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A profilaxia dos desejos, a constituição das famílias operárias e a questão da

CAPÍTULO 2 – NOS TEMPOS DA FÁBRICA CARMEN

3.1 Nos labirintos da memória: cenas febris

3.1.2 A profilaxia dos desejos, a constituição das famílias operárias e a questão da

Em Fernão Velho, a constituição de famílias operárias também era submetida aos cálculos de poder, capaz de sujeitá-las a um regime de controle de corpos e comportamentos por parte dos patrões, os quais levavam em consideração princípios de moralidade e ideal de um modelo nuclear e patriarcal de família. O corpo, portanto, não era reconhecido nessa dimensão de poder como singularidade biológica, mas como corpo múltiplo, espaço ambíguo que se convertia em população. Gerir a população implicaria o controle demográfico, muitas vezes com práticas sutis, ou mesmo abertas, todos presentes no cotidiano desse território fabril desde os tempos da Companhia União Mercantil.

Os Machado preservaram algumas coisas típicas para seus operários e dependentes naqueles tempos... Uma bica que se chamava ‘Paciência’. Naquela bica só tomava banho quem fosse do sexo feminino. Uma outra bica tinha o nome de ‘Rebojo’. Do mesmo modo, alí só tomava banho quem fosse do sexo masculino. Havia ainda o melhor, que era o ‘Rio Sangrador’. Naquele rio, mulher... nem ver. Tinha que ficar distante, bem distante. Por que era exclusivamente para homens. Todos aqueles banhos ficavam por trás da Fábrica.230

A separação de corpos por sexos como preocupação na gestão dos Machados (1891- 1938) também ocorria nos serviços escolares ofertados aos filhos dos operários. A própria Fábrica nos tempos de Companhia União Mercantil declarou, em seu relatório publicado no

Diário Official do Estado em 1928, a existência de duas escolas. Uma para cada sexo.

Buscava-se evitar a mistura entre moças e rapazes, meninos e meninas no ambiente destinado à formação educacional e moral. Situação que lembra o que o filósofo Michel Foucault designava como biopoder, ou seja: “um conjunto de processos como a proporção dos nascimentos e dos óbitos, a taxa de reprodução, a fecundidade de uma população, etc.”231 Estes se consubstanciam com a gestão da fábrica na medida em que a sexualidade, natalidade, mortalidade, doenças, reprodução, entre outros aspectos que se referem à vida e à morte podem interferir na produção. O que a torna objeto de saber, como algo passível de controle da biopolítica, lançando mão de estudos estatísticos, econômicos e políticos sobre a população, sobre a demografia, a saúde, educação, entre outros.

Durante os tempos da Fábrica Carmen, essa prática escolar de separação dos estudantes por sexo não são evidenciadas nos relatos de memória dos operários, muito embora seja plausível reconhecer que essa pedagogia produziu práticas endossadas entre os operários e a própria gestão dos Othon no período da década de 1940 a 1960, a exemplo dos banhos nas bicas d’água.

Trata-se da atualização de estratégias capazes de produzirem efeitos disciplinares no controle da população. Uma pedagogia moral e dos corpos, cuja força era exercida além da biopolítica ensejada pela Fábrica cuja força residia na sujeição dos operários, em suas práticas culturais e sentimentos de respeito. Também deixava brechas para a apropriação dos operários e operárias na forma de se constituírem e gerirem sua vida e família.

Zequinha Moura, então com 26 anos de idade, tinha organizado uma escola de samba que cresceu e começou a ficar conhecida. Recebia convites para se apresentar fora de Fernão Velho, em municípios próximos de Maceió. Deslocava-se de trem, ou mesmo de ônibus para tocar durante festejos, como o carnaval. Nesse período do ano, a sonoridade das músicas tocadas é propícia ao balancê dos corpos, cujas formas e ritmos são capazes de provocar os desejos contidos pela formação cristã. Quando a escola de samba voltava do município de Murici após se apresentarem no início dos anos 1960, a preocupação de Zequinha Moura representava o efeito de sua formação moral desde os tempos do Colégio São José, conforme expôs na entrevista. “Quando cheguei aqui, coloquei cada um em sua casa, as mocinhas eu

entregava aos pais logo, Até isso existia naquela época... tinha de entregar uma por uma em sua casa.”

