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O que revelam as páginas de um livro? o olhar expressivo da criança e do educador no mundo imaginário dos livros

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Academic year: 2021

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UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS

CURSO MESTRADO

MARCIA ANDREIA PIZOLOTTO CAMINI

O QUE REVELAM AS PÁGINAS DE UM LIVRO?

O Olhar Expressivo da Criança e do Educador no Mundo Imaginário

dos Livros

Ijuí – RS 2015

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MARCIA ANDREIA PIZOLOTTO CAMINI

O QUE REVELAM AS PÁGINAS DE UM LIVRO?

O Olhar Expressivo da Criança e do Educador no Mundo Imaginário

dos Livros

Linha de Pesquisa: Educação Popular em Movimentos e Organizações Sociais.

Orientadora: Profª Drª Elza Maria Fonseca Falkembach

Ijuí – RS 2015

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Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – Unijuí Mestrado em Educação nas Ciências

Linha de Pesquisa: Educação Popular em Movimentos e Organizações Sociais

A comissão examinadora, abaixo assinada, aprova a dissertação:

O QUE REVELAM AS PÁGINAS DE UM LIVRO?

O Olhar Expressivo da Criança e do Educador no Mundo Imaginário dos Livros

de

Marcia Andreia Pizolotto Camini

Como requisito parcial para a obtenção do título de mestre em Educação nas Ciências

Comissão Examinadora:

____________________________________________ Profª Drª Elza Maria Fonseca Falkembach – Orientadora – Unijuí

_____________________________________________ Profª Drª Helena Copetti Callai – Unijuí

____________________________________________ Profª Drª Maria Simone Vione Schwengber – Unijuí

____________________________________________

Prof. Dr. Jorge Alberto Lago Fonseca – Instituto Federal Farroupilha – Câmpus Panambi

Ijuí (RS) 2015

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Dedico este trabalho aos meus filhos Anielly e João Matheus, que viajam no mundo da imaginação, repletos de fantasias e criatividade e não deixam de acreditar no faz de conta.

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AGRADECIMENTOS

Este espaço é dedicado àqueles que, de alguma forma, contribuíram para que esta dissertação fosse realizada. Não sendo viável nomeá‐los a todos, há no entanto alguns a quem não posso deixar de manifestar o meu apreço e agradecimento sincero.

A Deus e a Nossa Senhora, minha fiel escudeira, por me darem força e coragem para não desanimar no meio do caminho, mesmo este sendo atrelado de obstáculos.

Às pessoas que colaboraram direta ou indiretamente para a realização deste trabalho, a minha gratidão.

Aos meus filhos, Anielly e João Matheus, que Deus concedeu-me a graça em meio aos estudos. Obrigada pela delícia de compartilhar com vocês momentos inesquecíveis de leitura e “contação” de histórias, por me levarem a reinos distantes e embarcarmos em grandes aventuras, e também pelos empréstimos dos livros e ajuda para encontrar citas que encaixavam no texto e no contexto.

Ao meu esposo Ruy, pela paciência, compreensão, carinho, pelo suporte técnico prestado quando o computador parecia ficar de mal comigo.

À minha família, uma palavra de reconhecimento muito especial aos meus pais, pelo amor incondicional e pela forma como ao longo de todos estes anos, tão bem, souberam ajudar‐me em especial a minha mãe, minha contadora de histórias, incentivadora e companheira de todas as horas, sempre impulsionando-me a acreditar nos meus sonhos e ajudando, e muito, a torná-los reais.

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7 À minha orientadora, professora doutora Elza Falkembach, por ter surgido em minha vida e trabalho de forma inusitada e estar sempre ao meu lado nessa caminhada rumo ao conhecimento, com paciência, competência e amizade, além de ser modelo de dedicação e paixão pela profissão.

À professora doutora Helena Copetti Callai, que me apresentou diversos autores e também o caminho a ser trilhado nos momentos de angústia.

À professora doutora Maria Simone Vione Schwengber pelas palavras de incentivo que me impulsionaram a ir adiante.

À amiga e comadre Marinêz Koller Pettenon, pelas incansáveis caronas, conversas de consolo e motivação que sempre me impulsionaram a ir em frente.

À minha prima Luciana Dalla Nora pelas palavras de incentivo para fazer o Mestrado e as várias idas e vindas de livros que auxiliaram em vários momentos desta caminhada.

Aos professores da banca, e os demais que encontrei pelo caminho, colegas, amigos que conheci neste percurso e fizeram com que não fosse tortuoso, mas algo a ser trilhado com paciência e alegria.

A todos os alunos e alunas que passaram pelo meu caminho, encontros nos quais descobri o encanto de contar histórias e viajar no tempo com sabor e saber.

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“Se quiser falar ao coração do homem, há que se contar uma história. Dessas que não faltam animais, ou deuses e muita fantasia. Porque é assim, suave e docemente que se despertam consciências” (JEAN DE LA

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RESUMO

Esta pesquisa foi realizada com a intenção primordial de refletir sobre as questões educativas, associadas à literatura infantil – a importância da literatura infantil na constituição do sujeito como um todo: a sua imaginação, a criatividade, o despertar de um olhar expressivo e de sentimentos que se manifestam e se propagam no momento da contação/apresentação de uma história. Nesta discussão trar-se-á a temática da literatura infantil, considerando a complexidade desses saberes no ensino. Para essas considerações, busco amparo nas obras de Nelly Novaes Coelho (1981, 1991, 2000, 2012), Diana e Mario Corso (2006, 2011, 2014), Maria Helena Zancan Frantz (1997, 2001, 2011), Paulo Freire (1982, 1996, 2002), dentre outros. Nessa trajetória, além dos conhecimentos teóricos, o trabalho foi constituído na forma singular de pesquisa qualitativa, em que a pesquisadora se transforma em objeto de investigação: suas aulas, sua relação com a literatura e sua forma de lecionar que integra sentimento e racionalidade e investe na interação com o educando-criança para acompanhar a produção de interesse e contentamento na sua relação com o livro e com a “história”. Para tanto, empregou-se os seguintes procedimentos de investigação: consulta a anotações e objetos da professora, revisão bibliográfica e pesquisa de campo – cujo instrumento de obtenção de dados foi “cartas-emails trocados entre a docente e ex-alunos – hoje em fase de formação universitária ou atuando no mercado de trabalho. Assim, este estudo foi dividido em três Capítulos. O primeiro aborda: A menina que virou professora maluquinha; o segundo, De letra em letra a construção da história; o terceiro, Viagem no tempo – do imaginário à realidade. Após os estudos realizados, muitas concepções foram reformuladas, novas surgiram e outras se fortaleceram. Entre elas, a convicção de que como o livro infantil ou uma experiência com a literatura (contar histórias), pode contribuir para a formação da criança quanto aos aspectos social, afetivo, cognitivo e cultural, proporcionando reflexões importantes acerca das questões que permeiam a leitura e a contação de histórias em sala de aula no Ensino Fundamental, mais especificamente nos anos iniciais. Desse modo, percebemos que se fazem necessárias discussões e estudos, nas escolas, que enfatizem o momento da literatura e leitura em sala de aula possibilitando momentos específicos e diferenciados quanto ao uso do livro, da literatura infantil, do lúdico, do professor personagem, de unir o conhecimento teórico com o pedagógico e a didática, de criar momentos de saber com sabor, que possibilitem refletir sobre suas práticas e também problematizar a forma da contação de histórias, encontrando alternativas para o trabalho com as crianças no processo de ensino aprendizagem.

