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2.2 QUADRO DE REFERÊNCIA PARA O ESTUDO SOBRE OS MSR’s

2.2.4 O que dizem os censos

Este tópico inicia-se com a apresentação do grupo de dados de pesquisa nacional realizada em 71 municípios brasileiros. Tal pesquisa não abrange as cidades de São Paulo, Porto Alegre, Recife e Belo Horizonte, tendo em vista que as mesmas desenvolveram estudos próprios. Considerando que os entrevistados desta dissertação pertencem às duas primeiras cidades, os dados estatísticos das mesmas aparecem nos subitens seguintes.

Realizada em 2007 e 2008, a Pesquisa Nacional sobre a População de Rua, feita em parceria entre a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, identificou 31.922 pessoas, predominantemente do sexo masculino (82%), com 18 anos completos ou mais, vivendo em situação de rua em 71 cidades brasileiras.

Essas pessoas vivem em calçadas, praças, rodovias, parques, viadutos, postos de gasolina, praias, barcos, túneis, depósitos e prédios abandonados, becos, lixões, ferros-velhos ou pernoitam em instituições (albergues, abrigos, casas de passagem e de apoio e igrejas). A maioria (69,6%) costuma dormir na rua; 22,1% costumam dormir em albergues ou outras instituições e 8,3% costumam alternar entre dormir na rua e em albergues. Entre aqueles que manifestaram preferência por dormir em albergues, 69,3% apontaram a violência como o principal motivo da não preferirem dormir na rua e 44,3% apontaram a falta de liberdade como o principal motivo de dormirem na rua e, não, em albergue. Os locais utilizados pelas pessoas em situação de rua para tomar banho são a rua (32,6%), os albergues/abrigos (31,4%), os banheiros públicos (14,2%) ea casa de parentes ou amigos (5,2%).

Os principais motivos pelos quais essas pessoas passaram a viver e morar na rua se referem aos problemas de alcoolismo e/ou drogas (35,5%); desemprego (29,8%) e desavenças com pai/mãe/irmãos (29,1%). Dos entrevistados no censo, 71,3% citaram pelo menos um desses três motivos, que podem estar correlacionados entre si ou um ser consequência do outro. Dos entrevistados, 51,9% possuem algum parente residente na cidade onde se encontram, entretanto, apenas 34,3% dos entrevistados mantêm contatos frequentes com os mesmos.

Grande parte da população em situação de rua (70,9%) é formada por trabalhadores que exercem alguma atividade remunerada. A maior parte dos trabalhos realizados situa-se na chamada economia informal: apenas 1,9% dos entrevistados afirmaram estar trabalhando atualmente com carteira assinada. Das atividades apontadas, destacam-se:

catador de materiais recicláveis (27,5%), flanelinha (14,1%), construção civil (6,3%), limpeza (4,2%) e carregador/estivador (3,1%). Apenas 15,7% das pessoas pedem dinheiro como principal meio para a sobrevivência. O relatório da pesquisa destaca a importância desse dado para desmistificar o fato de que a população em situação de rua é composta por “mendigos” e “pedintes”.

Sobre as discriminações sofridas, a maior queixa refere-se ao fato de serem frequentemente impedidos de entrar em certos locais como, por exemplo, estabelecimentos comerciais, Shoppings Centers, transportes coletivos, bancos, órgãos públicos.

A grande maioria (95,5%) não participa de qualquer movimento social ou atividade de associativismo. Apenas 2,9% confirmaram participação em algum movimento social ou associação. 24,8% dos entrevistados não possuem quaisquer documentos de identificação, o que dificulta a obtenção de emprego formal, o acesso aos serviços e programas governamentais e o exercício da cidadania. Somente 21,9% possuem todos os documentos de identificação mencionados na pesquisa.

A tabela seguinte resume os dados sobre o número de moradores em situação de rua encontrados nas principais cidades brasileiras:

TABELA 1

Pessoas em situação de rua - Brasil – 2003/2008

Ano Local Total

2003 São Paulo 10.399

2005 Belo Horizonte 1.164

2005 Recife 1.390

2007 Porto Alegre 1. 203

2007/2008 71 municípios (exceto locais acima)

31.922

Total 46.078

2.2.4.1 MSR: São Paulo

O primeiro levantamento da População de Rua na Cidade foi realizado em São Paulo pela Secretaria Municipal da Família e do Bem-Estar Social (Sebes), em parceria com organizações não governamentais, em 1991. Considerou-se como população de rua “aquela que sobrevive da rua e tem a rua, de forma circunstancial ou permanente, como moradia” (VIEIRA, 1995, p. 42).

