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4 DOS EFEITOS DECORRENTES DO GOZO DO AUXÍLIO-ACIDENTE

4.2 DO GOZO DO AUXÍLIO-ACIDENTE E SEU CÔMPUTO COMO CARÊNCIA

A carência, nos termos do artigo 24 da Lei 8.213/91, configura-se no “número mínimo de contribuições mensais indispensáveis para que o beneficiário faça jus ao benefício, consideradas a partir do transcurso do primeiro dia dos meses de suas competências” (BRASIL, 1991b).

Dessa forma, a carência constitui pré-requisito à concessão de benefício, uma vez que a pessoa pode estar vinculada ao Regime Geral de Previdência Social, atingir a idade da aposentadoria, por exemplo, contudo não possuir a carência mínima necessária (IBRAHIM, 2012, p. 552).

Assim, durante o aludido período, o segurado contribui, mas ainda não faz jus às prestações que dependem do cumprimento de carência para sua concessão (SANTOS, 2009, p. 115).

Logo, faz-se necessário identificar como ocorre o cômputo do período de carência em relação aos possíveis beneficiários do auxílio-acidente, quando do requerimento de concessão dos demais benefícios no âmbito da previdência social.

No que tange ao segurado empregado e ao trabalhador avulso, o período de carência é computado a partir da data de sua filiação ao Regime Geral de Previdência Social, eis que o empregador é o responsável pelo recolhimento das contribuições (SANTOS, 2009, p. 123), consoante o disposto no artigo 27 da Lei 8.213/91.

Por conseguinte, o segurado especial deverá comprovar que efetivamente exerceu atividade rural, mesmo que de modo descontínuo, pelo período correspondente ao da carência do benefício pleiteado, não necessitando, assim, comprovar que verteu contribuições para o Regime Geral de Previdência Social, nos termos do artigo 26, parágrafo § 1º, do Decreto 3.048/99 (BRASIL, 1999).

Há que se destacar que o segurado especial, quando verter contribuições na forma facultativa, terá como termo inicial da contagem do período de carência a data do efetivo recolhimento da primeira contribuição sem atraso, uma vez que as contribuições com atraso não são consideradas para efeitos de carência (SANTOS, 2009, p.124).

Faz-se necessário, ainda, distinguir carência e tempo de contribuição, constantemente objeto de equívoco entre os operadores do direito. Segundo os ensinamentos de Ibrahim (2012, p. 553):

A carência não se confunde com o tempo de contribuição. Um segurado pode ter anos de contribuição, mas sem nenhuma carência. Por exemplo, imaginemos um contribuinte individual que tenha começado a trabalhar há 10 (dez) anos, mas nunca efetuado um recolhimento sequer. Hoje, este segurado efetua o cálculo de todos os atrasados e paga-os de imediato. Terá 10 anos de tempo de contribuição, mas nenhuma carência, já que não fez nenhum recolhimento mensal.

Destarte, salienta-se que a carência é contabilizada por competências, ou seja, em razão do número de contribuições vertidas, não se considerando para esse fim o número de dias de trabalho durante o mês.

Desse modo, enquanto o segurado não possui restrições para o exercício de atividade laboral, não há dúvidas de que a carência só será preenchida nos termos dos artigos acima citados. No entanto, há que se vislumbrar a hipótese em que o segurado está em gozo de benefício por incapacidade durante um considerável lapso temporal. Assim, questiona-se se aludido período poderia ser computado como carência para que o beneficiário pleiteie a concessão de outra prestação prevista no Regime Geral de Previdência Social.

Pois bem, faz-se necessário a análise e confronto dos dispositivos legais vigentes, bem como do posicionamento jurisprudencial acerca da possibilidade do cômputo do período em auxílio-acidente como carência.

Parte da doutrina entende que, apesar da percepção de benefício ensejar a manutenção da qualidade de segurado, caso não haja recolhimento de contribuições previdenciárias no referido período, este não será computado para a carência. Resta evidente que o entendimento é fundamentado na decisão proferida no Agravo Regimental no Recurso Especial 909.274, que uniformizou a jurisprudência em relação ao parágrafo 5º do artigo 29 da Lei 8.213/91.

Ademais, Fonseca (2015) preleciona que, “como não há recolhimento de contribuições mensais durante o período de gozo de auxílio-acidente, não há que falar em cômputo de carência”.

