). Com isso, é possível aformar que subjetivamos colonialidades e decolonialidades. No âmbito da colonialidade, ainda segundo Lugones (2014b), a colonialidade do saber constitui o ser, que é o sujeito colonial na modernidade.

Para Maldonado-Torres (2019), o colonizado também pode ser considerado um questionador e potencial agente, embora se espere que ele seja tão dócil quanto grato. O colonizado como agente é um terror e ameaçador. Em virtude disso, passam a ser relativizados e mitigados de diversas formas. Quem empreende essa opressão seriam os sujeitos reprodutores das colonialidades. Sujeitos que agiriam conforme um a priori perfomativo. Segundo o autor, se configuraria como uma atitude colonial decadente, uma vez que expressa má-fé ao deslegitimar questões pertinentes sobre o colonialismo e a descolonização, onde o colonizado assume o papel de agente. Diante disso, avaliamos que atitudes coloniais decadentes podem constituir direta ou indiretamente as masculinidades no nosso contexto de pesquisa, por exemplo.

Ele também nos alerta para o “dualismo maniqueísta por meio do qual o colonizador é identificado como bom e o colonizado como mal” (MALDONADO-TORRES, 2019, p. 38), além do que os colonizados são sempre alvos da violência sistemática. O desafio é superar essa construção discursiva para operar a lógica desveladora da opressão inerente a matriz colonial. Para cumprir essa demanda, é fundamental compreender que ocorre uma catástrofe metafísica que “inclui o colapso massivo e radical da estrutura Eu-Outro de subjetividade e sociabilidade e o começo da relação Senhor-Escravo. Isso introduz o que eu denominei em outro lugar de diferença subontológica ou diferença entre seres e aqueles abaixo dos seres” (MALDONADO-TORRES, 2008, apud MALDONADO-TORRES, 2019, p. 37). Esse

colapso intencional precisa ser constantemente exposto, para que seja publicizado que há uma distorção do significado de humanidade, o que provocou uma transformação sistemática da epistemologia, da ontologia e da ética.

Porém, entendemos que, mesmo com a ocorrência desse colapso, não houve por completo a extinção da intersubjetividade, nem da alteridade. Por isso, a atitude decolonial perpassa tempos, espaços e gerações e também coexiste e se afirma em nossas vidas. Podemos compreender, nesses termos, quando vemos que “a identidade e a atividade (subjetividade) humana também produzem e se desenvolvem dentro de contextos que têm funcionamentos precisos de poder, noções de poder, noções de ser e concepções de conhecimento” (MALDONADO-TORRES, 2019, p. 42), cujas lógicas e relações de poder precisam ser evidenciadas para percebermos as intencionalidades de nossos interlocutores.

O autor concebe, a partir de Franz Fanon, o colonizado enquanto condenado, que é o sujeito que será o aglutinador de todas as colonialidades. E aqui também incluímos a colonialidade de gênero. O sujeito colonizado geralmente não se vê na posição de produtor de conhecimento e não apresenta a objetividade demandada pela imposição colonial. Nesses termos, consideramos que isso se dá porque esses sujeitos, sob a lógica da coexistência e dos resquícios da ancestralidade que marcariam suas afirmações e resistências, também atuariam de alguma forma sob a lógica decolonizante.

Nesse momento, se configura a atitude decolonial quando reconhecemos “o potencial de se distanciar dos imperativos e normas coloniais que são impostos sobre ele o mantém separado de si” (MALDONADO-TORRES, 2019, p. 44). O autor diz, novamente conforme a perspetiva negra e racializada de Fanon, que há condições de se transpor a colonialidade ao rompermos com a atitude antinegra da colonialidade e construirmos o papel de pensadores e escritores. Isso seria fundamental para não nos tornarmos agentes da colonialidade.

Nesse sentido, Lugones (2014a) conceitua sobre a subjetividade infrapolítica, que significa a subjetividade que resiste, sem necessariamente lançar mão da política do público, e que possibilita sermos também diferentes daquilo que o hegemônico acredita que nos tornou. Segundo ela, sofremos a colonização de nossas memórias, das noções de si e da possibilidade de relações intersubjetivas. Tudo isso consiste no apagamento sistemático da relação que tivemos e temos “com o mundo espiritual, com a terra, com o próprio tecido de sua concepção de realidade, identidade e organização social, ecológica e cosmológica” (LUGONES, 2014a, p. 938). Diante disso, há construção de subjetividades que atendam à imposição decolonial.

Segundo Guimarães (2017, p. 261), isso se dá quando se desdobra “todo o conjunto de entendimentos conceituais sobre a subjetividade branca e a subjetividade não branca,

revertendo o processo de tomada violentamente, criando explicações a partir da hierarquização que esse sistema-mundo permite”. Ele complementa seu posicionamento dizendo que, além da exploração direta da força de trabalho e da alienação, “há a reversão moral e sistemática permitida pelo sistema colonial-moderno, por meio da criação de diversas categorias psicológicas para explicar o sujeito negro” (GUIMARÃES, 2017, p. 261). De fato, a Psicologia se encarregou em classificar sujeitos desde seu início enquanto ciência. Sobre isso, ele compreende também a necessidade de empreender um processo para que seja possível descobrir-nos negro, branco ou indígena, e que “é preciso também criar um modo outro de compreender movimentos políticos das pessoas que resistem a esse sistema-mundo colonial moderno.” (GUIMARÃES, 2017, p. 263).

Há, portanto e segundo Guimarães (2017), que se constituir uma Psicologia Decolonial que compreenda e questione as colonialidades e que busque entender como os processos de subjetivação livram-se delas, visando a reparação e o reconhecimento de outras subjetivações, entre elas a racialização de pessoas brancas. O autor também nos diz, com base em Grada Kilomba, que é necessário reconhecer quem somos e atuar para a reparação na construção de outra realidade, que implica em abandonar privilégios a partir da mudança de estruturas, espaços, agendas, posições, dinâmicas, relações subjetivas e vocabulários.

Com isso, essa Psicologia Decolonial teria condições de atuar para promoções de encontros, o que não seria atuar para a consciência de classes. Haveria a tarefa de construir ou mostrar saberes outros para além das colonialidades eurocêntricas que não dão conta de nossa multiplicidade. E entendemos que essa multiplicidade é vivida no âmbito da diferença colonial e do lócus fraturado.

Nesta pesquisa, ao lidarmos com a noção de sujeitos jovens e suas subjetivações, assumimos a noção de sujeito com base na perspectiva decolonial e que, sendo jovem, também atua para além da sua totalidade. Mas nos perguntamos como será possível tratar de uma subjetividade decolonial se os jovens da pesquisa não partem de uma intencionalidade deliberadamente nomeada como decolonial. Com isso, tomamos para nós a tarefa de colocar epistemologias em questão, buscando empreender ou reconhecer projetos ou perspectivas decoloniais em suas vivências e subjetivações. Na seção 5 trataremos especificamente dessa questão, buscando entender como os jovens homens homossexuais rurais têm subjetivado esses aspectos, a partir de pensamentos e ações decoloniais, num exercício em que todos nós, pesquisadores e eles, podemos ter cumprido ou não os papéis de agentes de colonização ou da decolonização. A seguir, trataremos sujeitos jovens, juventudes, gênero, masculinidades, homossexualidade e sobre os elementos contextuais dos jovens participantes.

3 OS JOVENS HOMENS HOMOSSEXUAIS NO CONTEXTO ESCOLAR DO E NO