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ABSTRACT

This research was carried out with the main purpose of reflecting on educative issues related to children’s literature – its importance to the constitution of the subject as a whole: their imagination, creativity, the awakening of an expressive glance, and the feelings that show up and are spread during the storytelling or the story presentation. On this discussion the theme of children’s literature will be brought up, taking into consideration this complexity of knowledge on teaching. For such considerations, this research was supported by the works from Nelly Novaes Coelho (1981, 1991, 2000, 2012), Diana e Mario Corso (2006, 2011, 2014), Maria Helena Zancan Frantz (1997, 2001, 2011), Paulo Freire (1982, 1996, 2002), among others. In this trajectory, besides the theoretical knowledge, this master thesis was built upon the singular way of a qualitative research, in which the researcher becomes the study object: her lessons, her relation with literature, and her way to teach integrating feeling and rationality, investing on interacting with the young students to follow up interest production and happiness in their relation with the book, and the ‘story’. For that, the following investigation procedures were applied: teacher objects and notes consultation, literature review, and field research – which tool for collecting data was “e-mail letters” exchanged between the teacher and her former students –nowadays attending university or already working at the job market. This way, this study was divided into three chapters. The first one discusses “The girl that has become a very crazy teacher”; the second one, “Letter by letter, the story building”; and the third one, “Time travelling – from imagery to reality.” After these studies, many conceptions were reformulated, new ones have emerged, and others were enhanced. Among them, the conviction that children’s literature books or the experience with literature (storytelling) can contribute to children’s formation in terms of social, affective, cognitive, and cultural aspects, providing important reflection on issues that permeate reading and storytelling in Elementary School classrooms, more specifically during early years. This way, we have noticed that discussions and studies in schools are necessary, with an emphasis on the literature and reading in class time, making possible specific and different moments in terms of book usage; on children’s literature; on the ludic; on the teacher as a character; on joining the theoretical and the pedagogic knowledge, and didactic; on creating pleasant moments of learning, making reflection on their praxis possible, and also problematize the storytelling format, finding alternatives for working with children on the teaching-learning process.

Keywords: Teaching. Experience. Education, Children’s Literature. Books. Once upon a time. Imagination. Reading.

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SUMÁRIO

ERA UMA VEZ... ... 12

1 “... A MENINA QUE VIROU PROFESSORA MALUQUINHA” ... 21

1.1 Os Tempos Passam, a Criança se Faz ... 28

1.2 Brincar Como e Com Criança ... 34

1.3 Do Brincar ao Ensinar... de Criança à Educadora ... 37

1.4. As Estações e os Números – no País da Multiplicação... 44

1.5. O Livro Dourado e as Histórias de Vida ... 47

1.6. Conversas na Rodinha que se Transformam em Livro ... 48

1.7 A Professora Personagem ... 49

1.8 Os Livros Sobre Quatro Rodas ... 52

2 “... DE LETRA EM LETRA – A CONSTRUÇÃO DA HISTÓRIA” ... 54

3 “... VIAGEM NO TEMPO DO IMAGINÁRIO À REALIDADE” ... 69

“E ASSIM O ERA UMA VEZ CHEGA AO FIM! OU TALVEZ NÃO...” ... 83

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ERA UMA VEZ...

“Quanta gente, quanto sonho, quanta história, quanto invento, quanta arte, quanta vida há dentro de um livro!” (AZEVEDO, 2000, p. 53).

Em um lugar muito distante, mas muito distante mesmo, existia uma professora apaixonada pelas letras, palavras, histórias. O seu mundo era um conto de fadas rodeado por livros; livros que levavam à paixão, à aprendizagem, a sonhos, chegando à realidade e muito conhecimento.

Estes tantos livros a impulsionaram a acreditar, juntamente com a cita anterior de Azevedo (2000) que, enquanto existirem histórias/livros não faltará magia, encantamentos, vida. Poderemos fazer com que os sonhos adormecidos dos adultos, que um dia foram crianças, e das crianças que ensinamos e com quem aprendemos diariamente, nos ensinem, movendo-nos a idealizar, acreditar e construir um espaço no tempo melhor para estar.

As histórias encantam, fazem com que os olhos brilhem, os espectadores vibrem, que acreditem que ainda vale a pena. Ao terminarmos a história, vamos fechar o livro e afirmar, mais uma vez, que valeu o fato de abri-lo e ter adentrado nele.

E foi assim que se constituiu a professora com a paixão, a ousadia e a sede de aprender e ensinar cada vez mais, fazendo das páginas de um livro seu alicerce para novas aventuras, magias, encantamentos, buscando novos conhecimentos e partilhando saberes. Como assevera Freire (1996), “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção [...] Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender. Quem ensina, ensina alguma coisa a alguém”.

Este ensinar teria de criar desejo, trazer alegria, sonhos, provocar, aguçar a imaginação e a criatividade, encantar. Mediante este encantamento, provocado por meio de atividades diversificadas, pode-se chegar aos mais diversos campos dos

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conteúdos, tratando de assuntos que nem sempre empolgam e agradam. Levar as pessoas ao conhecimento, de forma lúdica, faz aflorar os sentimentos que, muitas vezes, andam adormecidos. Mostrar a possibilidade de fazer com que o nosso ambiente seja um bom lugar de estar e viver é algo que o livro e a leitura podem propiciar.

Esta professora não se aquieta ante a esta possibilidade, embora o caminho não seja fácil, tranquilo, sereno; temos vários percalços no percurso. Temos, todavia, como aliados neste processo as Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs), como internet, computadores, celulares de última geração e tantos mecanismos que passam a ser, hoje, nossos recursos diários.

Aliar-se a eles, aos recursos tecnológicos com ousadia, trazendo-os para a sala de aula como fiéis amigos, nos fazendo aprendentes, em busca de novos conhecimentos, mostrando que estamos sempre no caminho do aprender e “não somos seres que nascemos acabados”, prontos, como Paulo Freire nos ensinou, são alternativas. Acompanhar o desenvolvimento tecnológico e contar histórias com o uso destes recursos midiáticos, une-nos aos mais sofisticados programas que trazem cores, sons, entretenimento e fixação nas telinhas que não interagem, mas não deixam crianças e adultos desconectarem-se das mesmas.

Todo este encantamento com as tecnologias e com o livro dá-se por meio da história. É por intermédio dela que se criam questões que, muitas vezes, passam despercebidas, que adultos não se dão conta, mas acabam sendo apresentadas pelas crianças nas histórias. Por que querer escutar várias vezes determinada história? Por gostar? Por identificação?

As histórias, por si sós, podem e devem ter, em algum momento do processo educativo, o papel de distração, relax, sem estarem associadas a cobranças. Podem, também, constituir-se em suportes na busca e troca de conhecimentos. No contato com elas, o educando acaba, contudo, entrando em um mundo mágico, onde a fantasia vira o real e o conhecimento acaba surgindo de forma inesperada.

Afirmam Corso e Corso (2006) que é bom insistir que os contos infantis não servem apenas à criança. O ato de narrar abre, para os pais, um espaço de elaboração sobre o que ocorre no vínculo com o filho. Baseando-se em algum tipo de literatura – contos de fadas, por exemplo – podemos identificar situações reais

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que acabam sendo observadas nos lares, nas brincadeiras, que podem ser usadas para projetarmos momentos não conflitantes em família, tendo-os como subsídios para determinadas situações.

Esta visão também é compartilhada por Frantz (1997, p. 47), quando destaca que:

Os contos de fada são narrativas cuja origem se perde no tempo e que vêm atravessando séculos após séculos, sempre encantando os seus leitores. Esses contos não perdem a sua atualidade porque tratam da essência humana, que é a mesma desde que o homem existe. Essas narrativas falam de coisas profundas, essenciais, que habitam dentro de cada um de nós. Falam de medos, ansiedades, sonhos, desejos, busca da auto-realização, esperanças, os mesmos sentimentos que inquietam as crianças e os jovens de hoje.

Enquanto uma história for contada, um livro for aberto ou, até mesmo, outra forma de apresentação for utilizada, podemos observar que olhos brilham, mentes viajam e tudo gira em torno do imaginário. O prazer em contar, o usar adereços (transformar uma professora em “maluquinha” usando vestes diferentes do dia a dia, mudando o jeito do cabelo, colocando acessórios como brincos, colares... deixando a imaginação e criatividade mudarem o visual diário dela e esta se transformando em professora-personagem), acaba tomando conta do momento, enriquecendo mais as aulas e proporcionando momentos alegres, criativos, que despertam de ambos os lados – o do educador e o do educando – novos sentimentos e manifestações, como prazer, emoção, o piscar dos olhos, sentir, pensar... E assim o faz de conta vai se fazendo presente em vários momentos.

