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1 “ A MENINA QUE VIROU PROFESSORA MALUQUINHA”

1.3 Do Brincar ao Ensinar de Criança à Educadora

Aqui retrato a prática de educadora contadora de histórias que, partindo do ser criança, busca fazer com que os contos de fadas e a leitura estejam presentes diariamente na sala de aula, tentando influenciar para que seja um hábito nos lares das crianças, que motive seus pais a buscar um livro para momentos de conhecimento, prazer e também embarcar e viajar no mundo do faz de conta.

Minha prática se relaciona à discussão de Corso e Corso (2006, p. 303), quando asseveram que:

(...) um grande acervo de narrativas é como uma boa caixa de ferramentas, na qual sempre temos o instrumento certo para a operação necessária, pois determinados consertos ou instalações só poderão ser realizados se tivermos a broca, o alicate ou a chave de fenda adequados. Além disso, com essas ferramentas podemos também criar, construir e transformar os objetos e os lugares.

Sendo esta professora apaixonada pelo que faz, como já me declarei, sempre lutei por encantar meus alunos mediante a leitura e, com isso, auxiliar para que vários deles se tornassem leitores das mais diferentes obras literárias. Deparo-me ante a um espelho em busca das respostas que, muitas vezes não consigo encontrar. Quem realmente é esta professora maluquinha – contadora de histórias?

Ao mencionar anteriormente a pergunta sobre que professora quero ser, não tenho a intenção de responder a mesma de forma sucinta, até porque a vida, o mundo corriqueiro, nos direciona a mudanças e estamos sempre em processo que se constitui diariamente. Pretendo buscar, nas entrelinhas entre a minha prática e o processo de escolarização, algumas respostas, é tirar e acrescentar dúvidas que irão aquietar e inquietar o fazer pedagógico.

Recorro à psicanalista e escritora Diana Corso, em sua obra Tomo conta do

Mundo, quando paro para refletir quem realmente é esta professora, o que busca, o

que realmente deseja, tentando encontrar-se em seus devaneios, em busca de conhecimentos e encantamento no mundo da leitura, que quer se reportar ao mundo da imaginação, do faz de conta, por meio dos contos de fadas... (CORSO, 2014, p. 246). [...] persistência da vida o que intrigava. Queria saber do que vivem as pessoas, qual seu alimento emocional, de onde tiram motivos para cada nova jornada. Por que seguem adiante.

Esta professora, como já mencionei, é uma mulher (CORSO, 2014). Independente da época, tem como papel esperar, conter, preservar, semear, proteger os que estão próximos. É um túnel do tempo em busca de um portal mágico, no qual possa realizar os seus mais longínquos desejos. Ao se ver refletida no espelho, sente que não se vê, não se reconhece, se inquieta, procura respostas e parte em busca das mesmas.

A autora cita uma metáfora que compara uma jovem escritora em busca de inspiração com uma pescadora

Sua imaginação disparou. Buscou as lagoas, as profundezas, os lugares escuros onde cochila o maior peixe. E de repente, um estrondo. Uma explosão. Espuma e confusão. A imaginação havia se lançado contra algo duro. A garota foi despertada de seu sonho, [...] ela tinha pensado em algo, algo sobre o corpo, sobre as paixões que para ela, como mulher, não seria apropriado dizer (CORSO, 2014, p. 257).

Esta imaginação, este querer buscar, é angustiante, é oneroso. Passamos por desafios, momentos de angústia, medos, incertezas e também realizações, e isso tudo nos leva a ver e a explicar o tamanho do desafio que é viver. As mulheres, ao longo dos séculos, organizaram suas famílias. Eram as “rainhas dos lares”, realizando e organizando as rotinas domésticas e sendo o encaixe da engrenagem que os filhos e o marido usavam como alicerce.

Embora, no entanto, esta mulher seja a autora desta Dissertação, vou expor a professora – a contadora de histórias – a que sempre lutou para encantar seus alunos mediante a leitura e, com isso, vários deles tornaram-se leitores – a “professora maluquinha”.

