• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 4 – PODER: O INVESTIMENTO DO DISCURSO SOBRE O LDI

4.1 Dizeres do discurso oficial

O primeiro documento emitido pelo MEC e assinado pelo Presidente do FNDE, Daniel Silva Balaban, e pela Secretária de Educação Básica, Maria do Pilar Lacerda Almeida e Silva, contendo informações específicas sobre o PNLD 2011, foi aguardado ansiosamente pelas editoras durante o ano de 2008. Com algum atraso, o documento chegou às editoras em meados de novembro daquele ano. Intitulado Edital de Convocação para Inscrição no Processo de Avaliação e Seleção de Coleções Didáticas para o Programa Nacional do

Livro Didático - PNLD 2011, o documento informou as editoras (denominadas “titulares de direito autoral”) sobre datas, prazos limites, especificações sobre as coleções a serem inscritas, condições de participação, procedimentos para a inscrição das coleções e entrega da documentação. Além disso, o Edital contém dez anexos com informações sobre a estrutura editorial, as especificações técnicas para a produção das coleções, os critérios observados para a avaliação das coleções inscritas, modelos de declarações e fichas cadastrais. A partir dessas informações, os titulares de direito autoral deram início à produção ou à adaptação das coleções de livros didáticos, com prazo de entrega entre 13 e 17 de abril de 2009.

Analisamos, a seguir, a primeira sequência discursiva. Ela pertence ao Edital e refere- se ao Guia de Livros Didáticos, um documento que foi posteriormente disponibilizado às escolas para a escolha das coleções didáticas. O item 6 do Edital de Convocação tem o título Do Processo de Avaliação e Seleção das Obras; analisamos os dizeres do item 6.3.

S1200

6.3. Do Guia de Livros Didáticos

Constarão no Guia de Livros Didáticos as resenhas das coleções selecionadas, os princípios e critérios que nortearam a avaliação pedagógica e os modelos das fichas de análise. O Guia de Livros Didáticos será encaminhado às escolas públicas de ensino fundamental e disponibilizado na Internet com o objetivo de auxiliar os professores na escolha das coleções didáticas, que serão utilizadas no período a ser estabelecido por resolução do Conselho Deliberativo do FNDE.

Com cinquenta e duas páginas dedicadas ao componente Língua Estrangeira Moderna, o Guia de Livros Didáticos objetivou, como informado no item 6.3 do Edital de Convocação, a “auxiliar os professores na escolha” do livro didático que seria utilizado em suas aulas. Notamos a pertinência dessa sequência para nossa primeira categoria de análise (uma ação sobre outra ou um conjunto de ações sobre outras ações) não apenas pelo efeito discursivo desses dizeres, mas também pela prática não discursiva que se deseja estabelecer a partir desse discurso.

Em relação ao efeito discursivo, vemos que “auxiliar os professores na escolha” se caracteriza como a ação (“auxiliar”) de um (os órgãos públicos responsáveis pelo Guia) sobre a ação (escolher) de outro (o professor). Lembramos que, para Foucault, essa é a definição de

200 S se refere à sequência discursiva, ou dizeres do discurso que analisamos; S1 é a primeira sequência

discursiva e assim sucessivamente. Como informamos anteriormente, as sequências discursivas foram reproduzidas exatamente como as obtivemos nos textos originais.

poder. Nossas indagações, aqui, se dão em várias instâncias. De início, podemos pensar no modo como o professor e o livro didático são representados nesses dizeres. O professor parece ser representado como um profissional que não consegue optar sozinho e que precisa de ajuda para escolher o material com o qual trabalhará. Questionamos, ainda, o tipo de escolha que poderia se configurar, tendo sido ela auxiliada por outro. Isto é, uma escolha resultante da ação auxiliadora de outro está, certamente, suscetível a ser influenciada por esse outro. A escolha do professor será, então, influenciada, guiada pelas informações desse documento, sugestivamente denominado Guia de Livros Didáticos. Trataremos das informações desse documento de modo mais detalhado ao analisarmos os dizeres sob a nossa segunda categoria.

Observamos, também, que o dizer “auxiliar os professores na escolha das coleções didáticas” suscita práticas não discursivas que corroboram a noção de poder como uma ação sobre outra ou um conjunto de ações sobre outras ações. Afinal, há um trabalho intenso de profissionais, especialistas201 nas áreas contempladas em cada PNLD, durante o período de

pré-avaliação das coleções inscritas, culminando na elaboração do Guia. O documento, por sua vez, contém informações que certamente resultam das ações desses profissionais, desse trabalho intenso; porém, primordialmente, trazem como verdades aquilo que os órgãos públicos envolvidos nesse processo assim consideram202. Assim compostas, essas informações servirão de guia para que os professores façam suas ações, nesse caso, suas escolhas. Contudo, essas ações sobre outras ações, como práticas não discursivas neste caso, são ladeadas de discurso, ou seja, são guiadas por discurso. Assim, os dizeres do discurso oficial vão moldando as ações almejadas, passo a passo, movidos pelo desejo de controle dessas ações.

A cada passo, também, a ação do professor (a escolha) vai sendo adiada. Vemos aí, como um efeito discursivo, o modo de funcionamento característico da sociedade de controle: o adiamento do término. Ou seja, o dizer do Edital não informa que o professor simplesmente fará a escolha da coleção com a qual trabalhará; mas, antes disso, informa que um documento (o Guia) será cuidadosamente elaborado para auxiliar o professor a fazer sua escolha, a

201 Apesar de haver muita crítica a respeito da falta de transparência nessa fase de pré-avaliação, os nomes dos

avaliadores e seus respectivos vínculos institucionais são disponibilizados nas páginas introdutórias do Guia; porém, antes da publicação desse documento, as identidades dos avaliadores são protegidas, para não ficarem expostos a pressões.

202 Os especialistas avaliam as coleções de acordo com os critérios estabelecidos pelos órgãos responsáveis pelo

Programa (Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica e Fundo Nacional de Desenvolvimento de Educação). Tais critérios são organizados em noventa e duas perguntas (PNLD 2011) que compõem a ficha de avaliação utilizada pelos especialistas. Durante esse processo, os especialistas trabalham com as coleções descaracterizadas e não conhecem os títulos que aprovam ou reprovam. Os resultados são informados à coordenação do programa que, por sua vez, identifica os títulos e os repassa ao MEC.

exercer sua ação. Isto é, antes de realizar sua ação (a escolha), o professor deverá ler as resenhas, os princípios e critérios observados na avaliação, os modelos de fichas etc,; pois, fazendo isso, o professor estará sendo preparado, auxiliado, a fazer a escolha.