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Do espontâneo ao intencional: O Percurso Histórico do Ensino Sistematizado

SUMÁRIO AGRADECIMENTOS

PASTA 1 DISSERTAÇÃO DE MESTRADO (versão em PDF) PASTA 2 APÊNDICES

I. PROGRAMA ENSINO MÉDIO INOVADOR NO CONTEXTO SOCIAL EMERGENTE

2.1 Do espontâneo ao intencional: O Percurso Histórico do Ensino Sistematizado

Nem sempre a escola foi esta instituição tal como a conhecemos hoje, por isso antes de falar sobre o surgimento deste modelo, gostaríamos de revisitar o passado de forma sucinta para que possamos compreender como ele afeta o presente. Percorremos uma longa jornada histórica antes de a escola ser esta entidade tão questionada, mas nem sempre ela foi imprescindível, uma vez que nem sequer existia e nossos antepassados sabiam se virar muito bem sem ela e os mais jovens aprendiam.

Nas sociedades primitivas, o grupo familiar e a comunidade eram responsáveis pela transmissão de conhecimento para atender às necessidades do grupo e perpetuar as tradições do seu povo. Essas sociedades, formadas a princípio por caçadores-coletores, passaram posteriormente a viver de atividades agropastoris, interferindo ativamente no ambiente (COTRIM, 2008). No decorrer da história, o aprimoramento de artefatos, a manufatura de utensílios diversos, construção e ritos religiosos, entre outros aspectos culturais, eram transmitidos às crianças e aos jovens de maneira interativa, no interior da própria convivência coletiva.

Mas quando os seres humanos se organizaram sistematicamente com a intenção clara de educar outros seres humanos? Pelo que sabemos, ainda na Antiguidade, os povos começaram a criar seus próprios sistemas de ensino, a exemplo das Escolas dos Profetas citadas no Antigo Testamento da Bíblia; as da Grécia Antiga; ou as Escolas dos Jesuítas, no século XVI, entre outras. Isso não significa que estes sistemas tinham somente como objetivo ensinar para um grupo, muitas vezes seleto, mas também foi a maneira que alguns povos encontraram para aculturar outros povos, a exemplo do ensino jesuíta.

Segundo o Dicionário Etimológico (2016), a palavra escola tem suas origens na palavra grega scholé e, ao contrário do que pensa o senso comum, designava um lugar de lazer, descanso ou alguma atividade feita na hora do descanso, como ler, por exemplo. Ou seja, para os gregos, a leitura era na verdade uma atividade prazerosa, algo, portanto, muito divertido, diferente da obrigatoriedade que esta atividade acabou por adquirir na escola do mundo contemporâneo.

A trajetória do ensino sistematizado é apresentada por Manacorda (1992), que traz interessante pesquisa a respeito da história da educação a partir do Egito Antigo até os nossos dias, mas que vale a pena fazer referência para uma pequena contextualização. Segundo o autor (Ibid., p.10), o Egito é “unanimemente reconhecido como berço da cultura e da instrução”. Os achados arqueológicos levaram a esta conclusão e os próprios gregos reconheciam a supremacia da literatura sapiencial dos egípcios. O conteúdo desta literatura eram ensinamentos morais e comportamentais, presentes em outros povos do Oriente Próximo, a exemplo dos hebreus, que criaram a Escola dos Profetas. Quanto ao modus

operandi da educação egípcia, ela é assim descrita:

Na riquíssima iconografia egípcia não encontramos nenhuma imagem que apresente diretamente a escola e nem temos restos de prédios escolares; porém, a tradição posterior de todo Oriente até hoje documentada em numerosíssimas imagens, sempre nos apresenta o mestre sentado na esteira, no interior de um prédio ou à sombra de uma figueira, com os alunos sentados à sua volta (MANACORDA, 1992, p. 19).

Pelo que percebemos, no Egito Antigo, o ensino acontecia em qualquer espaço ou lugar, desde que tivesse um grupo de alunos ao redor de um mestre. No entanto, esta educação que apresentava características privadas e políticas, destinada aos filhos da nobreza e ao filho do faraó, tinha como principal objetivo a formação do futuro político na arte de falar bem, como também na obediência e respeito à palavra (Ibid.). Pois bem, para um comandante

supremo, um deus na terra, saber falar era extremamente importante como instrumento para dominar as multidões e a obediência como forma de subordinação às próprias leis.

