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CAPÍTULO 2 – NOS TEMPOS DA FÁBRICA CARMEN

3.1 Nos labirintos da memória: cenas febris

3.1.1 Do Colégio São José às escolas da vida: aprendizagens

Logo cedo pela manhã e a caminho do colégio, crianças, filhos e filhas de operários percorriam as ruas de Fernão Velho. Algumas mal passavam da altura da cintura de um adulto e, apesar da tranquilidade nas ruas, muitas vezes iam acompanhados por alguém mais velho. Como pequeninos, iam com sono, outros tagarelando, e às vezes até chorando, querendo ficar em casa. Andavam de mãos dadas com seu acompanhante, ou não, quando tinha mais autonomia. Já outros, com idade que se aproximava do início da adolescência, juntavam-se em uma turminha fazendo aquela algazarra. Alguns passavam pela Praça São José com seu coreto e jardim de flores vistosas.

Destinavam-se todos ao Colégio São José, que fora construído pela Fábrica ainda nos tempos dos Machados (1891-1938) e nos tempos dos Othon (1943-1996) continuou funcionando. Eram ofertadas a alfabetização e as séries iniciais do ensino primário.

Para lá, os operários, outrora estudantes, relatam que caminhavam levando seu material escolar composto por livro, caderno e lápis. Alguns carregavam um lanche preparado pelos pais, mas nem sempre.

Todos vestiam o fardamento da escola. Isso era regra. A Fábrica preocupava-se em identificar as alunas e alunos. “Na escola era 100 por cento vestido e com farda completa e composta”, afirmou Antônio Cardoso. Para todas as crianças era entregue o fardamento que deveria ser usado, geralmente feito de tecido branco, mas também usavam calça e saia azul. A padronização facilitava a fiscalização da higiene e permitia distinguir meninos e meninas. Mas ao mesmo tempo, igualava-os na condição de acesso um direito social: a educação.

Os meninos, nas memórias de Antônio Cardoso, usavam “calça curta e tamanco para ir para a escola e igreja. [...] O tamanco era muito duro. E durava. Muitas das vezes, eu tinha um cinto velho e cortava as tiras para aproveitar o tamanco”. Já as meninas, lembrava que “era uma percatinha baixa, a saia bem comprida, a blusa bem bonita e penteada”. Um fardamento que, embora identificasse os alunos, não oferecia conforto. Sobretudo para os meninos. Segundo Zequinha Moura, o tamanco era “duro, de pneu, para não se gastar”. O tipo de material usado na confecção do fardamento não era desprovido de uma preocupação empresarial com os custos. O duro para não gastar, permitia um uso duradouro, e mesmo quando apresentava sinais de desgaste, era reaproveitado, prolongando sua vida útil.

O colégio parecia ser modesto, com poucas salas de aula, porém suficiente. Era de esquina, bem próximo da igreja e da praça central de Fernão Velho. Possuía janelas grandes que ajudava na iluminação e arejamento. Os professores geralmente eram mulheres, havendo homens em menor número. Contavam ainda com o padre Cabral, que era o diretor. As irmãs do padre também foram professoras, lembrou Antônio Cardoso.

Logo ao chegar ao colégio, a criançada toda se concentrava em frente à escadaria de acesso, sem poder ainda entrar.

Fotografia 13 – Colégio São José em Fernão Velho

Fonte: MARROQUIM, 1922. Acervo da Biblioteca do Instituto Histórico Geográfico de Alagoas.

Aguardavam do lado de fora o horário para o cumprimento das obrigações cívicas como parte do aprendizado. Meninos e meninas ficavam em pé organizados em fileiras, e com as professoras e professores de sua turma e demais presentes, cantavam o Hino Nacional, o da Bandeira e, por vezes, o de Alagoas. Formavam um coro com as vozes infantes misturadas às vozes dos adultos educadores na realização daquele ato pedagógico. Quem passava pela rua em frente presenciava tal ato, e, de repente, até poderia juntar-se, ou mesmo relembrar seu tempo de escola. Na entrevista, Zequinha Moura relatou que todos, adultos e crianças, sabiam os hinos, e lamentou que hoje essa prática não é mais tão comum nas escolas.

