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O pai na fase de dependência relativa

4. Dizer “não” como o primeiro sinal de pa

Em um texto de 1960, cujo título é “Dizer Não”, Winnicott traça uma espécie de percurso, dividido em três etapas, do caminho que o “não” percorre na vida da criança com seus pais, desde o momento de sua aparição, até o ponto em que ele passa a fazer parte, por assim dizer, de uma moral pessoal da própria criança. Desta vez, é com relação à introdução do “não” na vida da criança que Winnicott aponta uma outra porta pela qual aspectos paternos começam a existir na vida dela.

A primeira etapa deste percurso, diz Winnicott, corresponde a um momento que é anterior àquele em que a mãe começa a dizer não ao filho. Nesse momento inicial a mãe, – e, em breve, também o pai participará ativamente dessa constelação, – previne que coisas inesperadas possam vir a acontecer com seu bebê e o não dito é para o

para seu bebê. Winnicott afirma que não se trata propriamente de uma ação deliberada dos pais, que essa atitude protetora “é um modo de comportamento que reflete uma atitude parental” (1993f, p. 44), algo que acontece quase que em seus corpos e nada tem a ver com palavras. Aos poucos, com o amadurecimento da criança, a mãe começará a deixar que esta conheça algo dos perigos contra os quais a protege e também aqueles tipos de comportamento que afetariam seu amor e assim, diz o autor, a mãe descobre-se dizendo “não”.

Inicia-se, então, a segunda etapa quando, em vez de “não” ao mundo, a mãe começa a dizer “não” a seu filho e aqui as palavras já têm lugar. O “não” deve crescer de uma base que, no início, era sempre um grande “sim” para o bebê. Winnicott diz que o “‘sim’ forma o background ao qual o ‘não’ é adicionado [...] Não é verdade que a primeira etapa é em seu todo um grande ‘sim’? É ‘sim’ porque você nunca falta ao bebê, nunca o decepciona” (1993f, p. 46). A mãe que sempre apresentou a realidade para o bebê na medida de sua possibilidade, introduz agora, nessa segunda etapa, mais essa forma de realidade que é a proibição. As mamadas, por exemplo, já podem seguir um certo parâmetro determinado pela mãe e não estarem mais pautadas, tão somente, pelas exigências do bebê; o bebê pode ter que começar a aceitar o fato de que a mãe deseja que ele durma no berço, alguns objetos não podem ser colocados à boca etc. Winnicott fala que essa é uma espécie de moralidade da mãe que, aos poucos, e na medida do amadurecimento infantil, vai cedendo lugar à moralidade pessoal da própria criança. A introdução deste “não” na vida da criança significa o início de uma exposição à realidade do mundo exterior.

E então vem a terceira etapa, a da explicação, quando a criança, já com alguma sabedoria, passa a compreender as coisas e a poder questionar as razões dos adultos.

É ao final da exposição dessas três etapas que Winnicott salienta que algo nesse percurso pertence ao pai, e que, suponho, corresponde à segunda etapa acima descrita – quando o “não” para o bebê começa a poder aparecer – e se localiza, na linha do amadurecimento, depois do alcance das conquistas relativas ao uso do objeto. Presumo essa localização, pois é somente após a conquista da externalidade do objeto, que a relação do bebê com a mãe pode comportar o “não”. Isto porque, antes desse momento, o “não” da mãe pode significar, para o bebê que ainda está em vias de fazer essa conquista, a expressão de sua não sobrevivência, um tipo de rejeição da mãe que não

experiência de que, ao destruir a mãe que ele criou – a mãe subjetiva –, a mãe que cuida dele continua ali, viva e sempre ela mesma, de modo a lhe possibilitar a descoberta de que a realidade do mundo externo não é a mesma nem igual à realidade do mundo subjetivo. Ao contrário, o bebê, cuja mãe externa sobrevive à destruição da mãe subjetiva, cria, deste modo, o sentido da realidade do mundo objetivo. De posse desse novo sentido de realidade, os “nãos” da mãe, agora objetiva e real, ganham, então, um outro significado e passam a ser expressão de firmeza, limite e força nos cuidados maternos, ou, como já foi dito anteriormente, da presença de aspectos paternos presentes nos cuidados da mãe. Diz Winnicott:

Uma palavra a mais acerca do “não” de uma mãe. Não é esse o primeiro sinal de pai? Em parte, os pais são como mães e podem ficar tomando conta do bebê e fazer todo o gênero de coisas como uma mulher. Mas, como pais, parece-me que eles aparecem pela primeira vez no horizonte do bebê como aquele aspecto inflexível da mãe que a habilita a dizer “não” e a sustentar a negativa com firmeza. Gradualmente, e com sorte, este princípio do “não” passa a estar consubstanciado no próprio homem, o Papai, que passa a ser amado e poderá aplicar a ocasional palmada sem perder nada. Mas ele tem de merecer o direito a dar palmadas se pretender dá-las e, para adquirir esse direito, deverá fazer coisas como ter uma presença assídua no lar e não estar do lado da criança contra a mãe. No começo, vocês podem não gostar da idéia de consubstanciar o “não”; mas talvez aceitem o que pretendo dizer quando lembro que as crianças pequenas gostam que se lhes diga “não”. (1993f, p. 44)

É possível concluir, a partir do que foi dito nesse capítulo, que as conquistas feitas no estágio do uso do objeto dão a partida para que o bebê comece a diferenciar os aspectos paternos presentes nos cuidados maternos. O pai, a partir dessas conquistas, não é mais, e tão somente, um substituto da mãe ou uma parte do ambiente no qual o bebê habita. Ele começa a aparecer na vida do filho a partir dessas suas próprias qualidades descritas até aqui: ele traz aspectos de ordem e firmeza para os cuidados maternos, ele é o primeiro vislumbre de integração, ele possibilita e é expressão do “não” que a mãe começa a instituir na relação com o bebê.

É assim que o mundo e seus objetos aparecem e crescem para o bebê, paulatinamente, conforme ele se integra e descobre a si próprio na relação com sua mãe e só assim pode, a partir daí, conhecer o mundo para além dos “limites” que compõem

essa primeira relação ganhando, na medida crescente de sua integração, também o mundo objetivamente compartilhado: o pai, como pessoa inteira, faz parte deste segundo mundo. Nas etapas subseqüentes, que rumam para uma independência cada vez maior, o pai será uma pessoa real que desenvolverá relações diretas com a criança, ele continuará a manter a firmeza do lar a partir da qual a criança terá condições de conhecer sua potência e seus limites, ele desempenhará papéis de proteção e intervenção nas várias vivências que a criança experimentará com relação a seus impulsos amorosos e agressivos, ele habitará o mundo de fantasias da criança e a sua forma de lidar e compreender esse mundo fará fundamental diferença na qualidade e discriminação das diferentes experiências da criança; ele será uma alternativa à mãe abrindo para a criança o vislumbre de um novo mundo no qual outros tipos de relação são possíveis.

Capítulo IV