Essa construção de “professora maluquinha”, por meio de livros e pelo jeito diferente do fazer pedagógico, constituiu-se através dos anos em sala de aula, mais precisamente nos anos que vão de 1995 até os dias de hoje, atuando com alunos da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental, em que o tempo de quatro horas é transformado em momentos de alegria, aprendizagem, vivacidade, trocas recíprocas e conhecimentos.

A partir daí pôde pensar, duvidar, se perguntar, questionar... Sentiu-se inquietada, “cutucada” querendo saber mais e melhor. Levou a perceber que pode mudar de opinião, criar jeitos/formas diferentes de trabalhar. Isso não deve ser feito somente uma vez, mas deve fazer parte da rotina escolar, sendo registrado, e se tornar uma forma de presença, o que não significa passar o tempo todo contando

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histórias no transcorrer das aulas, sendo algo repetitivo. As aulas tornaram-se momentos prazerosos onde ambos – a professora e os alunos – são aprendentes, havendo uma troca de conhecimentos/saberes.

Para Frantz (2011), a leitura é algo indispensável para o ser humano, é o insumo para a sua vida, pois, no momento da leitura, ele vai desvendando os mistérios do seu eu, e também vai adquirindo conhecimentos, se apropriando de conceitos e podendo se alicerçar no mundo em que vive. A leitura tem potenciais variados, ou seja, por meio dela podemos desvendar mistérios, viajar, conhecer lugares, nos deparando com várias realidades e situações e, desta forma, vamos também adquirindo conhecimentos, sem sairmos do local em que nos encontramos. Pode ser algo mágico, único, ao leitor que ali conhece e vivencia a experiência. Abre portas, visita diversos mundos e realidades, sente e absorve a ideia de cada autor e, ao final, constrói suas próprias suposições, apropriando-se de algumas e dando significados a elas, como também desapropriando-se de outras e, assim, levando muitos conhecimentos para o seu mundo.

Nesta história, todos somos sujeitos aprendentes, e estamos em busca de novas aventuras, viagens, imaginações, para transformarmos o nosso mundo real como cidadãos pensantes e ativos na sociedade. Queremos também desenvolver no sujeito o refletir para e com a sociedade, o que, se bem-apropriado no processo inicial de escolarização, que é a Educação Infantil e Anos Iniciais, é só continuar buscando condições favoráveis à aprendizagem, que acontece. À professora, ao professor, cabe ajudar a manter este desejo inicial que foi despertado.

Considero de grande importância o trabalho da literatura infantil para o progresso cognitivo do aprendente, pois é pela leitura, do ser ouvinte e participante, que ele se tornará imaginativo, criativo; vai despertar o gosto e o prazer pelo ato de ler.

Para isso, faço minhas as palavras de Assmann (2012, p. 29), que enfatiza que um “ambiente pedagógico é um lugar de fascinação e inventividade”. Propõe o autor: “Não inibir, mas propiciar, aquela dose de alucinação consensual entusiástica requerida para que o processo de aprender aconteça como mixagem de todos os sentidos”.

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Uma pergunta central passa a direcionar/orientar esta pesquisa:

Como o livro infantil, uma experiência com a literatura (contar histórias), pode contribuir para a formação da criança quanto aos aspectos social, afetivo, cognitivo e cultural?

Busco subsídios nas palavras do educador Paulo Freire para me orientar e afirmar que a aprendizagem não acontece somente no depósito de conhecimentos, mas sim como uma troca recíproca de ambos os lados, educador e educando.

É preciso que, desde os começos do processo, vá ficando cada vez mais claro que, embora diferentes entre si, quem forma se forma e reforma ao formar e quem é formado forma-se e forma ao ser formado. É neste sentido que ensinar não é transferir conhecimentos, conteúdos nem formar é ação pela qual um sujeito criador dá forma, estilo ou alma a um corpo indeciso e acomodado. Não há docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos, apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de objeto, um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender (FREIRE, 1996, p. 25).

Segundo Freire, somos os únicos a aprender algo como uma aventura criadora, por isso mesmo de modo muito mais rico do que meramente repetir a lição dada. Aprender para nós, humanos, é construir, reconstruir, constatar para mudar, o que não se faz sem abertura ao risco e à aventura do espírito.

Para desenvolver o tema sobre o que revelam as páginas de um livro, tenho como objetivo geral ampliar os estudos e pesquisas no contexto educacional referentes à importância da literatura infantil na constituição do sujeito como um todo: a sua imaginação, a criatividade, o despertar de um olhar expressivo e de sentimentos que se manifestam e se propagam no momento da contação/apresentação de uma história.

No que diz respeito aos objetivos específicos:

Refletir sobre a trajetória de vida da professora, com ênfase na sua relação com a literatura infantil, para compreender o papel da literatura infantil na constituição de professores e alunos na Educação Básica, ou seja:

– como se estabelecem os vínculos entre professor e aluno;

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– como a relação com a literatura afeta a imaginação, a criatividade e a disposição à aprendizagem, na criança.

Para abordar o tema proposto, o presente trabalho está dividido em três Capítulos.

No Capítulo 1, “... A menina virou uma professora maluquinha”, retrato o que me impulsionou a ser professora, os fatos que me inquietavam, como fui me constituindo, descobrindo, inventando e aplicando; o surgimento, desenvolvimento e concretização da educadora do princípio de minha docência até os dias atuais.

No Capítulo 2, “... De letra em letra – a construção da história”, dialogo com autores. Neste segundo Capítulo apresento os pressupostos teóricos que embasam este estudo, a origem da literatura, características e a importância que a mesma possui no dia a dia do sujeito aprendente.

No Capítulo 3, “... Viagem no tempo – Do imaginário à realidade”, reporto-me aos anos anteriores de sala de aula e busco respostas junto aos meus ex-alunos quanto à significação das experiências vividas em sala de aula.

“... E assim o Era uma Vez chega ao fim! Ou talvez não...”, há uma

consolidação dos três primeiros Capítulos, ou seja, há uma análise da constituição do ser professor, do ser leitor, juntamente com a parte teórica referente à associação entre o real e o imaginário, e a importância dos mesmos no contexto diário da sala de aula.

Retomo, ao final, o caminho trilhado pela pesquisa, quanto aos processos educativos permeados pelo trabalho com a literatura infantil que foram “recortados” pela pesquisadora, no decorrer do estudo, destacando a relação entre o imaginário e o real, o teórico e o prático.

O estudo construiu, como metodologia, uma forma singular de pesquisa qualitativa, em que a pesquisadora e suas práticas se transformam em objeto de investigação: sua relação com a literatura, na infância e como profissional da educação e sua forma de dar aulas, que integra sentimento e racionalidade e investe na interação com o educando/criança para acompanhar a produção de interesse e contentamento na sua relação com o livro e com a “história”. Então foram selecionados textos, objetos e foram organizados registros que revelassem os procedimentos adotados pela pesquisadora/leitora/professora, na sua relação com o livro:

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– textos – escolha de histórias infantis associadas aos conteúdos curriculares trabalhados no período abordado pela pesquisa;

– registros – construção de cadernos de anotações sobre as atividades desenvolvidas em sala-de-aula, no mesmo período;

– objetos – seleção de materiais e adereços confeccionados, organizados e utilizados na contação de histórias em sala de aula;

– procedimentos – revisão bibliográfica, consultas aos registros, textos e objetos e pesquisa de campo, cujo instrumento de obtenção de dados foram cartas trocadas entre a professora e ex-alunos – as denominadas “cartinhas”. Os alunos contatados estão, hoje, em fase de formação universitária ou atuando no mercado de trabalho. Todos deram seu consentimento para o uso das informações repassadas à pesquisadora.