Depois, poderiam seguir para a respectiva sala de aula. Segundo relato de Antônio Cardoso: “A aula começava às 8 horas até a 1 da tarde.” As lições abordavam conteúdo de humanidades, ciências e língua pátria. As crianças aprendiam Geografia, História, Matemática e Português. As meninas, segundo relatou a entrevistada Dona Emília, também aprendiam bordado, crochê, e ponto de cruz. Tais saberes eram opcionais aos meninos, embora importante. Ajudava a desenvolver habilidades manuais que posteriormente poderiam ser úteis aos futuros operários, em especial às mulheres. Dona Emília logo que começou a trabalhar ainda quando era menor de idade, foi transferida para a seção de urdideira, onde exerceu habilidades aprendidas quando criança na escola.

A educação física também era praticada no colégio. Veríssimo Ferreira relatou que havia um campo por trás do Colégio, onde hoje existem algumas casas.214 O professor era Franz Gaspar, oriundo da antiga Tchecoslováquia. Ele morava em Fernão Velho em uma casa na Praça São José. No campo, Veríssimo Ferreira praticou salto em altura, chegando até a se sagrar campeão em uma competição local.

Além das habilidades manuais e físicas, a didática utilizada no ensino de conhecimentos propedêuticos estimulava a memorização, o raciocínio lógico e a perspicácia na mobilização dos saberes. Era uma prática que Zequinha Moura, ao ser entrevistado, destacara como “argumentos”, envolvendo, sobretudo, o ensino da Matemática e do Português. “Não gostava! Era assim: três vezes oito? Se não sabia, dava a palmatória. Era o ‘argumento’.” Exercícios com tabuada e ditado eram frequentes. Os alunos e as alunas, ao serem inquiridos, deveriam responder prontamente e de forma correta. Do contrário, a sanção pedagógica viria em forma de castigos, sobretudo em momentos em que havia bagunça que

214 FERREIRA, 1997. Embora Veríssimo Ferreira não especifique o período em que esse campo tenha sido

usado, analisando as fotografias de Fernão Velho, tudo indica que tenho sido nos tempos da Companhia União Mercantil. Todas as fotografias a que tive acesso não evidenciam esse campo. Muito embora, nos diversos relatos dos trabalhadores, são contadas histórias de jogos de futebol e basquete, ambos em espaços construídos pela própria Fábrica para práticas desportivas.

poderia atrapalhar a aula ou mesmo danificar o que a fábrica disponibilizava para a educação. “Tinha uma professora que tirava o tamanco e batia. Pá, pá, pá... Levanta os pés! E falava para levantar os pés. A preocupação não era com acabar com os tamancos, mas com o piso”, lembrou Antônio Cardoso. Ao levantarem os pés, os estudantes tornavam-se momentaneamente imóveis em seu lugar, evitando deslocar-se na sala de aula, mantendo-se em sua cadeira perfilada para maior controle e circulação dos educadores entre os educandos.

Visava-se à eficiência do aprendizado e disciplina no comportamento, assim como seria exigido na produção fabril.

Segundo o entrevistado Zequinha Moura, embora fosse ofertado a alfabetização, o colégio e os educadores tinham limites na disponibilidade de recursos pedagógicos: “A leitura... dava um livro naquele ano e no outro você ia recordar o livro. Passava dois anos com o mesmo livro.” Por outro lado, esses impactos eram minimizados tentando despertar nos alunos a curiosidade e vontade em aprender, superando suas dificuldades na escola com jogos e brincadeiras que se tornavam também parte do cotidiano fora desse cenário instrucional. Sobre essas práticas, Zequinha Moura complementou:

Minha vida fora do colégio era estudar vocabulário. Eu gostava de charada, de impugna, de palavras cruzadas, essas coisas... Eu gostava muito. Quando saía do colégio, sentava com uma turma e ia para o impugna. Uma palavra e outra, a turma gostava! A charada então... As brincadeiras eram essas.

Pressupunha-se que a educação em Fernão Velho não deveria apenas formar sujeitos dotados de conhecimentos propedêuticos. Nas memórias de Veríssimo Ferreira, a irmã Maria José, uma freira, ensinava com seriedade e entusiasmo, tentando despertar nas crianças sentimentos de civismo e amor ao próximo. Porém, “esse amor ao próximo” reforçava o caráter de coletividade entre os operários e as obrigações que deveriam cumprir desde cedo, quando criança. Seja com as obrigações escolares, seja na igreja, entre outras, e posteriormente como operários, a educação propiciava uma formação moral extremamente disciplinadora. Qualquer comportamento considerado desviante, desde a infância, era reforçado por uma moral cristã que enaltecia a culpa passível de sanção.