Por conseguinte, os adeptos da mencionada corrente citam a situação em que o segurado está percebendo auxílio-acidente e mantém a qualidade de segurado. Consideram, então, que o referido período apenas contará para efeitos de carência para a concessão da aposentadoria por idade caso o beneficiário tenha realizado o recolhimento de cento e oitenta contribuições mensais, carência necessária para a concessão do aludido benefício. Isto é, mesmo que o segurado receba o auxílio-acidente por mais de vinte e cinco anos, ou seja, trezentos meses, esse período não será considerado apto a preencher a carência necessária do benefício pleiteado.

Nesse sentido já se posicionou a Primeira Turma Recursal do Paraná:

APOSENTADORIA POR IDADE. IMPOSSIBILIDADE DE CONSIDERAR AUXÍLIO-ACIDENTE PARA EFEITO DE CARÊNCIA. O período em que o segurado recebe auxílio-acidente não é considerado para efeito de carência, a não ser que haja o recolhimento de contribuições, uma vez que o benefício não substitui o trabalho como fonte de sustento, mas somente compensa o trabalhador pela redução da capacidade para o exercício de sua ocupação habitual. LBPS, art. 86 (PARANÁ, 2009, grifo nosso).

Tem-se, ainda, consoante o disposto no artigo 154, inciso V, orientação administrativa, na Instrução Normativa n. 77/2015 do Instituto Nacional do Seguro Social, no sentido de que “não será computado como período de carência: o tempo de serviço militar, obrigatório ou voluntário; o período em que o segurado está ou esteve em gozo de auxílio- acidente ou auxílio-suplementar” (BRASIL, 2015a).

Deve ainda ser considerado que o artigo 174 da Instrução Normativa n. 77/2015 do Instituto Nacional do Seguro Social aduz que “inexistindo período de atividade ou gozo de benefício por incapacidade dentro do PBC [período básico de cálculo], o valor do auxílio- acidente não supre a falta do salário de contribuição”.

A interpretação do aludido dispositivo legal poderia levar a crer que, como o valor do auxílio-acidente não poderá ser contabilizado como salário-de-contribuição, quando não vertidas contribuições no período a ser considerado, muito menos poderia tal período ser considerado como carência, uma vez que não há recolhimento para a previdência social.

As razões apresentadas para não computar o período em comento como carência permeiam a análise de que não há incapacidade para o trabalho, sendo o auxílio-acidente um benefício de caráter indenizatório que não substitui o salário-de-contribuição ou os rendimentos do trabalho do segurado.

Logo, por esta linha entendimento, como não há impeditivos para o beneficiário continuar a exercer atividade laboral ou efetuar contribuições como facultativo, cabe a ele buscar preencher a carência da futura prestação pelo modo usual, qual seja, voltar a contribuir ao Regime Geral de Previdência Social.

Em contrapartida, o artigo 153 da Instrução Normativa n. 77/2015 do Instituto Nacional do Seguro Social aduz que:

Art.153. Considera-se para efeito de carência:

§ 1º Por força de decisão judicial proferida na Ação Civil Pública - ACP nº 2009.71.00.004103-4, para benefícios requeridos a partir de 19 de setembro de 2011, fica garantido o cômputo, para fins de carência, do período em gozo de benefício

por incapacidade, inclusive os decorrentes de acidente do trabalho, desde que intercalado com períodos de contribuição ou atividade:

I - no período compreendido entre 19 de setembro de 2011 a 3 de novembro de 2014 a decisão judicial teve abrangência nacional; e

II - a partir de 4 de novembro de 2014 a decisão passou a ter abrangência restrita aos residentes nos Estados dos Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, observada a decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial nº 1.414.439-RS (BRASIL, 2015a, grifo nosso).

A ação civil pública que promoveu a alteração acima transcrita encontra-se suspensa aguardando julgamento dos tribunais superiores. Na citada demanda, o Ministério Público Federal pleiteia que os períodos em que o segurado percebeu auxílio-doença e aposentadoria por invalidez sejam considerados no cômputo do período de carência, com a consequente alteração da Instrução Normativa aplicável, a fim de adequá-la aos termos da decisão judicial.

Na mencionada demanda, o Instituto Nacional do Seguro Social arguiu a ilegitimidade ativa do Ministério Público Federal, sustentando que a lide versava sobre direitos individuais disponíveis.

Assim, em primeira instância o processo foi extinto sem julgamento de mérito, em virtude de suposta ilegitimidade do Ministério Público Federal para propor a ação. Por sua vez, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em sede de apelação, julgou parcialmente procedente a demanda.

A aludida decisão possibilitou o cômputo do tempo em que o segurado fruiu auxílio-doença e aposentadoria por invalidez, como período de carência, desde que intercalados com períodos de efetivo trabalho ou contribuição.