Percebo a literatura infantil, mais especificamente o livro, como um recurso, um instrumento pedagógico. Pegar o primeiro livro que encontramos na estante para contar a história, sem nem ao menos conhecê-la ou vestir um personagem qualquer, tudo isso tem um encanto recíproco, tanto pelo livro quanto pelo personagem, pois temos de vivenciar aquele momento como se ele estivesse realmente acontecendo.

Ao ler uma história a criança desenvolve seu potencial crítico. A partir daí ela pensa, duvida, se pergunta, questiona... Pode se sentir inquieta, querendo saber mais e melhor ou percebendo que pode mudar de opinião.

De acordo com Corso e Corso (2006, p. 303), “a literatura infantil é o faz de conta, é o despertar na criança a criatividade e a fantasia, é também uma arte que une o prazer de ler e a formação de uma criança mais reflexiva e crítica”.

Esta visão também é compartilhada por Castrogiovanni (2010, p. 65) quando destaca que:

(...) a compreensão da alfabetização como capacidade de leitura não só do texto, mas também da experiência humana vivida por todos (...) a alfabetização do ler e do escrever é um meio para a constituição do cidadão que sabe o quê, e por que, lê e/ou escreve.

Como afirma Pennac (1998, p. 21), “É preciso ler, é preciso ler... E se, em vez de exigir a leitura, o professor decide de repente partilhar sua própria felicidade de ler?”

Esta leitura está também associada à leitura de mundo, de realidade, tudo aquilo que tiver signos, representações gráficas que, mediante nossas intervenções, passam a ter significados; faz parte do mundo letrado, onde as crianças começam “acolherar” as primeiras letras, começam a decifrar tudo o que encontram (cartazes, outdoors, fôlderes, fachadas de lojas, placas de trânsito). A brincadeira e a diversão começam a “rolar soltas”, pois o som das letras vai formando uma linda melodia musical.

[...] Se fosse ensinar a uma criança a arte da leitura, não começaria com as letras e as sílabas. Simplesmente leria as estórias mais fascinantes que a fariam entrar no mundo encantado da fantasia. Aí então, com inveja dos meus poderes mágicos, ela desejaria que eu lhe ensinasse o segredo que transforma letras e sílabas em histórias. É muito simples. O mundo de cada pessoa é muito pequeno. Os livros são a porta para um mundo grande. Pela leitura vivemos experiências que não foram nossas e então elas passam a ser nossas. (...) Lendo, fazemos turismo sem sair do lugar (ALVES, 2008, p. 131).

A escrita é outro desafio. Escrever não é nada fácil. Busco Freire (2002 p. 7) para discorrer que escrever não é um puro ato mecânico; é precedido de outro, que seria um ato maior, mais importante, o ato de pensar ordenadamente, organizadamente, sobre certo objeto, em cujo exercício o sujeito pensante, apropriando-se da significação mais profunda do objeto sendo pensado, termina por apreender a sua razão de ser.

Da mesma forma, Ferreiro (2001, p. 55) nos instiga que escrever não é transformar o que se ouve em formas gráficas, assim como ler também não equivale a reproduzir com a boca o que o olho reconhece visualmente. A tão famosa correspondência fonema-grafema deixa de ser simples quando se passa a analisar a complexidade do sistema alfabético. Não é surpreendente, portanto, que sua aprendizagem suponha um grande esforço por parte das crianças, além de um grande período de tempo e muitas dificuldades.

É muito fácil falar, comentar sobre determinado assunto, mas, no momento de aplicá-lo, é completamente diferente, pois não vivemos somente de escritas, teorias científicas; somos movidos também por sentimentos, emoções, desejos, incertezas, medos, que pairam em nosso dia a dia. Estes estão interligados à magia, ousadia, alegria, criatividade e muita motivação para fazermos do nosso dia momentos que tenham saber e muito sabor.

Este saber (conhecimento que cada leitor agrega ao momento de ler ou ouvir uma história) e este sabor (prazer que “geralmente” é gerado ao ler ou ouvir a história) fazem com que o leitor/ouvinte interaja com diversos valores que estão presentes na nossa rotina escolar. Compartilho com as ideias de Freire (1996, p. 160), que afirma que:

Ensinar e aprender não podem dar-se fora da procura, fora da boniteza e da alegria (...) a alegria necessária ao que – fazer docente. É digna de nota a capacidade que tem a experiência pedagógica para despertar, estimular e desenvolver em nós o gosto de querer bem e o gosto da alegria sem a qual a prática educativa perde o sentido.