Para a troca de “cartinhas” foi elaborada uma “cartinha padrão” enviada aos alunos que integraram as turmas de 2ª e 3ª séries do Ensino Fundamental I nos anos 2000 a 2008 em um colégio da rede particular em Ijuí, RS.

Estas cartinhas foram enviadas utilizando os recursos midiáticos. Encaminhei o roteiro de entrevistas por e-mail e recebi as respostas da mesma forma. As questões foram as seguintes:

– Qual a importância/relevância que teve a personagem “Professora Maluquinha” em sua vida?

– Fez alguma diferença?

– Interferiram na sua aprendizagem ou foi um momento passageiro, algo momentâneo?

– A maneira que as histórias eram contadas o levou a ir em busca de novos livros, ler mais?

– Momentos significativos: O que foi bom, o que não teve relevância para você?

De um total de 20 comunicações enviadas, 10 foram respondidas. As cartinhas são, em parte, reproduzidas e comentadas no Capítulo 3.

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A base de sustentação teórica do trabalho contempla estudos de Fanny Abramovich (1993); Rubem Alves (1993, 1995, 2002 e 2008); Hugo Assmann (2012); Walter Benjamin (1984, 1994, 1995, 2002); Bettelheim (2002); Diretrizes curriculares nacionais para a educação infantil (2010); Nelly Novaes Coelho (1981,1991, 2000, 2005); Diana e Mario Corso (2006, 2011, 2014); Alícia Fernandez (1994); Emília Ferreiro (1993, 2001); Maria Helena Frantz (1997, 2001, 2011); Paulo Freire (1982, 1996, 2002); Kohan (2004, 2013); Marisa Lajolo (1989, 2006); PierreLévy (1993); Monteiro Lobato (2007); Mario Osorio Marques (1996); Mariano Narodowsky (2001); Antônio Nóvoa (2007); Ziraldo Alves Pinto (1995); Milton Santos (2010); Sarmento ( 2002, 2004); Georges Snyders (1993); Maurice Tardif (2002); Ana Teberoski (2004); Regina Zilberman (1981,1988), entre outros.

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“... A MENINA QUE

Desenho: Anielly Pizolotto Camini

QUE VIROU UMA PROFESSORA MALUQUINHA”

Desenho: Anielly Pizolotto Camini – 11 anos – 6º Ano – CSCJ

MALUQUINHA”

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1 “... A MENINA QUE VIROU PROFESSORA MALUQUINHA”

Neste capítulo irei abordar a constituição do ser professora desde a infância, os brinquedos, as brincadeiras que encantavam, a motivação e a interferência da família, e a professora que encantou e despertou o desejo de assumir a mesma profissão, e, ainda os trabalhos desenvolvidos nas turmas, o lúdico nas aulas, o papel do professor personagem e o interesse dos alunos pela leitura.

Coisa gostosa é brincar! Brinquedos dão alegria: bonecas, pipas, piões, bolas, petecas, balanços, escorregadores... Os brinquedos podem ser feitos com os mais diferentes materiais: madeira, plástico, metal, pano, papel. Mas há brinquedos que são feitos com algo que a gente não pode nem tocar e nem pegar: brinquedos que são feitos com palavras (ALVES, 1993).

Hummm, brinquedos estes não faltaram na minha infância, nada muito sofisticado, mas que encantava, fazia sorrir, falar, correr, “viajar” e ser uma criança feliz. E as brincadeiras então... Tive uma infância, lúdica, com cantigas, brincadeiras na pracinha, rodas cantadas, mas o que realmente me encantava e prendia minha atenção eram as letras, palavras que minha querida mãe proporcionava, mesmo sem muito conhecimento, sobre livros, leituras, que nunca deixou faltar, histórias que contava e encantava. Os recursos não eram muitos, mas ela sempre dava um jeito de adquirir um novo livro para ler à noite antes de dormir. As histórias não podiam ser repetidas, ou seja, serem contadas todos os dias as mesmas, como também não aceitava a mudança do enredo quando contadas as mesmas. Muitos dos livros eram de pintar – “mágicos” – que, ao colocar o pincel na água, a cor surgia; era um encantamento só, proporcionavam tanta satisfação que me levavam sempre para o mundo da imaginação... E assim foi que cresci, ouvindo minha mãe contar os contos de fadas, histórias bíblicas, clássicos da literatura, histórias de cabeça – histórias inventadas no momento ou de fatos que realmente aconteceram – entre tantos outros tipos que provavelmente algumas crianças já ouviram.

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Este fascínio pelas histórias, este amor incondicional, fez nascer a vontade de conhecer e estudar mais sobre a importância da contação de histórias na formação dos educadores e educandos dos anos iniciais, ou seja: como o livro infantil (contar histórias) contribui para a formação da criança quanto aos aspectos social, afetivo, cognitivo e cultural?

Isso vem ao encontro do trabalho em sala de aula com crianças e aos resultados que obtive no dia a dia escolar com o auxílio da literatura infantil. Além disso, contribuiu o fato de ter uma filha de onze anos que é uma leitora assídua, que foi motivada desde os primeiros momentos em que se constituía no ventre, tendo esta paixão também por letras e palavras, e amar viver no mundo da imaginação, e ter um filho de 2 anos que tem como brinquedo preferido livros de sons, dando asas à imaginação com os sons de animais que ouve e já colocando o dedo para ler as palavras grifadas. Assim, foi constituindo-se a professora que quer levar este encantamento, alegria, motivação e conhecimento para as crianças que a cercam.

Por ser uma apaixonada pela literatura infantil e livros, por pensar que esse recurso pedagógico nos auxilia, e muito, em vários aspectos na formação do indivíduo e também que nos faz “viajar”, acreditar no mundo imaginário e despertar a criança que anda adormecida dentro de cada um de nós, por encontrar nas histórias possíveis descobertas, lugares e respostas para questões infinitas do saber, da magia e do encantamento, tornei-me uma professora que, como muitos dizem, não reproduz os padrões vigentes.

Sendo esta professora apaixonada pelo que faz, sempre lutei por encantar meus alunos mediante a leitura e, com isso, auxiliar para que vários deles se tornassem leitores das mais diferentes obras.

Procurei resgatar alguns tópicos que constituíram a profissional, mulher, esposa, dona de casa, mãe, leitora, professora – profissional da educação em busca de reconhecimento e valorização.

No ir e vir de estradas asfaltadas, subidas, descidas, buracos, estradas sem fim, movimentadas pelo tempo corrido, pela janela, avisto a paisagem: galhos, folhas, plantações que balançam, rumores ao adentrar no ônibus, crianças, estudantes, professoras que entram e saem. Nestas idas e vindas acompanhada sempre por palavras, livros, sons, surge a pergunta que me inquieta, fazendo uma

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repetição que gera questões: “Quem é essa mulher que canta sempre esse estribilho? [...] Quem é essa mulher que canta sempre esse lamento? [...] Quem é essa mulher que canta sempre o mesmo arranjo? [...] Quem é essa mulher que canta como dobra um sino?” (BUARQUE DE HOLANDA, Chico, 1981).

Ferraz (2013, p. 12) escreve sobre esta mulher que procuro encontrar... São as mulheres, personagens principais – especialmente nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nas escolas de educação infantil e creches – da educação nos dias contemporâneos. Mulheres trazendo em suas bolsas, pastas, mochilas, um amontoado de palavras que quase sempre resultam em uma imagem opaca, misturada com o que eram elas naquele lugar, naquele espaço aberto por histórias as mais diversas. Encontros repetidos, laços mais possíveis, palavras novas. Passo a ver a escola com um corpo feminino – voz, cheiro, cabelo, mão de mulher.

É com esta mulher que os pais acabam tendo a segurança de deixar seus filhos todos os dias na escola, por acreditarem que estarão sendo bem cuidados, protegidos, amparados, por estarem com uma mulher que tem o sentido materno, igualando a professora a uma mãe.