Tal ato, para além dos cuidados e respeito com as mocinhas, expressava uma preocupação da fábrica e da Igreja com a profilaxia dos desejos, do controle dos corpos no intuito de evitar a promiscuidade, contribuindo para o cálculo da natalidade. O descuido com a sexualidade poderia implicar uma gravidez inesperada e a constituição de uma nova família sem nenhum planejamento. Para os industriais e os pais dos jovens operários, era uma preocupação relevante diante dos transtornos que uma gravidez sem planejamento poderia causar. O morar era limitado pela disponibilidade de casas e a quantidade de cômodos que estas possuíam.

Em outras situações, uma nova família poderia ser constituída mantendo-se na casa onde um operário ou operária, então na ativa na Fábrica, já vivia no casamento anterior. Seu Idelbrando, operário aposentado, ficou viúvo quando ainda era moço. Afirmou ter casado novamente com outra mulher, filha de operário. Não havia restrição para essa situação, uma vez que não implicava prejuízo para os patrões.232

Era comum um novo casal, independentemente das circunstâncias da união matrimonial, continuar vinculado à casa de seus pais, habitando todos juntos a mesma residência. Tal fato poderia gerar transtornos para os demais membros, irmãos, irmãs, avós. As habitações eram pequenas e, de certa forma, desconfortáveis para uma família numerosa, o que precarizava a condição de moradia.

Nesse sentido, a felicidade carnal-amorosa dos jovens viventes, que em grande medida expressariam as sensações de seus corpos como singularidade biológica e psíquica, tornavam- se também objeto de disciplina moral também pelos próprios pais e família. O que coadunava com a sujeição aos valores familiares preconizados pela Igreja e sua educação religiosa, mas, sobretudo, pela própria gestão dos Othon no exercício de seu biopoder. Trata-se de mecanismo regulador da fecundidade e procriação, que implicaria também o cuidado com a “higiene das famílias; os cuidados dispensados às crianças; a escolaridade”, entre outras que induzem comportamentos vinculados ao habitat desse território fabril.233

Por outro lado, toda disciplina ou todo mecanismo regulador deixa suas brechas. Os jovens operários não se furtavam de suas experiências amorosas e prazeres do corpo. Taticamente as transformavam em romance cujas lembranças do passado são relatadas de

232 Informação prestada por Idelbrando em entrevista para esta pesquisa, realizada em Maceió, Alagoas, em 18

de janeiro de 2014.

forma idealizada e, ao mesmo tempo, permitem lições para o presente. O entrevistado Zequinha Moura relembrou:

Tinha muito namoro. Hoje, acho essas músicas, à minha maneira, é poluição sonora. Não tem poesia. É só pei, pei, pei... Não gosto mesmo! Tem música bonita hoje, com sentimento, poesia, história bonita. Naquela época você namorava com amor. Existia muita música bonita.

Ao contrário do “pei, pei, pei” que dita o ritmo de muitas músicas consideradas ensejadoras da poluição sonora e cujas letras podem sugerir a promiscuidade e degenerescência, tentava-se, àquela época, atribuir às relações amorosas significados poéticos. Estes eram embalados por músicas como aquelas cantadas por Dalva de Oliveira,234 muito

ouvidas por alguns operários da geração de Zequinha Moura.

A poética das músicas que ouviam sugeriam a felicidade e a plenitude na união entre dois amantes. A constituição de novas famílias ocorria por meio de práticas reconhecidas por todos como respeitosa.