É neste mundo cheio de letras, números, significações, quando em todos os lugares aonde vamos nos deparamos com outdoors, placas, panfletos, cartazes, placas de carros, enfim, inúmeras formas de estar interligados com o mundo letrado, é que encontramos o “ser-educador”, que ensina e aprende concomitantemente, com erros e acertos, pois a educação é assim, nunca sabemos no momento real se estamos fazendo da forma correta. Posteriormente observamos os resultados, e acreditamos ter feito o melhor, mas somente “lá na frente obteremos certas respostas”. O educando apresenta alguns erros na escrita, na pronúncia das palavras, mas também muitos acertos. A cada erro uma ajuda, a cada acerto uma emoção; assim acontece a troca entre alunos e professores, quando cada um ocupa um lugar especial no coração do outro.

Na segunda série do Ensino Fundamental, tive uma professora que marcou minha trajetória pessoal e também profissional. Era a professora que toda a criança gostaria de ter como educadora. Para mim ela era uma fada. Tudo o que fazia era mágico. Tinha a “boniteza e a alegria” que Freire menciona. Sempre corrigia nossos cadernos e, ao recebê-los de volta, estavam coladas bolinhas vermelhas ou azuis. Se errávamos, ela nos dava uma bolinha vermelha, se acertávamos ganhávamos uma bolinha azul de papel laminado com brilho e um recado especial. No fundo, todavia, não era a cor da bolinha que ganhávamos que fazia a diferença, mas, sim, “a bolinha” que estava em nossos cadernos que era mostrada com orgulho. Parecia que havíamos ganhado um troféu. Teve o dia da estrela de papel amarelo laminado, que possuía mais brilho ainda, e também os passeios em sua casa, conversas sobre diferentes assuntos, brincadeiras... Esta foi e será sempre “a minha professora”. Conduzia as nossas manhãs com momentos de alegria, motivação, o gosto de querer mais.

Segundo Freire (2002), os professores possuem qualidades e esta professora tinha; ah se tinha!... Sua principal qualidade era da amorosidade em especial, pois tinha um amor incondicional por seus alunos, além do amor por aquilo que fazia, e conseguia nos encantar, pois chegava o final da manhã e ficávamos com um gostinho de querer mais.

Minha mãe foi minha primeira professora. Na sua pureza, delicadeza, sem conhecimentos técnicos, pedagógicos, na condição de querer acertar e fazer o melhor, oportunizou-me conhecer os livros e as palavras da melhor forma, com o encantamento e magia, alcançando e improvisando momentos de prazer com a leitura.

Todas as professora que tive guardo com carinho no coração. Elas me mostraram o encantamento das letras e palavras e levaram-me ao mundo mágico da leitura e da escrita.

(...) O tempo passa e com ele caminhamos todos juntos sem parar nossos passos pelo chão vão ficar. Marcas do que se foi sonhos que vamos ter como todo dia nasce novo em cada amanhecer (...) (Música: Marcas do que

se foi. OS INCRÍVEIS).

Resgatando este tempo e as marcas que o mesmo deixou, e que pretendo continuar deixando, escrevo estas linhas para ilustrar a sementinha que foi plantada, que está germinando e que talvez, algum dia, traga frutos.

Afinal, quem é a “professora maluquinha” que se encantou pela arte de educar, que se vê através do espelho, que se esconde atrás de roupas coloridas, colares, panela na cabeça, ou, mesmo, que se transforma em vários personagens, como D. Benta, D. Aranha, Emília e tantos outros que passaram e passam pelo seu caminho, e que teve como educadoras a mãe e a professora preferida que tão bem lhe ensinaram a arte de educar?

Após estudar e receber o diploma de professora, li e reli muitos livros. Inspirei- me, especialmente, no livro de Ziraldo, “Uma Professora muito Maluquinha” (PINTO, 1995) e, a partir deste, fiz das nossas tardes espaços de aprendizagem, conhecimento, respeito, troca de saberes e ousadia, com momentos de alegria e também muito comprometimento.