A complexidade de ensinar está algumas vezes ligada a essa função de mãe. O saber fazer materno é levado para a prática em uma tentativa de tornar tal saber no nível do racional ou científico, sempre válido para aquele contexto específico. A relação professor-aluno parece estar pautada em um saber cotidiano afastado de uma epistéme, como se bastasse ser mãe para saber lidar com esses meninos e ensinar algo. É difícil saber até que ponto isso serve como uma sombra ao impossível ato de educar, ou se isso dificulta o desenvolvimento da pedagogia e o aperfeiçoamento da docência, mantendo as fiadas a uma domesticidade que impede a consolidação de um corpus epistemológico (FRANCO, 2010, p. 4).

A função de mãe, a qual se liga culturalmente à feminilidade, ao ser posicionada em pé de igualdade com o ser professora, acaba definindo e mostrando características para esta profissão; valores passados pela escola e vivenciados pela família.

Segundo Corso e Corso (2011, p. 87),

As mulheres vêm construindo um incrível equilíbrio, umas improváveis combinações entre o papel central prescrito para a mãe na nascente família burguesa e a libertação da reclusão doméstica, mesmo porque ambas as tendências sempre de alguma forma conviveram. A mulher conquistou a relevância social enquanto rainha do lar e como cidadã em tempos históricos similares.

(24)

Corso (2014) escreve sobre Virgínia Woolf, mulher e escritora que saiu em busca de si mesma e de algumas respostas para as suas perguntas: Do que vivem as pessoas, mais especificamente as mulheres? Qual seu alimento emocional? De onde tiravam motivos para cada jornada? O que as mulheres queriam e ainda querem buscar? O que e como pensam? Que voz feminina defendem, buscam, querem realmente ressoar?

Que mulher é essa que é mãe, que quer ter o seu espaço no mercado de trabalho, que grita interiormente em busca de um espaço, de poder mostrar suas qualidades, preferências e seu potencial de conhecimento e, ao mesmo tempo, cuidar, criar, proteger os filhos?

Embora identificada com o aconchego do lar que ela pastoreia, para ser mãe, a mulher anestesia seus próprios monstros; para cantar uma cantiga de ninar, nocauteia os pesadelos que ela conhece; para ajudar um filho a aprender a caminhar, abafa seus desequilíbrios tenta acreditar que o rumo de seus passos tem uma direção. De onde um ser humano, que sempre acreditou ser frágil, tira tanta força? (CORSO, 2014, p. 88).

Essa mulher tira força do imensurável, corre, busca, questiona e procura fazer sempre o melhor para os que estão a sua volta, culpando-se por não poder fazer mais, espelhando-se e, ao mesmo tempo, tentando fugir do “fantasma do anjo da casa”, que sussurra em seus ouvidos, deixando-a frágil, mas sem cessar de buscar a voz que tanto almeja, que a torne uma mulher.

Somente a partir do século 18 a mãe/mulher assumiu o seu real papel. Antes as crianças ficavam aos cuidados das amas de leite e a mãe, propriamente dita, recebia seu bebê para cuidados; isso se o bebê não fosse a óbito, pois na época era algo corriqueiro e normal nas famílias. Somente após a perda das fraldas e do peito o bebê juntava-se à mãe.

Recorro a Corso e Corso (2011) para ajudar a pensar como buscar a família nos dias de hoje na sociedade, lugar de origem do indivíduo, do cidadão e, principalmente, dos valores e da personalidade. Nesta concepção, a mulher tem uma função de importância compatível com essa valorização do espaço privado que vai contribuir para a consolidação dos objetivos públicos. Mesmo passados séculos, a mulher ainda deriva de dois extremos que a põem, muitas vezes, sem alicerce, mas não deixando “a peteca” cair.

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A maior parte das mulheres tenta conviver com as duas personalidades: a antiga mãe abnegada e a nova mulher ocupada e voltada para si. É como se a mulher tivesse dupla personalidade, uma face pública e uma privada que dialogam mal e tentam ignorarem-se mutuamente, como os super-heróis e suas identidades secretas (CORSO; CORSO, 2011, p. 90).

Se analisarmos os super-heróis fora da magia, na “vida real”, estão sempre rodeados de pessoas que mal os conhecem, possuem um ou dois amigos escudeiros e os demais não sabem os mistérios e poderes que habitam seus corpos. Assim sente-se a mulher entre as quatro paredes de sua casa, despida do “personagem-mulher-heroína”, longe dos seus afazeres do trabalho, ante a seus familiares, sentindo-se em dívida amorosa com os entes queridos.

As mulheres estão divididas, estão sob uma linha imaginária de equilíbrio, compartilhando as tarefas de mãe/família e a mulher que conquistou espaço no mundo do trabalho.

Essa conquista para a mulher é seu ponto forte; é o sucesso profissional que chegou, tendo o espaço que tanto almejou/buscou; mas junto com esse sucesso vêm incertezas, o lado emocional que acaba sendo abalado, desestruturado, pois, juntamente com o prazer, recorre à dívida amorosa, o sentimento de culpa pelo dever familiar não cumprido.

O sucesso dessa química instável depende de que o papel materno seja construído a partir de todas as fontes possíveis e, mais uma vez, as histórias, a ficção com seu papel de organizar as fantasias, disponibilizá-las para serem compartilhadas, frequentadas e assimiladas, cumprem seu papel. Assim como as crianças precisam de histórias para compreender e se constituir, as mulheres também se beneficiam das narrativas de ficção para traçar sua própria identidade (CORSO; CORSO, 2011, p. 87).

Assim, a ficção acaba fazendo parte do mundo da mulher; recorre às histórias imaginárias, amigos imaginários, depara-se com o mundo da fantasia, para se constituir, ter forças e buscar encantar os momentos de angústias, sofrimentos que, às vezes, nos percalços da vida, da rotina diária, se defronta. “[...] é no papel de mãe que a mulher fica identificada com a miragem desse oásis, ao qual recorremos sempre que a vida se desertifica (CORSO; CORSO, 2011, p. 93).

Ao ir desvendando os mistérios de quem é, na verdade, esta mulher, mãe, precisa encontrar ainda este ser professora. Afinal, quem é esta professora? Laiza Bortolini dos Santos, em sua Dissertação de 2009 (p. 12), descreve: “Poder-se-iam ambos estes comportamentos ligarem-se à concepção construída sobre ‘o ser

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professora’, o qual, durante muito tempo e, até hoje, possui um lugar que lhe foi dado pela sociedade: o de passiva, doméstica, com uma sexualidade tão escondida que chega a ser quase inexistente e que perante seus alunos aparece numa confusão mãe/tia/professora?”

Afinal, o que é ser professora? Qual é o real papel de educar? Que professora tenho sido e que professora tenho produzido? Será que tenho sido uma “professorinha”? Até que ponto, tenho sido uma profissional que reproduz um “modelo”? Ou não...? Que ideais e ideias carrego enquanto professora?

Diante desses comportamentos, Fernandez (1994) nomeia a professora como passiva e nos mostra que esta, enquanto representante do saber, é ensinada a sentir “culpa por conhecer”, a qual é passada ao aprendente. Segundo a autora, essa culpa por conhecer se constitui pelo fato de a professora ser duplamente ensinante, ou seja, na escola e perante os enigmas da vida.

Esta constituição do ser professora, isto é, a identidade, perpassa por diversas questões que vão desde a sua socialização primária, enquanto aluna da escola, seguindo para a formação inicial do curso de Magistério, após o curso de Pedagogia, até tornar-se professora de fato, ficando em formação permanente.

A professora precisa ser vista, segundo Tardif (2002), como um ator que assume a prática a partir dos significados que ele mesmo lhe dá, um sujeito que possui conhecimentos e um saber-fazer provenientes de sua própria atividade (p. 230), os quais estruturam e orientam suas ações. A professora tem uma identidade, e busca subsídios para, a cada novo dia, fazer de suas batalhas o momento também de conquistas, de ser professor diariamente.