Acontece que ela sempre ia olhar a escola e eu não a conhecia. Quando eu pegava o ônibus aqui para ir para o ginásio, ela descia de casa e ia me ver. Ela já me paquerava e eu sem saber. E ela sempre ia olhar a escola de samba e eu não conhecia. Aí quando é um dia que vou para Murici com a escola de samba, e volto, na sede Othon perto da estação tinha um baile de carnaval. Aí fui! [...] Fui para a sede, tava todo mundo brincando e quando cheguei lá, olhei para ela e me despertou a atenção. Aí a colega dela, que estava mais ela falou: ‘que vir para aqui?’. Aí digo, pera aí... tímido, fui por traz do bar, pedi uma dose de conhaque. Tomei, dei três passadas e aí fui. E sai namorando. Até hoje! Maria Quinô Nazário Acioli. Dezembro agora vou fazer 49 anos de casado. 31 de dezembro de 1965 nos casamos. (Relato de Zequinha Moura, 2014)

Na realização do matrimônio, eram atribuídos sentidos de encantamento, com práticas de conquista sem promiscuidade, de realização das expectativas diante de um amor talvez platônico, aliados a algumas dosagens de timidez e romantismo. Buscava-se afastar a imagem de uma relação voltada ao saciamento dos desejos do corpo e da pele como território do prazer, embora este também pudesse cotidianamente estar presente nas alegrias das núpcias e entre as paredes íntimas do quarto dos casais que sucediam com seu casamento.

234 “Quando dois corações, se amam de verdade/ Não pode haver no mundo maior felicidade/ Tudo é alegria,

tudo é esplendor!” MARTINS, Herivelto; GOMES, Valdemar. Intérprete: Dalva de Oliveira. In: Dalva de Oliveira, Série Super Divas (duplo). Rio de Janeiro: Emi Music, [s. d.]. 1 CD duplo, ábum 1, faixa 15.

Todos esses sentimentos, tanto os mais castos, quanto os libertinos, são constituintes da formação das famílias operárias. São nutrientes de uma relação amorosamente febril, cujo amor é aquecido por toda a vida, ou mesmo torna possível a transformação do operário em um corpo produtivo disciplinado na realização dos interesses da fábrica, seja na produção, no controle da natalidade e nos valores familiares.

Do matrimônio de Zequinha Moura, nasceram oito crianças, quatro homens e quatro mulheres. Entre esses, três trabalharam na Fábrica, dois como tecelão e uma como liçadora. Os oito nasceram em hospital localizado em outros bairros de Maceió. Ao relatar as circunstâncias em que seus filhos vieram ao mundo, Zequinha Moura contrapõe as condições de saúde em Fernão Velho. Sua mãe, Maria José Moura, pariu na própria casa que morava com a ajuda de uma parteira. Era o tempo da Companhia União Mercantil. No tempo da Fábrica Carmen, essa prática continuou até provavelmente o fim da década de 1950.

Sobre esse tempo, Dona Emília, em entrevista, lembrou que teve seu filho de parto normal. Foi assistida por uma profissional, uma parteira que ela julgava “formada”, que era mantida pelos Othon para dar assistência às mulheres gestantes e em trabalho de parto. Caso se complicasse e fosse necessária uma cesárea, a mãe seria transferida para um hospital de Maceió. Do contrário, o serviço seria em casa ou no ambulatório mantido pela Fábrica. Posteriormente, os Othon construíram um setor de maternidade.

Mesmo com toda essa assistência patronal, fato que permite uma imagem de humanização e de benfeitor aos patrões, a gravidez e o parto não eram necessariamente livres de possíveis traumas. As operárias grávidas trabalhavam até o tempo da lei e do parto, e somente, então, no limite de suas condições físicas, eram afastadas de suas atividades na Fábrica.

Dona Emília ressaltou que estava trabalhando quando entrou em trabalho de parto. Seu bebê veio antes do tempo normal previsto, chegando prematuro aos sete meses de gravidez. Quando sua bolsa estourou, procurou o gerente de sua seção para informar o que ocorrera, deixando evidente a emergência em ser atendida pelos serviços de saúde. No entanto, ele respondeu: “Olhe, está faltando só três rolos. Só sai quando terminar!” Dona Emília finalizou seus três rolos restantes e correu para o parto. Quase deu à luz em pleno rés do chão da Fábrica. No dia seguinte, uma enfermeira foi à sua casa para avaliar e acompanhar suas condições de saúde e do bebê. Ficou afasta por sete semanas, quase dois meses de licença- maternidade.