A presença do padre e outros religiosos no colégio reforça esse aspecto da educação operária, tornando plausível a prática do ensino religioso entre as crianças, provavelmente

com conteúdos que adentravam as aulas e/ou a rotina dessas crianças.215 Era uma importante estratégia para difusão de uma ética capitalista que determinava o lugar social dos operários, ou seja, o do trabalho e da produção. Além disso, permitia que a docilização moral e dos comportamentos dos infantes fosse ampliada pela catequese, visando também um encaminhamento na fé católica. A própria instituição escolar era nomeada com o nome de um santo católico, São José, também conhecido como santo dos operários. Além desse aspecto subjetivo, a própria igreja localizava-se bem próxima do colégio, ao fundo da rua cruzando a Praça São José216. As ações pedagógicas do padre Cabral com as crianças quase se confundiam nesses dois cenários. Fomentava-se uma simbiose de ensinamentos que deveriam ser levados para a vida e o bem viver como operário.

Alguns alunos, em sua rotina, permaneciam sob a tutela educacional, moral e religiosa do padre Cabral. Veríssimo Ferreira, quando criança, foi coroinha. Alternava suas atividades escolares e familiares com a igreja.

Além dessa atuação, foi membro do grupo de escoteiros mantido pela Fábrica. Esse grupo foi criado em 1939 quando os Leões ainda a administrava. Com os Othons, continuou funcionando. Veríssimo Ferreira foi Guia de Tropa. Ajudava as pessoas prestando serviços diversos àquela população fabril. O grupo chegou a ter um efetivo de 50 escoteiros. “Ao ingressar no escotismo, o escoteiro era obrigado a fazer a seguinte promessa: ‘Prometo pela minha honra, cumprir os meus deveres para com Deus e minha Pátria, ajudar o próximo em toda e qualquer ocasião e obedecer a lei do escoteiro’.”217

Como escoteiro e coroinha, Veríssimo Ferreira construía como representação e exemplo de bom comportamento, sujeito de boas ações, de uma “ovelha” fiel à sua fé e seguidor do pastoreio do padre, capaz de se afastar de “certas ideologias”, passíveis de criminalização e perseguição política.

215 Com prática semelhante em um território fabril em Alagoas, podemos citar o bairro do Bom Parto, onde se

localizava a Fábrica Alexandria. Nesse bairro havia o Grupo Escolar Cincinato Pinto, mantido pela prefeitura da cidade. Nessa instituição, era prática comum a realização de aulas de catequismo. BRITO, Leide Daiane de Melo. Revisitando a memória escolar de Alagoas dos anos 30 e 40 do século XX. In: EPAL, 2010, Maceió. Anais... Maceió, 2010. Disponível em: <http://dmd2.webfactional.com/media/anais/

REVISITANDO-A-MEMORIA-ESCOLAR-DE-ALAGOAS-DOS-ANOS-30-E-40-DO-SECULO-XX.pdf>. Acesso em: 26 maio 2015.

216 Sobre essa localização, ver fotografia nº 11. 217 FERREIRA, 1997, p. 12.

Tratava-se do comunismo interpretado como subversivo pelos patrões e por membros da igreja católica.218 Em Fernão Velho, o padre Cabral, que atuou da década de 1940 até final dos anos 1950, até advertia, repudiando aqueles que, de algum modo, seja por folia, seja por consciência política, frequentavam tais atos. Nas memórias de Dona Emília, sua irmã, quando garota, por vezes frequentou alguns comícios comunistas e até mesmo conheceu alguns que andaram professando essa ideologia por Fernão Velho, e o padre Cabral indagava negativamente: “Você estava com os comunistas?!?!”. Conforme a operária, o pároco não gostava dos comunistas, não se dava com eles. Sua política era a Igreja. “Ele tomava conta da igreja e das suas ovelhas!”

Veríssimo Ferreira parece ter sido uma dessas “ovelhas”. Sua formação na infância e juventude, por meio da escola, da igreja e do grupo de escoteiros, repercutiu na sua imagem como operário e posição que ocupou na Fábrica. Foi considerado um operário exemplar pelos patrões, mesmo que se envolvesse com questões políticas. Foi eleito para órgãos de representação de classe representando os trabalhadores, além de ser produzido na memória de vários operários como um personagem de imagem e conduta exemplar, atuando de forma pacífica e ordeira, pondo-se disponível ao diálogo. Julgava-se livre de ideologias. Soube aproveitar-se dessa imagem para ascender na fábrica, o que lhe rendeu uma vaga no escritório.

