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3 OS JOVENS HOMENS HOMOSSEXUAIS NO CONTEXTO

3.4 O CONTEXTO DOS JOVENS HOMENS HOMOSSEXUAIS RURAIS

Nesta parte, apresentaremos alguns elementos sobre o nosso contexto, pois estamos falando do local, mas também em diálogo com questões históricas, regionais, latinas e globais. O estado de Alagoas, situado no Nordeste brasileiro, tem, segundo dados do IBGE (2019) 3.337.357 de habitantes, e tem uma das maiores densidades populacionais do país, com 112,33 hab/km2, com estimativa de 875 mil habitantes na zona rural, segundo dados de 2015. Praticamente um terço da população do estado é composta por jovens entre 12 e 29 anos, sendo que cerca de 375 mil desses jovens residem na zona rural, sendo que 196 mil deles são homens. Diante desses dados, vale observar que, como percebemos na pesquisa, muitos jovens que residem na zona urbana, sobretudo no interior do estado, têm alguma interlocução com o contexto rural, seja nos estudos ou também com fortes vínculos familiares no campo. Os dados mais atualizados da Sinopse Estatística da Educação Básica (BRASIL, 2019) informam que tivemos 116.193 estudantes matriculados no ensino médio alagoano.

Infelizmente, não temos dados estatísticos que tratem sobre a orientação sexual da população do Estado. Sobre isso, o próprio IBGE (2018) reconhece essa limitação e a necessidade de construir instrumentos para dar visibilidade ao amplo espectro da diversidade de gênero. Os únicos dados existentes sobre nossa população LGBTQI+ em Alagoas se referem à violência. Em 2017 foram 23 mortes violentas no estado (GOMES, 2018), enquanto que nos primeiros meses de 2019 o Grupo Gay de Alagoas, GGAL, registrou 65 atos violentos contra LGBTQI+, sendo que três vieram a falecer em decorrência dessas atos, além do registro de dois suicídios (BORGES, 2019). No âmbito escolar, também não temos dados

específicos, mas destacamos o levantamento da Pesquisa Nacional sobre o Ambiente Educacional no Brasil (ASSOCIAÇÃO..., 2016) que aponta, entre diversas discriminações e opressões cotidianas estudadas, que 60,2 % dos estudantes LGBTQI+ se sentem inseguros na escola por conta da sua orientação, onde a maioria deles (38,4%) evita o banheiro por conta de sua insegurança.

Segundo estudos sobre a história da educação alagoana realizados por Verçosa (2001), a comarca de Alagoas foi desmembrada da capitania de Pernambuco em 1817, após a revolução republicana nesse estado, gerando controvérsias sobre os reais motivos, se foi por punição da coroa portuguesa diante da insurreição pernambucana ou se por consideração ao nível de desenvolvimento alagoano na época, sendo denominada por muitos historiadores como emancipação política.

Porém, mesmo diante dessa autonomia, tivemos sempre pouquíssimo interesse e investimento em políticas educacionais, sobretudo no contexto do interior do estado. Os primeiros registros de implantação do ensino médio público no interior, incluindo o semiárido, datam somente dos anos 1950 e 1960.

Em termos de povoamento e relações constituídas no semiárido alagoano, Lusa (2013) afirma que esse território foi formado durante séculos sob a lógica da expropriação de pequenos produtores e de povoamento do agreste e sertão, a partir da violência, simbólica e direta, quanto também a partir de movimentos de resistência. A população indígena, quilombola e os sujeitos expulsos da zona da mata alagoana para a expansão da agroindústria canavieira formaram o semiárido. Essa leitura histórica da identidade alagoana tem matizes mais cruéis quando Lessa (2006, p. 11) afirma que “[...] Alagoas ainda não cumpriu sequer a primeira etapa do desenvolvimento capitalista, ou seja, ainda não consegue produzir a maior parte dos bens de consumo corrente que o seu mercado interno adquire”. Ou seja, a hierarquização de poder é histórica, violenta e sistêmica nesse contexto onde vivem os jovens homens homossexuais rurais.

No que toca a historicidade do semiárido alagoano, identificamos parâmetros opressores e violentos desse contexto também dentro da lógica modernidade/colonialidade. Segundo Balestrin (2013), com base em Quijano, a colonialidade é fundamento inalienável da modernidade, assim como o capitalismo e a colonização das Américas. Nesse ponto, evoco novamente Lessa e sua compreensão de que

[...] o nosso capitalismo (e de outras ex-coloniais, como o México, o Chile e a Argentina), que podemos denominar de capitalismo colonial, é economicamente mais atrasado e politicamente mais antidemocrático do que

o capitalismo prussiano. Em outras palavras, o nosso caminho para a modernidade foi o mais acidentado, mesquinho e desumano (LESSA, 2006, p. 4, grifo do autor).

Ao articularmos a noção de território com a perspectiva da colonialidade a partir de Maldonado-Torres (2019), entendemos que questionar a colonização abre um precedente temeroso para a lógica colonial, pois coloca em dúvida a legitimidade de fronteiras, territórios, conceitos normativos e instituições modernas, ou a ausência delas, que justificam a ordem moderno/colonial construtora da diferença colonial. E isso também abre brechas para questões em torno de sexualidade, raça, gênero, classe, educação, entre outras, também sejam alvo de questionamentos. Enfim, levantar questões perturba ordens e estruturas.

Maldonado-Torres (2019) afirma que terras, recursos e mentes são tomados para promover a colonização e também a autocolonização. Ele também retoma o posicionamento de que descolonizar deve seguir para além da redistribuição de terras e recursos. Diante desse ponto entendemos que, assim como Alcoff (2016) discute a respeito de identidade, as demandas dos jovens homens homossexuais rurais não circunscrevem somente a uma questão identitária. Há que se compreender que as opressões, afirmações e resistências que estão atreladas as suas vivências fazem parte de um grande processo de expropriação empreendido pela lógica colonial que ainda serve, e muito, aos objetivos da expansão do capital.

Entendemos que é forte a submissão diante dos ditames da modernidade colonial, mas veremos também que há práticas outras, afirmativas e de resistência, que permitem que muitos não sucumbam. Sendo assim, é importante avaliar de que forma o contexto no qual eles vivem, o semiárido do campo alagoano, se constitui e exerce influência em suas subjetivações.

A partir dessas elaborações, é possível dizer que as diversas colonialidades perpassam nosso território, pois suas raízes de violência na desconsideração da diversidade humana durante o processo de colonização ainda marcam projetos e relações na modernidade em nosso contexto. Tal desconsideração implica em desafios maiores para esses jovens, uma vez que há um entendimento de que matriz urbana do poder, ainda que também limitada, apresenta uma constituição histórica de maior influência nas experiências e resistências em torno da sexualidade, mesmo que estejam essas permeadas pela lógica da modernidade/colonialidade. Essas e outras questões serão retomadas em nossa análise, na seção seguinte, sob a luz de todo o debate epistemológico e do processo decolonizante de pesquisa que realizamos até então.

4 METODOLOGIA OU FAZER DECOLONIAL? O PROCESSO DECOLONIZANTE