Para Nóvoa (2007, p. 16),

A identidade não é um dado adquirido, não é uma propriedade, não é um produto. A identidade é um lugar de lutas e de conflitos, é um espaço de construção de maneiras de ser e de estar na profissão. Por isso, é mais adequado falar em processo identitário, realçando a mescla dinâmica que caracteriza a maneira como cada um se sente e se diz professor.

Assim, o processo identitário envolve também a capacidade de o/a professor/a exercer a docência com autonomia, pelo sentimento de controle sobre o seu trabalho, uma vez que a maneira como cada professor/a ensina está diretamente ligada ao que ele é como pessoa quando executa o ensino e, nessa direção, Nóvoa (2007, p. 17) declara:

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Aqui estamos. Nós e a profissão. E as opções que cada um de nós tem de fazer como professor, as quais cruzam a nossa maneira de ser e a nossa maneira de ensinar e desvendam na nossa maneira de ensinar a nossa maneira de ser, é impossível separar o eu profissional do eu pessoal. Nóvoa (2007, p. 16) reforça e nos instiga a tentar responder à questão: Por que é que fazemos o que fazemos na sala de aula? Envolve evocar uma “[...] mistura de vontades, de gostos, de experiências, de acasos até, que foram consolidando gestos, rotinas, comportamentos com os quais nos identificamos como professores.”

Esta mulher-mãe-professora tem como aliado os livros que a instigam em busca do novo, do conhecimento, da construção, da ousadia, da alegria, da dúvida, das incertezas, da inquietação e também, muitas vezes, do não querer mudar, buscar, desconstruir. Sabemos que quanto mais lemos, buscamos, mais sentimos sede/gosto/prazer para procurar outros títulos e assuntos que estão nas bibliotecas e livrarias.

Segundo Lajolo (2006, p. 9), “Em nossa cultura, quanto mais abrangente a concepção de mundo e de vida, mais intensamente se lê, numa espiral quase sem fim, que pode e deve começar na escola, mas não pode (nem costuma) encerrar-se nos estreitos círculos da escola”.

Na busca por estes livros, as histórias vão sendo contadas e se multiplicam por meio das magias, encantos e fantasias que as narrativas proporcionam, tanto para quem conta quanto para quem ouve. Nos mais diferentes e longínquos espaços, mesmo perpassando através dos tempos as histórias com seus personagens, continuam presentes, recontadas por alguns para familiares, amigos, colegas de aula, filhos, ou o próprio momento em que os pais colocam seus filhos na cama e sentam-se ao lado para ler ou contar uma história, quando o olhar, o prazer do momento, vai transformando-se no prazer e gosto de ler. E assim o ERA UMA

VEZ continua perpassando vidas...

Através de gerações, estando presente com nossos alunos e resgatando a criança que fomos um dia, precisamos entender que criança fomos, que visão de criança existe dentro de cada um e cada uma e que tipo de criança gostaríamos de formar. Isto deverá ajudar a realmente desenvolvermos o papel que nos cabe de professores, mediadores, que buscam fazer da aprendizagem um momento de prazer, tendo saber e sabor naquilo que ensinamos e aprendemos diariamente com nossos alunos.

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1.1 Os Tempos Passam, a Criança se Faz

Considerando o mundo moderno e globalizado, a sociedade da informação, há exigências para que todos reaprendam a conhecer, a comunicar-se, a ensinar e a aprender; a integrar o humano e o tecnológico; a integrar o individual, o grupal e o social. Passamos pelo mundo das tecnologias, onde o tempo, o espaço, a comunicação, acontecem em questão de segundos. Espaço no qual as crianças podem ser reconhecidas (ou não) desde o nascimento como construtoras de conhecimento, ou seja, como sujeitos de sua própria aprendizagem.

Trago para dialogar conosco Martins e Silva (1999), que nos fazem refletir sobre este mundo globalizado, com corridas desenfreadas e tempos escassos. Primeiramente ouvíamos a notícia no rádio, após determinado tempo assistíamos pela televisão e hoje, em questão de segundos, ficamos sabendo o que acontece mundialmente de forma instantânea pelas redes mundiais de comunicação digitais.

(...) hoje vivemos uma época de mundialização, todos os nossos grandes problemas deixaram de ser particulares para se tornarem mundiais, (...) Todos os problemas se situam em um nível global e, por isso, devemos mobilizar a nossa atitude não só para os contextualizar, mas ainda mundializar, para os globalizar; devemos, em seguida, partir do global para o particular e do particular para o global, que é o sentido da frase de Pascal: “Não posso reconhecer o todo se não conhecer particularmente as partes, e não posso conhecer as partes se não conhecer o todo” (MARTINS; SILVA, 1999, p. 20).

Atrelado a tudo isso, está este nosso cotidiano conturbado, globalizado, que leva a muita correria. As pessoas vêm e vão sem parar. Este mundo nos faz refletir (até porque nos condiciona ao contrário) sobre este confuso lugar e espaço de tempo em que vivemos. O tumultuado “mundo moderno”, em que estamos inseridos, onde vivemos assoberbados, correndo sempre em busca de algo, em busca de mudanças sociais, culturais, hábitos de vida, perpassando a ideia da não existência de limites, não percebemos as horas, os dias e até mesmo os anos passarem e, quando vemos, estamos “correndo” no sentido figurado da palavra, será que é figurado mesmo? Acabamos não fazendo grandes coisas que acreditamos serem importantes para a nossa constituição.

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Tal argumento também é compartilhado por Valentini e Soares (2010, p. 22), que fazem referência ao tempo e às tecnologias como aliados nesta corrida desenfreada, destacando que marcam o atual período histórico. Essas relações, amplamente exploradas dentro do contexto da Revolução Industrial e da sociedade capitalista, são necessariamente reavaliadas diante da Revolução Tecnológica, que marca o ingresso da civilização em um novo momento histórico. A tecnologia vem introduzindo uma reescritura dos modos de relação econômica, social e cultural. Turkle (1989) faz uma comparação com o relógio. Máquina criada para medir o tempo com precisão que acabou por engendrar uma nova forma de organização temporal, uma nova maneira de o homem perceber o mundo:

O tempo deixou de ser quanto demorava a executar uma tarefa. O tempo deixou de estar ligado ao movimento do Sol ou da Lua, ou a uma mudança de estação. O tempo passou a ser quanto demoravam os ponteiros a mover-se num mecanismo. Com os instrumentos digitais de medição de tempo, a nossa noção de tempo está, uma vez mais, a ser afetada por alterações técnicas. O tempo está a tornar ainda mais abstrato. O tempo deixou de ser um processo; tempo é informação (TURKLE, 1989, p. 14). Diante de tudo isso, observa-se que as crianças são capazes de ler e reler o mundo com seus próprios olhos, uma vez que, em sua maioria, elas vão crescendo concomitantemente com o desenvolvimento das formas de transmissão de informações e de conhecimentos. Desde pequenas estão em contato com pessoas que contam histórias “de cabeça”, leem, contam causos, como também com o mundo letrado em que vivemos, onde temos outdoors, panfletos, propagandas, letras e números que fazem parte do nosso dia a dia. Sem falar do momento em que se deparam com as histórias em salas de aula, pois, hoje, sabemos que já nascem praticamente em uma escola, já estão assoberbadas, com rotinas diárias e, assim, o seu mundo imaginário, o faz de conta, os reis, rainhas e bruxas perpassam pelos seus dias. As novas tecnologias têm, também, mecanismos para convocar o imaginário infantil.

Como mencionado anteriormente, o mundo tecnológico, as redes de comunicação, as histórias virtuais, os e-books, a interatividade e a conectividade com sites, trazem também estes personagens dos contos de fadas e inovam com outros personagens, que acabam sendo presentes e reais no dia a dia das crianças e hoje fazem parte diariamente do mundo infantil e também adulto.