Na década de 1950, os Othon construíram uma nova escola. Nomearam-na Maria Amália em homenagem à esposa do velho Othon Lynch Bezerra de Mello. Localiza-se na Vila ABC, que também foi construída nesse mesmo período quando se ampliava o número de casas para o crescente operariado absorvido pela Fábrica Carmen. A creche, que antes funcionava onde hoje há o prédio do escritório na própria Fábrica, foi transferida para outro local, mas continuou sendo ofertada. Na Escola São José, as crianças permaneciam, no máximo, até a idade de 14 anos, ou pouco antes, quando geralmente concluíam o primário. Em Fernão Velho, a Fábrica não ofertava os ensinos ginasial e colegial, segundo e terceiro ciclos de formação educacional respectivamente.219

218 Sobre produção social do medo do comunismo na experiência política e autoritária brasileira durante o

Período Democrático (1945-1964), são relevantes os estudos dos historiadores: PORFÍRIO, Pablo. Medo,

comunismo e revolução: Pernambuco, 1959-1964. Recife: EdUFPE, 2009. RODEGUERO, Carla Simone. O diabo é vermelho: imaginário anticomunista e Igreja Católica no Rio Grande do Sul, 1945-1964. Passo

Fundo, RJ: Editora Universitária UPF, 2003. CAVALCANTI, Erinaldo Vicente. Relatos do medo: a ameaça comunista em Pernambuco, Garanhuns 1958/1964. Recife: Ed. da UFPE, 2010. Alguns efeitos dessa produção social do medo do comunismo em Fernão Velho serão explorados no capítulo seguinte.

219 Na legislação educacional brasileira do fim do século XX, o ensino ginasial correspondia aos quatro últimos

A ausência da oferta desses ciclos não era um problema apenas naquela vila operária. Era uma situação comum em Maceió, dada a escassez de instituições educacionais e professores para as séries mais avançadas nos idos da década de 1940 e de 1950. Tratava-se de uma educação consideravelmente restritiva, oferecendo escolas isoladas à população, um total de cinco grupos escolares, além do Liceu Alagoano e a Escola Normal,220 todas mantidas pelo governo estadual.

Além dessas, havia o Liceu Industrial de Alagoas, antiga Escola de Aprendizes e Artífices, que integrava a rede nacional de ensino profissionalizante criada pelo presidente Nilo Peçanha em 1909.221 Seu funcionamento iniciou no bairro do Centro em Maceió em 1910.222 Nessa instituição era ofertado gratuitamente o ensino de ofícios como sapataria, marcenaria, funilaria, carpintaria, ferraria e serralharia. Os estudantes matriculados, na maior parte, eram pobres, negros e mestiços.223 A instituição educacional tinha como função social o preparo intelectual e técnico dos desafortunados, de modo a “fazê-los adquirir hábitos de trabalho profícuo, que os afastaria da ociosidade, escola do vício e do crime”.224 Premissa

que, de certa forma, também pode ser percebida em escolas mantidas por industriais em suas vilas operárias, ocupando os menores com a instrução e galgando adultos com hábitos do trabalho. Posteriormente, esse tipo de ensino profissionalizante criado no governo Nilo Peçanha foi ressignificado nos governos Vargas (1930-1945; 1951-1955), de modo que a educação profissionalizante deveria contribuir para o desenvolvimento industrial brasileiro, fomentando a especialização técnica de trabalhadores urbanos que pudessem ser absorvidos pelas fábricas.225 É nesse cenário que a então Escola de Aprendizes e Artífices tornou-se Liceu Industrial de Alagoas. Embora esse tipo de ensino pudesse, em grande medida, alinhar- se aos interesses dos industriais, no caso de Fernão Velho, não se identificou nenhum operário que, entre as décadas de 1940 e 1960, tivesse estudado na unidade dessa rede em Maceió.

220 VERÇOSA, Élcio de Gusmão. Cultura e educação nas Alagoas: história, histórias. 3. ed. Maceió: Governo

do Estado de Alagoas, 2001.