Esse benefício previsto na legislação trabalhista brasileira nem sempre era respeitado, levando operárias e a Fábrica à Justiça do Trabalho. Os patrões culpavam as próprias

operárias quando erravam na contagem do tempo de sua gravidez, o que, por muitas vezes, incidia em quase ter o bebê na própria Fábrica, ou trabalhar praticamente até entrar em trabalho de parto após o sétimo mês, como sucedera com Dona Emília. Tal situação foi objeto de litígio, conforme o Processo trabalhista de n.º 35/58.235

No dia 21 de fevereiro de 1958, Adalgiza Roberto da Silva e mais outras 14 operárias, representadas pelo Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Fiação e Tecelagem de Fernão Velho, formalizaram uma reclamação trabalhista na Junta de Conciliação e Julgamento (JCJ)/Maceió – 6.ª Região, que se localizava no bairro do Centro de Maceió. Solicitavam o cumprimento de licença-maternidade conforme o artigo n.º 392 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT),236 no prazo legal para benefício e/ou pagamento de vencimentos relativos ao período em que deveriam estar usufruindo esse direito.

Adalgiza deu à luz em 3 de junho de 1957, ausentou-se do serviço no dia 1.º desse mês e voltou ao trabalho no dia 8 de agosto do mesmo ano. Reclamava o pagamento de cinco semanas posteriores e cinco dias antes do parto como benefício não pago da sua licença. Amália Antônia deu à luz em 22 de abril de 1957, ausentou-se do trabalho em 8 de abril de 1957 e retornou às suas atividades em 29 de junho do mesmo ano. Reclamava pagamento de quatro semanas antes do parto.

Luzinete da Conceição, assim como Adalgiza, trabalhou até poucos dias antes de dar à luz, nesse caso, oito dias. No processo, não foi informado seu retorno ao trabalho, possivelmente quatro semanas depois do parto, conforme descrição a que se refere ao pagamento que reclamam. Do mesmo modo, assim ocorreu com as demais operárias no processo. Izabel Arestides, Antônia Honorato, Enaura Cândida, Izabel Francisca, Maria Bernardo, Maria Julieta, Maria Pastora, Nadir Maria, Carolina Oliveira, Iraci Ferreira, e Maria José dos Santos. Todas reclamavam pagamentos referentes à licença-maternidade, que se supõe não terem sido devidamente cumpridas e pagas pela Fábrica Carmen. Contudo, o

235 Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento, 6.ª Região. Disponível no Acervo do Memorial

Pontes de Miranda, sede do TRT em Maceió.

236 A CLT/1943 embora estabeleça condições de igualdade de direitos em relação ao trabalho masculino e

feminino, atribui um capítulo inteiro à proteção do trabalho da mulher, excluindo deste apenas a condição de trabalhadora em atividades e oficinas de característica familiar. No artigo n.º391, a condição de gravidez e haver contraído matrimônio não constituem como motivos justos para a rescisão contratual de trabalho. Já o artigo n.º 392, regulamenta o tempo de trabalho na condição de gravidez e lactante, proibindo o trabalho da mulher grávida no período de seis semanas, antes e depois do parto, mediante atestado médico. Esse período pode ser maior em casos excepcionais de necessária ampliação do repouso, sendo acrescidas duas semanas antes e depois do parto. BRASIL. Decreto-Lei n.º 5.452, de 1.º de maio de 1943. Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo. Brasília, DF, 9 ago. 1943. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm>. Acesso em: 26 nov. 2015.

período em que cada uma ficou licenciada variava, seja no afastamento prévio antes do parto, seja referente ao período posterior ao nascimento do bebê conforme o artigo 392 da CLT/1943.

Entre elas, algumas situações chamam a atenção, inclusive lembrando a experiência de Dona Emília e a intransigência do gerente que, preocupado com os rolos restantes, quase “enrolou” o nascimento do bebê. Nadir Maria trabalhou até dois dias antes de ter o bebê. Já Carolina Oliveira, ficou afastada por quatro dias e por força de concessão da médica Dra. Vitória Pontes de Miranda. Iraci Ferreira ausentou-se do trabalho apenas no dia em que deu à luz, retornando ao trabalho no dia seguinte. Maria José dos Santos deu à luz no dia 18 de maio de 1957, tendo-se afastado apenas no dia 27 do mesmo mês. Possivelmente, continuou trabalhando mesmo após ter dado à luz, quando poderia, segundo a legislação trabalhista então vigente, gozar do prazo de seis semanas distribuídas entre o período anterior e posterior ao parto.