O levantamento se circunscreveu às áreas centrais da cidade e bairros adjacentes74 e procurou identificar o tipo de população e o tempo em que eram utilizados os espaços públicos usados como moradia, sua distribuição espacial e os tipos de logradouros preferidos. A pesquisa se desenvolveu tendo dois eixos como base: a caracterização da população de rua (perfil e formas de sobrevivência) e a avaliação das formas de atendimento no âmbito das ações públicas e privadas voltadas para essa população. Naquela ocasião, foram identificados 329 pontos de pernoite com 3392 pessoas, sendo 90% do sexo masculino, 65% com menos de 40 anos. Os lugares utilizados preferencialmente como pernoite75 foram

as ruas e avenidas (60%), seguidos de praças e largos (15,5%). Os viadutos ficaram em terceiro lugar (39%), sendo que, nesses pontos, verificou-se a existência de utensílios de cozinha, móveis e caixas improvisando mesas e armários, o que pode ser interpretado como uma tentativa de reprodução de casa enquanto espaço privativo (VIEIRA et al, 2004). Com relação à escolaridade, observou-se que 5% eram analfabetos, 66,9% cursaram o primeiro grau incompleto, 32% terminaram o primeiro grau, 12% terminaram o segundo grau e 5% têm curso superior.

Estudos posteriores realizados pela mesma Secretaria constataram um aumento progressivo dessa população. Na contagem feita em 1996, chegou-se a um universo de 4549 moradores de rua. Após dois anos, em novo recenseamento, contabilizaram-se 5.334 pessoas. Entretanto, é importante assinalar que esses levantamentos não podem ser utilizados para estimar a população de toda a cidade, tendo em vista que foi realizado somente nas regiões centrais e que não foram incluídos na contagem os que se alojam em casas abandonadas,

74 Os locais foram escolhidos a partir do levantamento dos pontos de maior concentração de pessoas. São eles:

Regionais da Sé, Lapa, Pinheiros e partes das regionais da Mooca, Penha, Ipiranga, Vila Mariana e Santana (VIEIRA et al., 2004).

75 Consideraram-se como pontos de pernoite os lugares públicos como ruas, calçadas, praças, canteiros, a parte

externa de prédios e abrigos armados debaixo de viadutos ou terrenos baldios ocupados por no máximo até dez barracos.

mocós e depósitos de papelão. Segundo Vieira (1995; 2004), os números certamente cresceriam caso tivessem sido incluídos na pesquisa, o que poderia ser efetivamente medido por meio de um trabalho censitário.

Após esses estudos, a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe)76 criou uma metodologia específica para quantificar essa população e levantar informações sobre as pessoas que moram em albergues e pernoitam nas ruas da grande cidade. O trabalho foi dividido em duas etapas. A primeira consistiu numa observação para a contagem da população de rua. Optou-se por um trabalho noturno e concentrado nos pontos da cidade nos quais os moradores de rua costumam dormir: praças, viadutos, grandes avenidas, áreas comerciais com muito movimento durante o dia e desertas à noite, locais próximos a igrejas e albergues. Na segunda etapa da pesquisa foram realizadas entrevistas com os moradores de rua. A partir delas é que foi traçado o perfil dessa população.

No primeiro censo, realizado em 2000, foram identificados 8.088 moradores de rua. Um pouco mais da metade deles foi encontrada nas ruas da cidade e o restante, em albergues. O perfil seguiu o já constatado anteriormente: a maioria da população é do sexo masculino (85%), com idade média de 40 anos (62% entre 26 e 45 anos). Entre as atividades exercidas, 48,6 % são catadores e os demais são guardadores de carro, vendedores, carregadores e vigias, entre outras ocupações.

O segundo censo, em 2003, mostrou um aumento de 27% da população moradora de rua em relação ao primeiro censo. Foram contadas 10.399 pessoas, sendo que 6.186 em albergues e 4.213 nas ruas. A mesma pesquisa indica que ainda há uma predominância do sexo masculino (83,60%), em idade ativa (70% com 18 a 55 anos) e residente nas ruas há até um ano. A maior concentração dos moradores de rua é na região central da cidade, devido às facilidades apresentadas pela localização. As pessoas em situação de rua se abrigam em “mocós”, dormem em calçadas, sob pontes e viadutos, praças, sob marquises em grandes avenidas, cemitérios, e outros locais de pernoite improvisados. Nesse censo foi apontado, também, o aumento do atendimento a essa população pela Prefeitura, em razão da maior oferta de vagas em albergues.