Com a interposição de recurso especial e extraordinário, aos quais não foi concedido efeito suspensivo, o Ministério Público Federal requereu que fosse promovida, em abrangência nacional, a execução provisória do acórdão.

O juízo determinou o cumprimento da obrigação no prazo de 40 dias. Entretanto, a sexta turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) restringiu o alcance da decisão a ser executada, determinando que seus efeitos sejam restritos à sua área de sua jurisdição.

Logo, verifica-se que a decisão proferida na aludida ação civil pública poderia ser estendida aos beneficiários de auxílio-acidente, a fim de solucionar a problemática apresentada.

Nesse sentindo, tem-se a manifestação da quinta turma do Superior Tribunal de Justiça:

PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. CÔMPUTO DO PERÍODO DE RECEBIMENTO APENAS DE AUXÍLIO-ACIDENTE PARA A CARÊNCIA NECESSÁRIA À CONCESSÃO DA APOSENTADORIA POR IDADE. POSSIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO. 1. O auxílio-acidente - e não apenas o auxílio-doença e a aposentadoria por invalidez - pode ser considerado como espécie de "benefício por incapacidade", apto a compor a carência necessária à concessão da aposentadoria por idade. 2.

In casu, é de ser observada a vetusta regra de hermenêutica, segundo a qual "onde a

lei não restringe, não cabe ao intérprete restringir" e, portanto, não havendo, nas normas que regem a matéria, a restrição imposta pelo Tribunal a quo, não subsiste o óbice imposto ao direito à pensão por morte.

[...]

Como se vê, é preciso levar em consideração as peculiaridades do caso concreto, fixadas essas nas constatações de que o Segurado completou a idade mínima para o benefício 65 anos e, no caso, deveria comprovar, para fins de carência, 144 (cento e quarenta e quatro) contribuições, sendo certo que demonstrou o recolhimento de 122 (cento e vinte e duas) decorrentes de atividades laborativas, restando, portanto, a comprovar apenas o ínfimo número de 22 (vinte e duas) parcelas, o que, diante do longo período de percepção do auxílio-acidente, não poderia servir de empecilho à obtenção do benefício pleiteado (BRASIL, 2013b, grifo nosso).

Sob essa perspectiva, colaciona-se a decisão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região:

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. AUXÍLIO-ACIDENTE. CÔMPUTO PARA FINS DE CARÊNCIA. CABIMENTO. DIB - REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA. LEI Nº 11.960/2009. 1. É devida a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, quando comprovado por prova documental - CTPS, CNIS - que houve cumprimento dos requisitos necessários. 2. É possível a contagem, para fins de carência, do período no qual o segurado esteve em gozo de benefício por incapacidade, (auxílio-doença ou auxílio- acidente), intercalado ou não, quando se tratar de acidente de trabalho (art. 60, IX, do Decreto nº 3.048/99) (BRASIL, 2014a, grifo nosso).

Ademais, deve-se ressaltar a manifestação do ministro relator Rogério Schietti Cruz:

Se o período em que o segurado esteve no gozo de benefício por incapacidade é excepcionalmente considerado como tempo ficto de contribuição, não se justifica interpretar a norma de maneira distinta para fins de carência, considerando o disposto no art. 24 da Lei n. 8.213/91, segundo o qual "período de carência é o número mínimo de contribuições mensais indispensáveis para que o beneficiário faça jus ao benefício. (BRASIL, 2014b, grifo nosso).

Assim, a jurisprudência vem se manifestando no sentido de que é possível computar o período em gozo de benefício por incapacidade como carência, considerando-se que a utilização do termo benefício por incapacidade, na interpretação dos julgados, engloba também o benefício auxílio-acidente.

Na hipótese de cômputo do período de fruição do auxílio-acidente como carência, haveria de se analisar também a necessidade de intercalá-lo com períodos de contribuição, consoante preconizado pela súmula 73 da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais.

Assim, para esclarecer os efeitos práticos da aceitação do cômputo do período em gozo de auxílio-acidente como carência e tempo de contribuição, há que se considerar, como exemplo, a situação em que o segurado contribuiu um ano e recebeu auxílio-acidente por treze anos. Quando do retorno à atividade laboral contribuiu por mais um ano. Logo, caso o tempo de afastamento seja computado como carência, o segurado poderá ser aposentado por idade (BACHUR, 2010).

Portanto, a jurisprudência vem sinalizando a possibilidade de contagem do lapso temporal em auxílio-acidente para fins de carência, possibilitando, dessa forma, pleitear outras prestações previdenciárias que têm como requisito sua comprovação.

4.3 DO GOZO DO AUXÍLIO-ACIDENTE E SEU CÔMPUTO COMO TEMPO DE

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