As operárias foram defendidas por Paulo Valente Jucá, advogado contratado do Sindicato. Na solicitação de deferimento assinada pelas operárias, foi indicada a sede do Sindicato como endereço para correspondência, e não a residência delas. A Fábrica foi representada pelo advogado Humberto Tavares da Costa. A primeira audiência foi agendada para o dia 11 de abril de 1958. O juiz Presidente da Junta, Paulo Duarte Quintella Cavalcanti determinou, para esse mesmo dia, uma diligência nas instalações da Fábrica Carmen de modo a realizar exames periciais nas operárias, devendo elas comparecerem à Fábrica. Talvez para comprovar a gravidez das operárias ou o nascimento dos bebês. Foi agendada nova audiência, posteriormente adiada a pedido do Sindicato. Por fim, realizou-se em 10 de junho de 1958.

Nesse ínterim, outros documentos foram anexados ao processo.

Uma das operárias, Maria Juliete, firmou acordo com a Fábrica Carmen. Anexou uma declaração de desistência, informando suas razões. O entrevistado Zequinha Moura, em seu relato, já destacava que muitos operários resolviam suas questões na própria Fábrica, com os advogados desta:

Qualquer coisa resolvia aqui mesmo. Tinha um advogado da firma, eles botavam para o advogado e faziam um acordo. Tiveram vários. Um deles foi Dr. Manoel Jarbas. Foi um dos advogados da firma. Cheguei até trabalhar com ele. Sempre terminava em acordo. Colocava para você falar com o advogado tal dia. Chegava, e a indenização assim, assado... vc concorda com isso? Terminava o caba concordando.(Relato de Zequinha Moura, 2014)

Outras operárias optaram pela continuidade do litígio, negando um possível acordo que também tenha sido oferecido a elas. Anexaram a certidão de nascimento de seus filhos e filhas ao processo, talvez como resultado da diligência determinada pelo juiz. São documentos que trazem informações relevantes sobre aspectos da constituição das famílias operárias e seus laços de amizade que constam na identificação das testemunhas que assinavam os registros.237

Havia operárias casadas com pescadores, embora fossem predominantes os operários entre os maridos. Essas famílias moravam não somente nas principais ruas da vila operária, próximo à fábrica, ou até mesmo em casa construída para eles. Também viviam em locais como a Vila Pedreiras, Goiabeiras e sítios da região nos arredores de Fernão Velho. Sobre o local de nascimento das crianças, revela-se que nem sempre os serviços médicos e ambulatoriais ofertados pela fábrica eram usados pelos operários. Os nascimentos ocorreram em casa ou em localidades como o Tabuleiro e outros bairros de Maceió.

Algumas certidões de nascimento não traziam informações sobre o pai da criança, o que torna plausível outras formas de constituição familiar e relações amorosas, diferentemente do que sucedera com Zequinha Moura ou do ideal de família nuclear e patriarcal estimulada pela Igreja. Nesse caso, chamo a atenção para uma certidão em que o escrivão fez questão de ressaltar que a criança registrada era um filho ilegítimo de um pescador. Em outra certidão, o mesmo escrivão positivou a legitimidade da filiação, sendo esse um filho de operários,238 identificando, inclusive, o pai.

Em 15 de julho de 1958, o juiz determinou o arquivamento do processo. Alegou que as operárias, autoras do litígio, não compareceram à audiência agendada, apesar de todas terem sido regularmente notificadas. O endereço indicado no processo para serem notificadas tinha sido a sede do Sindicato. Deixava-se em aberto as razões da desistência de 13 operárias, que aparentemente sem fazer acordo, poucos dias antes, haviam anexado a certidão de nascimento de suas crianças ao processo; possivelmente, desejosas do prosseguimento da reclamação. Teriam sido, de fato, notificadas sobre a audiência? A elas foi imputado o

237 Em uma das certidões de nascimento apresentadas no processo, Veríssimo Ferreira assina como uma das