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Afinal, quem é esta criança que faz parte da humanidade? Qual o lugar que ocupa? Qual é o real significado da infância? Que culturas esta infância constrói, busca? “[...] Falarmos em culturas da infância parece um tanto equivocado, pois se sabe que a própria palavra infância epistemologicamente designou alguém sem fala e, portanto, não construtor de cultura” (BRANCHER, 2011, p. 3).

O autor referenciado anteriormente menciona, no início de sua obra, justamente como esclarecimento desta questão:

Segundo o estudo etimológico da palavra infância, a partícula latina in significa não, usada como prefixo, e do latim fans, fantis, particípio presente de fãri, correspondente a falar, ter a faculdade da fala, forma-se o adjetivo latino infans, infantis, aquele que não fala, que tem pouca idade e que ainda é criança. Assim, também o adjetivo infantilis, que diz respeito à criança, infantil, e o substantivo infantia incapacidade de falar, dificuldade em se exprimir.

A infância e seu conceito são recentes. Sarmento e Cerisara (2004) destacam que a “ideia de infância é uma ideia moderna”, pois foi apenas a partir do século 20 que se iniciou outra concepção de criança, separando-a da visão de adulto em miniatura. Esta outra forma de perceber e conceber a infância como categoria social, representa o ponto de partida e o ponto de chegada da pedagogia e de organizações de instituições sociais dirigidas para as crianças.

Philippe Ariès (2006), no estudo sobre a história da infância que se tornou referência para quem se debruça sobre o tema, afirma que a infância foi uma invenção da modernidade, constituindo-se em uma categoria social construída recentemente na história da humanidade. Para ele, a noção de infância como um período particular da vida humana – que ele chamou de sentimento de infância – não foi um processo natural, mas o resultado de um longo processo histórico. Até o final da Idade Média a criança somente recebia uma atenção diferenciada até um desmame tardio, por volta dos sete anos de idade. A partir daí, quando podia dispensar os cuidados da mãe, ela participava da vida dos adultos em todas as suas manifestações: no trabalho, nas execuções, nas festas, nas guerras, etc. Sendo assim, participava também de todas as manifestações culturais comuns a todos: os cantos, os jogos, as narrações de histórias, etc. Mesmo, porém, participando de forma igualitária da vida dos adultos, a criança era excluída das decisões.

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A criança sempre existiu, mas constata-se que o sentimento de infância1 era ausente até o século 16, surgindo a partir dos séculos 17 e 18. De acordo com Ariès (2006), “era através do serviço que o mestre transmitia a uma criança não a seu filho, mas ao filho de outro homem, a bagagem de conhecimentos, a experiência prática e o valor humano que pudesse possuir” (p. 156).

A família não podia portanto, nessa época, alimentar um sentimento existencial profundo entre pais e filhos. Isso não significa que os pais não amassem seus filhos: eles se ocupavam de suas crianças menos por elas mesmas, pelo apego que lhes tinham, do que pela contribuição que essas crianças podiam trazer à obra comum, ao estabelecimento da família. A família era uma realidade moral e social, mais do que sentimental. No caso de famílias muito pobres, ela não correspondia a nada além da instalação material do casal no seio de um meio mais amplo, a aldeia, a fazenda, o pátio ou a “casa” dos amos e senhores, onde esses pobres passavam mais tempo do que em sua própria casa (às vezes nem ao menos tinham uma casa, eram vagabundos sem eira nem beira, verdadeiros mendigos). Nos meios mais ricos, a família se confundia com a prosperidade do patrimônio, a honra do nome. A família quase não existia sentimentalmente entre os pobres, e quando havia riqueza e ambição, o sentimento se inspirava no mesmo sentimento provocado pelas antigas relações de linhagem (ARIÈS, 2006, p.158).

Não existia um traje reservado à infância. Isto é, “a Idade Média vestia indiferentemente todas as classes de idade, preocupando-se apenas em manter visíveis através da roupa os degraus da hierarquia social” (ARIÈS, 2006, p. 32).

Com o passar do tempo, surgem diversas ONGs, legislações e outras instituições, procurando avançar na definição de criança, seus direitos e deveres. A infância como categoria social dá espaço para a criança ser criança e deixar de ser apenas uma etapa cronológica da vida do ser humano. Entre algumas conquistas, foi elaborado o documento Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, que caracteriza a criança como:

Sujeito histórico e de direitos que, nas intenções, relações e práticas cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona, e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura (BRASIL, 2010, p. 12).

1

Philippe Ariès, historiador francês, utiliza o termo sentimento de infância para referir-se à postura adotada para com as crianças, entendendo-as como sujeitos diferentes dos adultos. Essa postura desenvolveu-se, inicialmente, com relação às crianças das classes mais elevadas (século 16) e, posteriormente, estendeu-se às parcelas mais pobres da população.

(32)

Assim, a infância passou a ter diversas definições, primeiramente associadas a um adulto em miniatura, sem pensar em idade cronológica e etapas de desenvolvimento, igualmente sem a concepção de que uma criança teria a necessidade de vivenciar para aprender. Estas recebiam uma educação voltada aos interesses religiosos a fim de permanecer e perdurar o poder da igreja.

Durkheim (1978) buscou entrelaçar os fios da infância aos fios da escola com o objetivo de “moralizar” e disciplinar as crianças. A criança, além de questionadora, passa de uma impressão para outra, de um sentimento para outro, de uma ocupação para outra, com a mais extraordinária rapidez.

Quinteiro (2002), em uma de suas pesquisas, nos traz essa problematização sobre conhecer a cultura infantil e dar a ela voz na participação social em que está inserida.

Não é uma miniatura do cosmos adultos; bem ao contrário, um ser humano de pouca idade que constrói seu próprio universo, capaz de incluir lances de pureza e ingenuidade, sem eliminar, todavia, a agressividade, resistência, perversidade, humor, vontade de domínio e de mando (BENJAMIN, 1984, p. 11).

A criança é um sujeito social com visão, sabe perguntar, argumentar e ter suas próprias criações, ideias e intervenções; tem a infância em sua continuidade, em seu devir a ser. Kohan (2004, p. 53) define a criança em outro tempo, desfragmentado da idade em números, mas na concepção de uma relação com o passado, presente e futuro, uma linha contínua de desenvolvimento:

Ela é uma etapa da vida, a primeira, o começo, que adquire sentido em função de sua projeção no tempo: o ser humano está pensado como um ser em desenvolvimento, numa relação de continuidade entre passado, presente e o futuro. A intervenção educacional tem um papel preponderante nessa linha contínua.

Retomo as palavras de Kohan (2004) quando se refere à intervenção educacional e seu papel preponderante na linha contínua do desenvolvimento da criança, e ressalta que a infância é, sobretudo, possibilidade e potencialidade: elas

serão o que devem ser.

Olhar e perceber a criança na sua potência é libertá-la, é deixá-la crescer o quanto puder, é possibilitar que ela viva sua infância ao seu tempo, não tendo um tempo restrito e fixado, mas diferenciado para cada uma em especial, do seu jeito e modo de ser. A educação pode ser o caminho para o respeito de cada sujeito nas suas diferenças:

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Assim a educação terá a marca de uma normativa estética, ética e política instaurada pelos legisladores, para o bem dos que atualmente habitam a infância, para assegurar seu futuro, para fazê-los partícipes de um mundo mais belo, melhor. A infância é o material dos sonhos políticos a realizar. A educação é o instrumento para realizar tais sonhos (KOHAN, 2004, p. 53). Mesmo resgatando o sentido da criança/infância, não temos como fugir do tempo que nos cerca e perpassa pelos nossos dias. Tempo este que retomo no espaço em que Kohan (2004) quantifica a capacidade de percepção e evolução de uma criança. Ele destaca os lugares da infância, assim como nos faz refletir sobre o seu tempo:

Com relação à infância, o fragmento também sugere que o próprio da criança não é ser apenas uma etapa, uma fase numerável ou quantificável da vida humana, mas um reinado marcado por outra relação-intensiva – com o movimento. No reino infantil que é o tempo não há sucessão nem consecutividade, mas a intensidade da duração. Uma força infantil sugere Heráclito, que é o tempo aiónico (KOHAN, 2004, p. 55).

