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Diante de tantas carências e da própria complexidade do acolhimento institucional, no que diz respeito ao cumprimento dos direitos essenciais das meninas- flor, sendo esta pesquisa voltada para a importância do desenho para a formação e a expressão da criança, não poderia deixar de citar aqui o direito que essas meninas têm, como todas as crianças, à arte, à cultura e à expressão. Para muitos, a arte é considerada supérflua, no entanto, sabemos de sua importância para o ser humano, aquilo que infelizmente não pode servir aos fins utilitários do sistema capitalista e que, ao mesmo

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tempo, junto com a educação fornece aos sujeitos um olhar crítico e sensível diante do mundo, não tão interessantes aos governos, que preferem manter o povo na alienação.

Pois aqui também preciso fazer essa defesa e trazer para o corpo desse texto esses direitos. Ao pensarmos na relação entre Arte e Direitos Humanos12 temos dois caminhos: o direito à expressão, o direito à Arte e o acesso à cultura e as questões pedagógicas, que envolvem a contribuição da Arte para o aprendizado a respeito dos Direitos Humanos e do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Na Declaração Universal dos Direitos Humanos, temos a menção a estes direitos nos artigos:

Art. XIX:

Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras”

Art. XXVII:

1. Toda pessoa tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar do processo científico e de seus benefícios.

2. Toda pessoa tem direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de qualquer produção científica, literária ou artística da qual seja autor.

E no Estatuto da Criança e do Adolescente:

Capítulo II -Do Direito à Liberdade, ao Respeito e à Dignidade: Art. 16. O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos: II - opinião e expressão;

Capítulo IV - Do Direito à Educação, à Cultura, ao Esporte e ao Lazer: Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes:

V – Acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um;

Art. 58. No processo educacional respeitar-se-ão os valores culturais, artísticos e históricos próprios do contexto social da criança e do adolescente, garantindo-se a estes a liberdade da criação e o acesso às fontes de cultura.

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Discussão realizada em GOLDBERG, Luciane Germano. Do vôo possível: arte, formação e liberdade. In OLINDA, Ercília Maria Braga de (Org.). Medida socioeducativa de internação: educa? Fortaleza: edições UFC, 2013, e em parte do material didático da disciplina de Educação em Direitos Humanos, produzido em parceria com os professores Ercília Maria Braga de Olinda e Messias Holanda Dieb para uma das aulas do curso de Pedagogia a distância da Universidade Federal do Ceará (UFC).

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Art. 59. Os municípios, com apoio dos estados e da União, estimularão e facilitarão a destinação de recursos e espaços para programações culturais, esportivas e de lazer voltadas para a infância e a juventude.

Em ambos os documentos legais, podemos observar que deve ser garantido o direito de expressão e criação por meio da Arte, com respeito ao potencial de cada um. Nesse horizonte, a Arte se configura como um elemento de formação, de reconhecimento de si como um ser singular, único e especial, que possui um universo subjetivo próprio e capacidades que devem ser desenvolvidas e respeitadas. O direito à Arte, na perspectiva da criação, é essencial para o desenvolvimento pessoal nos aspectos afetivos, cognitivos, sociais e culturais.

Para Forquin (1973, p. 29 e 30), a educação artística contribui para o que denomina de “desenvolvimento global da personalidade”. Segundo o autor, a Arte proporciona melhor domínio corporal e intelectual, melhor equilíbrio psicológico, melhor capacidade de expressão e comunicação, relação mais enriquecedora com o outro e assimilação mais pessoal e mais flexível das significações constitutivas do meio ambiente. A atividade artística leva, assim, a exprimir a vida sensível, emocional e imaginária na formação da sensibilidade (p. 34).

Eisner (2008) afirma que existem aprendizados importantes derivados do conhecimento artístico, formas qualitativas de inteligência que seriam como lições da arte à educação: (1) a capacidade de compor relações qualitativas que satisfaçam a algum propósito – experimentar relações de qualidade e fazer juízos sobre elas (p. 9): “As artes ensinam os alunos a agir e a julgar na ausência de regras, a confiar nos sentimentos, a prestar atenção a nuances, a agir e a apreciar as consequências das escolhas, a revê-las e, depois, fazer outras escolhas” (p.10); (2) a flexibilidade na formulação de objetivos, saber lidar com as incertezas e com a imprevisibilidade, trabalhar feitos temporários e experimentais: “Nas artes os fins podem seguir os meios” (p. 11); (3) forma e conteúdo são quase sempre inextrincáveis – o “como” as coisas são ditas, feitas, representadas é importante e não pode ser deixado de lado: “Muda o ritmo de um verso de poesia e mudarás o significado do poema” (p. 12); (4) nem tudo o que é conhecível pode ser articulado de forma proposicional: “sabemos mais do que podemos dizer” (p.12) – a arte seria um canal para expressão do indizível, do que muitas vezes não pode ser medido, quantificado, classificado, racionalizado; (5) há uma relação de dependência entre o pensamento e o material: “Cada material impõe as suas exigências distintas e para usá-las bem temos que aprender a pensar dentro delas” (p. 13).

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Para Duarte Júnior (2002, p.102 a p.107), a arte possui funções cognitivas ou pedagógicas, como: (1) está na esfera dos sentimentos, que não são acessíveis ao pensamento discursivo; (2) “agiliza a imaginação” enquanto elemento libertador de descobertas de si e do mundo; (3) proporciona o desenvolvimento e a educação dos sentimentos; (4) a experiência estética proporciona a vivência da arte e a reflexão posterior, combinando o vivido a novos sentidos e significados conceituais para o experenciado.

Quando a Arte surge tudo fica diferente e é esse espaço que precisa ser conquistado e que pode ganhar visibilidade à medida que podemos ver e acessar o que as crianças pensam e sentem a respeito de si mesmos, de suas vidas e da sociedade em geral. Há sempre o que se dizer, o que falta, na maioria das vezes, é oportunidade de expressão, é ensaiar o voo e aprender a voar, pois:

Por mais que a sociedade em geral teime em menosprezar a importância da Arte e da educação estética para a formação humana, relegando para segundo plano a sensibilidade e a expressão, é nesse contato com instâncias mais profundas que se pode (re) constituir seres marginalizados ao centro de suas existências. De nada adianta engaiolar pássaros potenciais, mas antes de tudo é preciso acreditar que se pode ensinar-lhes o voo. Ao ensinarmos a voar precisaríamos garantir que ganhassem novos horizontes ao invés de reincidirem nos mesmos fracassos alimentando o sistema viciado (GOLDBERG, 2013, p. 350).

E aqui concluo este breve item, reiterando a importância de se criar e manter espaços de criação e expressão em instituições como a Casa-Família, em hospitais – locais de sofrimento, não que todos os demais espaços que trabalhem com crianças não o necessitem, mas nas escolas, por exemplo. A Lei de Diretrizes e Bases do Ensino (LDBEN) 9394/96 garante a presença da arte como componente obrigatório do ensino, em todas as áreas, dança, teatro música e artes visuais. Crianças, como as meninas-flor, que viveram grandes traumas e que estão institucionalizadas têm o direito a se expressarem pela arte, a constituírem seus mundos de vida de maneira sensível e potente, fortalecendo o elo consigo e com a sociedade, pois é preciso ter força para enfrentar a realidade a que estão submetidas.