76 A Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas é uma entidade de direito privado, sem fins lucrativos. Foi

criada em 1973 como um órgão de apoio ao Departamento de Economia da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da Universidade de São Paulo (USP). Tradicionalmente, o foco de pesquisa da Fipe são assuntos estritos da área econômica, mas a fundação também realiza levantamentos e análises na área de políticas sociais.

2.2.4.2 MSR: Porto Alegre

Realizado pelo Laboratório de Observação Social (Labors), órgão vinculado ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o Estudo do Mundo da População Adulta em Situação de Rua de Porto Alegre teve como objetivo recensear esta população, mapear os locais onde vivem e identificar seus dados étnicos, socioeconômicos e culturais. Além disso, pretendeu-se conhecer as estratégias de trabalho e geração de renda dos moradores de rua, sua relação com as instituições e suas demandas para as políticas públicas.

Os sujeitos da pesquisa foram definidos como “todas as pessoas que se encontrassem em abrigos e albergues destinados ao acolhimento e/ou abrigo temporário, intermitente ou definitivamente, assim como aqueles que se encontrassem em atividades de perambulação/circulação pelas ruas e/ou que dissessem fazer da rua seu local de existência e habitação, mesmo que temporariamente.” (UFRGS, 2007, p. 19).

No estudo foram entrevistados 1.203 moradores em situação de rua, sendo 847 nas ruas e logradouros públicos e 356 dentro de abrigos/albergues de Porto Alegre. Desta população, 81,8% são do sexo masculino. Verifica-se uma relativa concentração etária nas faixas mais jovens da população cadastrada: 71,8% da população tem entre 18 e 44 anos. Dos locais escolhidos para pernoite, cerca de 60% dessa população dorme, cotidiana e prioritariamente, em lugares improvisados que oferecem risco e forte exposição ao ambiente natural e 35% utilizam abrigos e albergues.

No que diz respeito à escolarização, 16% nunca frequentaram a escola, 46,4% frequentaram de forma incompleta o fundamental; 6% concluíram o Ensino Médio e 2,6% ingressaram no nível superior, sendo que 0,7% o completaram.

Em relação aos vínculos familiares, apenas 8,4 % dos entrevistados afirmam contatar a família diariamente e 12, 6% a não veem há mais de um ano. Quase ¼ dessa população (24,5 %) afirma ter perdido o contato com parentes há mais de cinco anos. O motivo atribuído por um quarto dos informantes para o ingresso em situação de rua são os conflitos com parentais e afetivos.

Dos entrevistados, 29,1% ganham mensalmente até meio salário mínimo com atividades como coleta de materiais (22,9%), mendicância (15%), lavação, guarda e limpeza de carros (12,3%).

Os locais públicos e de grande circulação de pessoas são os preferidos pelo grupo pesquisado para passar o tempo em que estão acordados: 38,8 % dizem preferir as praças, parques, pontes e viadutos e 24% preferem andar pelas ruas, ficar em calçadas e marquises.

No que se refere ao aspecto do conhecimento de fóruns, movimentos sociais e ONG’s, o Jornal Boca de Rua se destaca: 47,9% pessoas em situação de rua conhecem o jornal. Em segundo lugar, aparece o Orçamento Participativo da Prefeitura de Porto Alegre (37%) e em terceiro (33%), o trabalho do Grupo de Apoio e Prevenção à Aids (GAPA).

Quanto à participação em fóruns, movimentos sociais ou ONG’s, 36,4% dos entrevistados acusaram participar do Grupo Realidade de Rua, formado por integrantes do Jornal Boca de Rua que participam do Projeto Hip Hop Saúde no GAPA. A segunda entidade mais citada foi o Fórum das Pessoas em Situação de Rua, com 33,8% das citações. Em terceiro lugar, apareceram o Grupo Nuances e o Orçamento Participativo, com o percentual de 33,3% de índice de conhecimento para cada um.

Para concluir esta parte do texto, chamamos a atenção para os dois últimos parágrafos, já que o grupo de MSR entrevistado em Porto Alegre para esta dissertação é composto pelos participantes do Jornal Boca de Rua.