Esta “professora maluquinha” é aquela que faz do momento de ensinar e aprender um momento mágico. Fomos lendo o livro e, conforme a história surgia e as páginas iam sendo lidas, as palavras adentravam a sala de aula e se tornavam momentos significativos.

No livro, a jovem professora conseguiu responsabilizar os alunos pela disciplina na sala de aula por meio de um tribunal. Juntos, eles criaram as regras de convivência coletiva e, quando alguém as desrespeitava, convocava-se um aluno para acusação, outro para defesa, um para juiz e os demais para júri, e assim decidiam se o acusado era culpado ou inocente. Com este procedimento, ela ensinava os alunos a exercitarem a cidadania na elaboração de regras de convivência coletiva, trabalhava a comunicação oral, produção de texto na defesa escrita, relacionamento interpessoal e responsabilidade.

Na sala estes momentos foram acontecendo no transcorrer dos dias: júri simulado, eleições municipais, mascote da turma, jogos com trocas de conhecimentos, adivinhações, cadernos com inúmeros recados e desenhos, canetas com cores vibrantes que coloriam as páginas dos cadernos.

A professorinha valorizava a individualidade de cada um. Com um olhar sensível, percebia e reconhecia o potencial de cada aluno. Assim, propôs situações didáticas nas quais todos podiam ser premiados por suas habilidades e competências:

(...) Então, passou a ter concurso todas as semanas. Os mais estranhos junto com os mais normais: a melhor redação, a voz mais grossa, o melhor desenhista, a melhor mão para plantar flor, o melhor cantor, o mais engraçado, o que tinha a melhor memória... Só agora percebemos que, primeiro, ela descobria uma qualidade destacável em um de nós e aí, então, inventava o concurso, segura de quem seria o vencedor. No fim do ano, todo mundo tinha ganhado uma medalha (PINTO, 1995, p. 82-83).

Baseada na obra, lembro de momentos vividos em sala de aula em que deixei o personagem se sobressair por meio da imaginação, da criatividade, da ousadia, em busca de aprendizagens, alegrias, surpresas, aventuras e novos conhecimentos.

Acredito ter sido assim a constituição da menina em professora maluquinha apaixonada por letras, palavras, livros, histórias, que levou e leva seus alunos a embarcar em diferentes histórias, nas quais tudo passa pelo mundo encantado da magia, com a varinha de condão, o pó de pirlimpimpim, a sua árvore invisível de encantamentos, que são seus amigos inseparável na rotina escolar e que os levam a viajar por reinos encantados.

Essa menina, que se tornou uma professora maluquinha, tem como alicerce um escritor que muito a encanta com suas histórias e filmes: Ziraldo Alves Pinto.2

Esta professora também tem seus momentos de encantamento, maluquices. Sua história é caracterizada por muitas situações marcantes, significativas, no transcorrer dos seus dias em sala de aula. Embasada em Freire (1996), acredita que “Somos os únicos em quem aprender é uma aventura criadora, algo, por isso

2

Ziraldo Alves Pinto nasceu no dia 24 de outubro de 1931, em Caratinga, Minas Gerais. Começou sua carreira nos anos 50 em jornais e revistas de expressão, como Jornal do Brasil, O Cruzeiro, Folha de Minas, ... Além de pintor, é cartazista, jornalista, teatrólogo, chargista, caricaturista e escritor. (...) Em 1969 Ziraldo publicou o seu primeiro livro infantil, Flicts, que conquistou fãs em todo o mundo. A partir de 1979 concentrou-se na produção de livros para crianças e em 1980, lançou O

Menino Maluquinho, um dos maiores fenômenos editoriais no Brasil de todos os tempos (...) Ziraldo

mesmo, muito mais rico do que meramente repetir a lição dada. Aprender para nós é

construir, reconstruir, constatar para mudar, o que não se faz sem abertura ao risco

e à aventura do espírito”.

Descrevo, a seguir, alguns destes momentos que vivi juntamente com meus alunos na Educação Infantil e no Ensino Fundamental.

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