221 BRASIL. Decreto-Lei n.º 7.566, de 23 de setembro de 1909. Créa nas capitaes dos Estados das Escolas de

Aprendizes Artífices, para o ensino profissional primario e gratuito. Diário Oficial [da] República

Federativa do Brasil, Poder Executivo, Rio de Janeiro, RJ, 26 set. 1909, Seção 1, p. 6.975 Disponível em <

http://portal.mec.gov.br/setec/arquivos/pdf3/decreto_7566_1909.pdf>. Acesso em: 26 maio 2015.

222 ESCOLA TÉCNICA FEDERAL DE ALAGOAS. 75 anos de ensino profissionalizante. Maceió: ETFAL,

1984. Mimeografado.

223 BONAN, Irene. Ensino profissionalizante: um capítulo dessa história nem sempre bem sucedida em Alagoas.

In: VERÇOSA, Élcio de Gusmão (Org.). Caminhos da educação em Alagoas: da colônia aos tempos atuais. Maceió: Catavento, 2001.

224 BRASIL, 1909.

225 BRASIL. Lei n.º 378, de 13 de janeiro de 1937. Dá nova organização ao Ministério da Educação e Saúde

Pública. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Rio de Janeiro, RJ, 15 jan. 1937, Seção 1, p. 1.210. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/uploads/legislacao/

As demais escolas com turmas dos segundo e terceiro ciclo de ensino possuíam um ingresso bem concorrido em virtude das poucas vagas que ofertavam. Localizadas em bairros como o Centro e Farol, restringia o acesso para alunos que morassem mais distante. Sobretudo quando atendiam alunos que já se encontravam em idade para o trabalho, fator que dificultava sua assiduidade na frequência escolar.

O ensino voltado à formação de trabalhadores para a indústria não ocorria unicamente no Liceu Industrial de Alagoas, cujo modelo de ensino era mais lento na formação do trabalhador. Ao contrário do que ocorria no Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), cujo resultado na formação técnica dos operários parecia ser mais imediata. Nesse sentido, relatou o entrevistado Antônio Cardoso:

Fui para a seção de encarregado de manutenção. Foi no começo. Só que nesse período que trabalhei na empresa, tive o interesse. A empresa dava curso, o Senai, aí a empresa me dava tudo isso e aproveitava. Foi tanto que aproveitei que fui bom. Cheguei na Escola Técnica do Recife... Não era o mandante, mas era o encarregado de seis, era o primeiro lugar. Fui lá e era bem tratado na Escola Técnica do Recife. No Senai era do mesmo jeito. E aqui no Senai cheguei a administrar doze homens. Tinha o professor Wilton e ele dizia que parece que sei mais que ele. Guarde a oficina e o que você pedir para ele fazer, ele faz. Fui um cara preparado na minha estrutura no que pude. E nunca cortei olho.

Antônio Cardoso soube articular seus interesses com os da Fábrica. Nessa situação, jogou no terreno de captura, mostrando-se disponível para ocupar e realizar o que interessava para a produção. Aproveitou as oportunidades que lhe foram oferecidas, cursos na Escola Técnica do Recife e no Senai. Demonstrou interesse e aperfeiçoamento, tornando-se o primeiro da turma e ajudando o professor a comandar outros alunos. Criou brechas no regime disciplinar da fábrica, o que lhe rendeu confiança entre os patrões, possibilitando ascensão na Fábrica. Tornou-se encarregado em diversas seções.

Zequinha Moura foi outro personagem entrevistado que soube aproveitar-se das oportunidades que lhe surgiram. Já com 14 anos de idade, finalizou seu primeiro ciclo escolar no Colégio São José, porém não cessou sua formação, buscou formas alternativas de acesso ao conhecimento, inclusive nos momentos de diversão.

O entretenimento com recursos tecnológicos e de comunicação em massa, com televisão e rádio eram limitados. Nas residências das famílias operárias não era comum a existência desses equipamentos nos idos dos anos 1950. Porém, outras formas de distração e diversão dos operários eram praticadas, usando folhetos de histórias que remetiam à tradição oral, a exemplo da literatura de cordel que chegava a Fernão Velho nos dias de feira realizada

em área próxima à praia lagunar. Esse tipo de literatura abordava temas do cotidiano, histórias diversas que oscilavam entre lendas, causos políticos, pelejas de heróis e anti-heróis, contos que lembravam cenários rurais, entre tantas outras. Tudo em uma linguagem fácil e acessível