Os hebreus, por sua vez, tinham outros objetivos em mente ao organizar seu sistema de ensino. Para aclarar o tema, tomamos como referência a autora cristã do século XIX, Ellen White (1991), para trazer informações sobre a Escola dos Profetas. A referida autora nos diz que, fundada por Samuel (1095 a.C.), a Escola dos Profetas tinha como objetivo estudar o Pentateuco, que representa os cinco primeiros livros da Bíblia, escritos por Moisés, além de história sagrada, música sacra e poesia. Os alunos desta escola eram chamados filhos dos

profetas e mantinham-se com algum trabalho manual ou cultivando o solo. A educação física

também era praticada, pois reconheciam que existia uma estreita relação entre a mente e o corpo. No contexto de um povo monoteísta, que valorizava as sagradas escrituras e uma vida simples, esta educação foi extremamente útil para eles.

Já na Grécia Antiga, segundo Manacorda (1992), a educação, assim como no Egito, era separada de acordo com a classe social, mas não era tão rígida. Os governantes tinham também acesso às tarefas do poder, ou seja, pensar ou falar, inerentes à política, e fazer, destinadas aos homens de guerra. Por outro lado, os governados tinham acesso aos treinamentos no trabalho: observar e imitar as atividades dos adultos, no próprio trabalho, vivendo com eles. Já a classe dos excluídos não tinha acesso a nenhum tipo de educação, pois neste contexto, direito à educação só tinham os cidadãos, homens livres.

O autor apresentou dois períodos de educação arcaica: a educação homérica, que recebeu esse nome em homenagem a Homero, considerado o educador de toda a Grécia e a educação hesiodéica, em referência a outro grande poeta grego, Hesíodo. No primeiro período, o ensino determinava: “Os indivíduos das classes dominantes são guerreiros na juventude e políticos na velhice” – no ideal de Platão estes guerreiros seriam os governantes- filósofos. No segundo período, o ensino valorizava o trabalho, contrapondo-se de forma intensa ao período anterior, criando uma polêmica em torno da transformação da educação guerreira em educação esportiva (MANACORDA, 1992, p. 42-45, passim). Mais adiante, no período clássico, percebemos a valorização da ginástica e da música destinada aos cidadãos das cidades de Creta e Esparta, consideradas como modelo de política e educação, esta última financiada pelo próprio estado.

Percebemos na história da Grécia Antiga uma evolução do seu sistema de ensino, respondendo a cada interesse precípuo de quem detinha o poder, mas dentro de um modelo de sociedade, que foi evoluindo dos tempos heroicos aos tempos dos produtores. Isso para não falar dos outros períodos que se seguiram na educação helênica e principalmente, da grande

influência exercida por esta na educação de Roma, onde era comum a designação dos pedagogos, que eram os escravos gregos e os prisioneiros de guerra, na formação das crianças romanas (Ibid.).

A Antiguidade ficou para trás e já no início da Era Cristã, a escola passou a ser organizada pela Igreja Católica e se transformou num anexo da religião, funcionando nos mosteiros, paróquias e catedrais. Segundo Coêlho (1996), enquanto na Antiguidade os alunos iam à casa do professor para serem instruídos em saberes específicos sem a preocupação com a educação moral, a qual ficava a cargo do pedagogo, a escola cristã, ao contrário, tinha como proposta a formação das pessoas através da comunicação das crenças e convicções, o desenvolvimento dos sentimentos e das atitudes e a transmissão das ideias e conhecimentos, reunidos no mesmo espaço e sob a orientação do mesmo professor. Portanto, muito diferente dos sistemas da Antiguidade, este tipo de escola foi uma invenção medieval, havendo inclusive, a preocupação com a qualificação de pessoas para exercer o magistério através da Universidade e a gratuidade do ensino, defendida pela Igreja por muito tempo.

Em síntese, a História nos mostra algumas transformações no ensino sistematizado e o legado que a escola do presente recebeu como herança do passado. Pelo que percebemos, conforme as sociedades se tornam mais complexas, com produção de bens de consumo mais sofisticados, é iniciado um longo processo de separação entre os que tomam posse dos bens materiais e a maior parte dos despossuídos, que somente executa tarefas que outros mandam (ARANHA, 1998). Essa divisão social reflete-se nos próprios sistemas de ensino, uma vez que a educação não era destinada a todos, e mesmo aqueles que tinham acesso, não recebiam o mesmo tipo de instrução.