Esse tempo aion não é definido em uma medida, não é uma temporalidade em números, mas em intensidade; esta que permita à criança viver sua infância, fazendo seu tempo criançando. Esse tempo da criança não apenas foi ou é, mas é o

devir criança que será. A educação e seu sistema político precisam interligar e

respeitar esses tempos, tanto da história que nos constituiu em um tempo e espaço quanto o que podemos ser. Não significa mudar o foco do conceito de criança que é hoje, mas a que virá a ser (potências) pode ser a ressignificação de nossas práticas pedagógicas na educação infantil: a criança em seu tempo, um novo tempo de compreendê-la. As palavras de Kohan (2004) e de Quinteiro (2002) complementam-se quando um ressalta a importância de dar voz à criança e valorizar sua cultura infantil, e outro quando traz a criança como potência, em seu conceito de devir.

Kohan (2004), ao ressaltar o devir, desestrutura-nos diante das atuais concepções de perceber a criança. Preparamos planos e currículos a partir do que pensamos que conhecemos das infâncias, mas ainda necessitamos avançar nas formas de vê-las como possibilidades de atores na instituição escolar. A criança está em desenvolvimento, não há como ter uma definição prévia, e sim uma probabilidade de vir a ser, de se desenvolver. O que poderá vir a ser essa criança? Com um tempo que não é fixado, a criança e o professor descobrirão durante a relação escolar que: “O que está em jogo não é o que deve ser (o tempo, a infância, a educação e a política), mas o que pode ser (poder ser como potência, possibilidade real) o que é” (KOHAN, 2004, p. 63).

(34)

Não há certezas e itinerários de como fazer para respeitar todas as crianças, mas há formas e propostas de pensar sobre a criança e sua infância. Com que concepção a escola trabalha hoje? Com a criança que é ou com a criança que pode vir a ser? A infância para a criança é o tempo de brincar, aprender, de ser feliz.

A educação da infância é e será complexa, pois tratamos de seres em formação inicial, desconhecidos deste mundo do adulto, mundo repleto de regras, normas, vícios e crenças (...). Podemos ser reprodutores de cidadãos. Podemos ser mediadores da formação de cidadãos. Urge, sim, problematizar essa etapa da vida; a infância merece respeito; a criança tem direito a viver sua infância.

Por sua vez, Andrade (2002, p. 3) opina:

[...] Precisamos encarar a criança como um ser que possui uma história de vida. História esta que precisa ser narrada a um interlocutor disposto a ouvi-la e, se formos atentos e bons ouvintes, esta história é tão beouvi-la quanto qualquer outra história adulta.

Partimos, então, da criança que tem muitas histórias, uma infância com brinquedos e brincadeiras, além de vários compromissos, afazeres, atividades que já estão em sua rotina diária, horários a serem cumpridos, regras a serem obedecidas, e, apesar da pouca idade, já estão atarefadas e com o tempo como grande administrador de suas ações.

Acreditamos que a literatura, movida pelos diversos meios de estar presente no mundo desta criança, pode contribuir com o “ser criança”.

1.2 Brincar Como e Com Criança

“Brincadeira de criança como é bom, como é bom! Guardo ainda na lembrança...” (MOLEJO, 2001).

Faço um rápido retorno à minha infância e, sem perder o fôlego reflexivo, trago um trava-língua que faz parte do folclore e que esteve presente no meu tempo de infância, e continua perpassando pelos dias atuais em várias rodas de brincadeiras, nas quais as crianças desafiam e são desafiadas a falar rapidamente sem esquecer palavras ou enrolar a língua.

“O tempo perguntou ao tempo quanto tempo o tempo tem, o tempo respondeu ao tempo que o tempo tem tanto tempo quanto tempo, tempo tem”.

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Juntamente a estas atividades, que nos fazem correr atrás de um tempo e não sabemos onde iremos chegar, temos um “professor” que um dia foi criança e que brincou com o tempo, com ampulhetas, relógios desenhados nos braços com caneta colorida, que lia e recitava Vinícius de Moraes:

Passa tempo, tic-tac Tic-tac, passa, hora Chega logo tic-tac Tic-tac, e vai-te embora Passa, tempo

Bem depressa Não atrasa

Não demora [...] (MORAES, 1970).

Resgatando este ser/professora que foi criança um dia, que brincava com o tempo, fazia “o tempo” e hoje corre em busca deste tempo, penso ser este um dos caminhos que nós, educadores, devemos seguir, partindo de um contexto social que tanto nos deixa intrigados e sem alicerce. Quando achamos que estamos sabendo determinada questão, que aprendemos a lidar com os recursos tecnológicos, por exemplo, logo surgem novidades no mercado e lá estamos nós novamente à mercê do “mundo globalizado”. Temos de sair em busca de mais conhecimentos, os quais nos fazem correr juntamente com este mundo que nos deixa sem chão. Ficamos perplexos, não sabendo como lidar com as tecnologias que surgem diariamente.

Nessa corrida desenfreada, o que fazermos para a educação conviver com as mídias, com a tecnologia, para que, ao lado da educação, tenhamos a figura presente do professor, em movimento, tentando acompanhar as mudanças diárias que surgem por intermédio da tecnologia?

Este professor tem, como aliado, o livro, que busca, instiga, mostra caminhos, tira e também coloca dúvidas. No livro há histórias que procuram encantar, fazer com que os olhos brilhem, os telespectadores vibrem, histórias estas que os fazem acreditar que muita coisa ainda vale a pena. Ao terminarmos uma história podemos fechar o livro e afirmar, mais uma vez, que compensou o fato de tê-lo aberto e adentrado nele. Lembra-se que, se este livro é de literatura infantil, visa a provocar, aguçar a imaginação, a criatividade.

Para referenciar as palavras anteriores, recorro ao escritor Elias José, com o poema Caixa Mágica de Surpresa, que nos faz viajar ao mundo da imaginação ao adentrarmos em um livro...

(36)

Um livro é uma beleza, é caixa mágica só de surpresa. Um livro parece mudo, Mas nele a gente descobre tudo. Um livro tem asas longas e leves que, de repente, levam a gente longe, longe Um livro é parque de diversões cheio de sonhos coloridos, cheio de doces sortidos, cheio de luzes e balões. Um livro é uma floresta com folhas e flores e bichos e cores. É mesmo uma festa, um baú de feiticeiro, um navio pirata do mar, um foguete perdido no ar,

É amigo e companheiro (JOSE, 2010).

Este livro vem enaltecer questões que, muitas vezes, passam despercebidas, que adultos não se dão conta, mas acabam sendo reveladas para as crianças nas histórias. O porquê do querer escutar várias vezes determinada história: Por gostar? Por identificação? Podemos inseri-la a determinados conteúdos específicos de forma lúdica, prazerosa, abstraindo um mundo mágico, no qual a fantasia acaba virando o real e o conhecimento surge de forma prazerosa e inesperada.

Afinal, o que quer dizer a palavra prazerosa, tão mencionada na literatura infantil? Ao procurar no dicionário Aurélio (2008, p.393) a palavra prazerosa, vemos que seu significado é “alegre, jovial, que provoca prazer”. Prazer é descrito como “sentimento ou sensação agradável, júbilo, contentamento, alegria, divertimento, agrado”. É esta a leitura que levo para dentro da sala de aula para ajudar na construção de sujeitos, constituindo-se enquanto seres pensantes; construção que se dá de forma criativa, gostosa, quando os alunos encontram o sabor e o saber para novos conhecimentos, desencadeando o desejo de aprender, experimentar, fazer atividades diferentes, com muita criatividade, satisfação e prazer.

Referências

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