6. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS: ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO
6.2. Do estigma ao reconhecimento do HNR como modelo de referência no
Desde que o HNR foi construído, em 1943, a instituição passou por várias
fases e foram várias as concepções feitas pela sociedade catarinense. Pelo fato de
ser uma instituição que sempre atendeu doenças infecciosas como a tuberculose, a
polimieleite, a meningite, entre outras, a sua imagem sempre foi de um hospital de
doenças infecto-contagiosas, de doenças que a sociedade queria isolar e esquecer.
Contudo com o aparecimento da aids, essa imagem tornou-se ainda mais forte no
seio da sociedade. A partir das memórias dos entrevistados, podemos afirmar que o
HNR passou a ser conhecido como o ´hospital de aids`:
O HNR sempre foi um hospital muito esquecido, muito esquecido… […] um hospital pobre e com doenças de pobre, contagiosas… que a sociedade queria esquecer! Essa foi sempre a grande imagem do HNR. […] E aí depois com a aids piorou. Porque tudo que internava lá era aids (SPRICIGO, 2007).
[…] então todo o mundo que internava no HNR é porque tinha aids, no começo era assim. Nem olhavam para as outras doenças (ESPÍRITO SANTO, 2007).
Nestas falas já é possível constatar que o hospital era alvo de discriminação e
estigma. Segundo Goffman (1988), um estigma é um atributo que torna uma pessoa
(ou instituição, por exemplo) diferente das outras, chegando mesmo a incluí-la numa
espécie menos desejável.
Neste caso, a aids era vista como um estigma, uma característica depreciável
na pessoa, que a torna diferente das demais. Isto é, não só as pessoas que vivem
com HIV, mas também a própria instituição em que a pessoa com aids é cuidada,
passa a ser alvo de estigmatização, de preconceito e de discriminação pela
sociedade em geral, e até mesmo por alguns profissionais e instituições de saúde da
capital do estado.
Como foi referido anteriormente, o HNR atendeu sempre diversas doenças
infecto-contagiosas, no entanto, os entrevistados lembram que, com o aparecimento
da aids, qualquer pessoa que fosse internada na instituição era associada a essa
doença… assim como os profissionais que lá atuavam.
[…] o próprio pessoal tinha medo de vir internar aqui com outra patologia, porque […] não pensavam mais em outra patologia, só no HIV (GARCIA FILHO, 2007).
Quem trabalhava com o pessoal de HIV era olhado assim… também era alvo de preconceito (ESPÍRITO SANTO, 2007).
[…] o pessoal mais antigo dizia que pelo fato de ser um hospital de doença infecto-contagiosa, tinha funcionário que quando ia pegar o ônibus, tinha gente que não sentava do lado do funcionário. […] porque todo o mundo dizia que vinham do HNR e podiam estar com doenças contagiosas (PÉRES, 2007).
Na tentativa de lutar contra o preconceito e estigma gerado na sociedade e
em alguns profissionais e instituições de saúde, os próprios profissionais de saúde
do HNR começaram a se capacitar na área da aids. Com essa formação, passaram
a poder educar e capacitar as outras pessoas (profissionais e sociedade) para cuidar
e aceitar as pessoas que vivem com HIV.
Segundo Finckler (1998), o esforço pela qualificação e capacitação começou
por iniciativa dos próprios profissionais de saúde. Mais tarde, o próprio HNR
começou a se preocupar com a formação dos seus recursos humanos para a
assistência dessas pessoas, através da participação em treinamentos oferecidos
pelo MS/Secretaria de Estado.
Algumas falas descritas a seguir são elucidativas desse contexto:
E eu lembro que a gente começou a se preocupar em se capacitar para trabalhar com pacientes com aids. […] foi um período, assim, profissionalmente de crescimento porque a gente tinha de buscar os conhecimentos, mas também sem nenhuma capacitação específica para esta nova realidade. Às vezes, os infectologistas participavam de
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congressos da área e traziam algum material, mas tudo muito pouco, a própria internet não existia na época! Então, o acesso à informação era mais difícil (MEIRELLES, 2007).
De acordo com Barreira (1999), na história de enfermagem (no passado e
presente) ressaltam figuras que, por sua atuação em determinada área, se tornam
marcos referencias. Com o decorrer do tempo, a Enfermeira Betina Hörner
Schlindwein Meirelles, que na época atuava como chefe de enfermagem no HNR,
por ser a primeira enfermeira que trabalhou com a aids desde o seu aparecimento
no HNR, foi solicitada para realizar palestras em todo o Estado de SC. Essas
palestras eram realizadas com o objetivo de capacitar as pessoas para trabalharem
com a aids, e davam um papel de destaque à prevenção, enfrentamento e convívio
com a doença e as pessoas acometidas por ela. A Enfermeira Maria Helena
Bittencourt Westrupp também se destacou pela sua atuação no HNR e no cuidado
das pessoas com aids, pela sua participação e preocupação na formação dos
profissionais de saúde e das pessoas que viviam e conviviam com HIV, e pela sua
importante contribuição na organização e desenvolvimento do Ambulatório (razão
pela qual foi trabalhar no HNR).
Esta preocupação e esforço dos profissionais pela capacitação fizeram com
que o HNR, além de ser considerado referência para diagnóstico e tratamento de
pessoas que vivem com HIV, passasse a ser considerado também referência para o
treinamento e formação de técnicos de todo o Estado (MIRANDA, 2003).
[…] o HNR foi considerado centro de referência em treinamento. Nós organizávamos um treinamento, de no mínimo de 40 horas. Nesse treinamento, a gente recebia profissionais de todo o estado, em que eles tinham uma parte teórica e uma parte prática também. […] acompanhavam o profissional das diversas áreas. […] tínhamos equipes que iriam treinar em aids outras equipes […] eles tinham oportunidade de acompanhar uma consulta no ambulatório, atender um paciente na enfermaria... […] Mas, muitas palestras, muitas a gente fazia assim, treinamentos rápidos no interior do estado (MEIRELLES, 2007).
E o pessoal também melhorou a qualidade dos seus cuidados, porque começaram a ter possibilidade de reciclar seus conhecimentos, participar de cursos de formação e capacitação. Com certeza foi uma melhora significativa em relação a isso (WESTRUPP, 2007).
Os profissionais de saúde do HNR passaram a organizar cursos de
treinamento para as equipes de saúde do hospital e de outras instituições do Estado.
Estes treinamentos davam a oportunidade aos profissionais de melhorarem os seus
conhecimentos sobre a aids e sobre os cuidados que deveriam ter com as pessoas
acometidas pela doença. Assim, o HNR contribuiu na formação de recursos
humanos especializados no tratamento da aids e, ao mesmo tempo, na formação de
profissionais de saúde para a realização de treinamentos na área da aids. Isto
ajudou também na mudança da imagem do HNR.
A instituição foi reconhecida pela sua importância no combate à aids e por
todos os esforços que foram feitos para formar os profissionais e as pessoas em
relação à problemática da aids. Assim, as pessoas que viviam com HIV que
internavam no HNR passaram a ter um tratamento diferenciado e de qualidade.
Como conseqüência, segundo o que alguns profissionais recordam, os pacientes
com aids, quando necessitavam de internação, preferiam o HNR a qualquer outra
instituição de saúde.
[…] o hospital ganhou respeitabilidade, eu acho que isso foi bem importante. […] Ele era respeitado um pouco por medo do que existia lá dentro e agora é respeitado pelo conhecimento que saiu de lá de dentro. […] O mais bonito de tudo […] os pacientes gostavam tanto de lá que quando eram internados em outro hospital eles pediam logo para ir para o HNR, e isso nos deixava gratificados […] (WESTRUPP, 2007).
Por outro lado, as lutas e reivindicações realizadas dentro do HNR, muitas
delas diretamente relacionadas com o advento da aids, permitiram à instituição
alguns ganhos, como por exemplo: a melhoria dos recursos físicos (realização de
reformas no Serviço de Doenças Infecciosas e Parasitárias, construção do
Ambulatório e do Hospital de Dia, e a reativação da Unidade de Terapia Intensiva),
materiais (fornecimento de mais material e de melhor qualidade), humanos
(contratação de mais profissionais de saúde e com maior especialização), e a
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redução da carga horária. Contudo, os esforços dos profissionais de saúde pela
melhoria das condições de trabalho, não se cingiram à instituição e muito menos ao
serviço em que atendiam as pessoas que vivem com HIV. As conquistas
conseguidas por eles acabaram por extrapolar para todo o hospital e mesmo a todas
as instituições da Secretaria da Saúde.
[…] só que na realidade assim, as conquistas que a gente tinha geralmente para os trabalhadores lá da aids, geralmente universalizavam. […] Na realidade, essas repercussões da aids foram para a Secretaria como um todo, porque o HNR foi o primeiro hospital da Secretaria a fazer 30 horas. […] Acho que foi uma coisa que teve repercussões além muros... (MEIRELLES, 2007).
Eu acho que, com certeza, o surgimento da aids ajudou não só no hospital, mas na saúde geral, de todo o país. Eu acho que o MS providenciou isso tudo devido à aids. Mas tudo começou realmente no HNR (PÉRES, 2007).
Os profissionais de saúde do HNR, que trabalhavam diretamente com
pessoas que viviam com HIV, começaram a sentir que cuidar dessas pessoas dentro
da instituição não era suficiente, elas precisavam de algo mais… faltava um
suporte/apoio na comunidade. Na tentativa de suprir com as necessidades das
pessoas que viviam com HIV e dos profissionais de saúde que cuidavam delas,
surgiram dentro do HNR duas ONG, o Grupo de Apoio e Prevenção à Aids (GAPA) e
a Fundação Açoriana para o Controle da aids (FAÇA), como podemos ver a seguir:
Outra coisa assim, que eu acho que também foi uma vivência nova, foi trabalhar com organizações da sociedade civil na época. Então, eu fui fundadora do GAPA, fui fundadora da FAÇA […] é porque assim, a gente precisava de apoio de outro lado. Então, a gente não dava conta de todas aquelas situações que vinham para a gente atender. Então o GAPA foi fundado justamente para isso… […] A FAÇA surgiu mais tarde, também foi criada dentro do HNR, porque a gente sentia necessidade de um outro tipo de ação, de uma ONG que trabalhasse mais a capacitação, porque a gente via que a gente não dava conta… (MEIRELLES, 2007).
Com esse trabalho alguns profissionais do HNR sentiram a necessidade de criar uma fundação relacionada à aids, que é a FAÇA […] Porque tínhamos necessidade de encaminhar os pacientes que saíam do hospital para uma organização que lhes dessem apoio extra-hospitalar (WESTRUPP, 2007).