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2.1 DIÁLOGOS ENTRE AS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS

2.1.3 Do Lixo Tecnológico/Eletrônico ao Espaço de Aprendizagem de RPL

A retórica das revoluções tecnológicas na história do capitalismo pode ser resumida da seguinte maneira: final do século XVIII e início do século XIX, máquinas a vapor e têxteis; meados do século XIX, o ferro, o carvão e os trilhos de ferro; princípio do século XX, a eletricidade, o petróleo, o automóvel, o avião e o computador.

Essa incessante evolução tecnológica, almejada pelo ser humano, tem seu desenvolvimento acelerado na Revolução Industrial, com a introdução das máquinas no convívio dos seres humanos e as práticas predatórias ao meio ambiente com vistas a realizar o sonhado crescimento econômico.

Propiciar o crescimento da economia era um fator bem visto pela sociedade que outrora considerava o capital natural como infinito. No entanto, na década de 60 do século XX, o surgimento da problemática ambiental foi direcionada ao crescimento demográfico e às chagas que poderiam se abrir na sociedade. Seguindo para o final deste decênio, vemos que os alertas do perigo do crescimento econômico começaram a ecoar como mais uma problemática ambiental.

O desenvolvimento das capacidades humanas reúne o saber cuidar da endoecologia – a geografia interna dos seres humanos – e da exoecologia – ambiente, no qual o ser humano

está inserido –, que juntos formam o que conhecemos como o mundo e seus habitantes. Quando somos instruídos a cuidar bem da endoecologia, as noções de saúde e de desenvolvimento cognitivo são privilegiadas, tendo como consequência a preservação da exoecologia. Porém, quando há ausência de educação, inicia-se um processo paradoxal como é o caso do avanço tecnológico e o lixo causado por ele, ou seja, quando o progresso começa a ser regresso. Esse é o ponto crucial nas mudanças introduzidas pela Revolução Tecnológica na Sociedade Contemporânea.

Segundo Fontenelle (2002, apud MACÊDO, 2009, p. 15-16), esse desenvolvimento tecnológico, pautado em valores da eficiência econômica, tem tornado os produtos cada vez mais descartáveis. Produtos que antigamente eram feitos para durar muitos anos, hoje tem uma vida útil muito menor e, ao invés de consertar, as pessoas são incentivadas a jogar fora e comprar um modelo novo. É a chamada era do descartável.

Atualmente, há um crescimento no número de computadores descartados por defeito ou obsolescência. Só nos Estados Unidos, 500 milhões é o número aproximado de computadores que caíram em obsolescência até o ano de 2009 (SVTC, 2009). No Brasil, a previsão para 2010 foi de que 10 milhões de computadores seriam vendidos, e em cinco anos, a maioria deles seriam trocados (IBDC, 2009). Tal descarte se dá, na maioria das vezes, sem levar-se em conta a possibilidade de recuperação de outros computadores, utilizando-se peças da própria “massa” rejeitada/descartada. Nos Estados Unidos, apenas 10% dos computadores rejeitados/descartados passam por algum processo de reciclagem (SVTC, 2009) e, mesmo quando essa possibilidade é considerada, existe dificuldade para selecionar o material que pode ser (re)aproveitado numa remontagem.

Observa-se que a produção e consumo de artefatos eletroeletrônicos – principalmente de computadores – tem aumentado no mundo, e o Brasil segue a mesma tendência. O que fazer, então, com a destinação final – segura e sustentável – dessa quantidade de lixo tecnológico/eletrônico produzido pela troca por outros artefatos? Tal questão ganha maior dimensão se levarmos em conta a estatística de troca dos computadores – nos próximos cinco anos – no Brasil. Para Macêdo (2009, p. 44):

Uma solução mais completa exigiria uma conjunção de fatores complexos, necessitando de ações de diversas esferas sociais, como governo, educadores, usuários, fabricantes, comerciantes, empresas de reciclagem, entre outros. Somente com a mudança de atitude de todos esses atores sociais poderão ser alcançadas soluções que minimizem o impacto ambiental causado pelo lixo tecnológico.

Diante desse problema apontado por Macêdo, a reciclagem – uma das alternativas à minimização do impacto ambiental causado pelo lixo tecnológico/eletrônico – também oferece consideráveis dificuldades ecológicas quando aplicada ao computador pessoal. A recuperação de vários tipos de matérias-primas a partir dos rejeitos/descartes envolve processos tecnologicamente difíceis e que apresentam elevado riscos de contaminação ambiental e das pessoas envolvidas no manejo devido à grande quantidade de substâncias tóxicas presentes na máquina (NCM, 1995). Vários cuidados especiais devem, pois, ser administrados na reciclagem desses materiais (PNUMA, 2003). Apesar de as referências supracitadas tratarem de um assunto muito discutido nos diversos meios de comunicação, as datas indicam que, mesmo após tantos anos, a problemática ainda carece de políticas públicas, regulamentações e medidas. Diante do exposto, recondicionar, quando possível, passa a ser a opção mais ecologicamente correta ao tratar de artefatos tecnológicos/eletrônicos descartados. Em outro estudo, já explicamos os conceitos envolvidos no processo de reciclagem:

Genericamente, utiliza-se o termo reciclagem para denominar qualquer método que (re)aproveite um produto após o fim de sua vida útil. Entretanto, existem diferentes abordagens, tecnologias, atores e beneficiários para cada um dos métodos de (re)aproveitamento considerados.

O reuso consiste em (re)colocar um produto sem qualquer modificação de volta à disposição de um consumidor final, que geralmente não é o mesmo consumidor do primeiro ciclo de vida do produto. A remanufatura consiste na revisão, verificação e eventual conserto de um produto novo que foi reprovado num teste de qualidade do próprio fabricante ou pelo cliente dentro do período de garantia, para posterior revenda.

O recondicionamento diz respeito à desmontagem, recuperação, remontagem e, caso necessário, adaptação de um produto que chegou ao fim de sua durabilidade ou se tornou obsoleto, com o intuito de lhe dar uma segunda vida útil.

Por fim, a reciclagem de produtos propriamente dita refere-se à desmontagem total, separação dos componentes de acordo com a matéria de que são feitos, trituração e/ou outros processos específicos, de maneira a produzir matéria-prima para a indústria de outros produtos (CÉSAR et al., 2011, p. 4).

Entretanto, “Reciclar, Recondicionar e Reutilizar” não são as únicas vias para minimizar o problema da quantidade de lixo/sucata tecnológica/eletrônica no/do nosso planeta. Devemos também “Repensar” a forma como estamos consumindo, ou seja, consumir de maneira consciente. O ato de consumir tem que ir além das fronteiras da aquisição para atender uma necessidade imediata ou não, passando a ser um ato político, consciente do seu poder decisório em preservar o meio ambiente.

utilizar o lixo tecnológico/eletrônico nos “espaços contemporâneos de aprendizagem emergentes”20 para auxiliar aos sujeitos envolvidos nas práticas e práxis pedagógicas21

voltadas à educação?

Um exemplo é o Espaço Multirreferencial de Aprendizagem (EMA) de Robótica Pedagógica Livre, que (re)utiliza objetos descartados, em especial o tecnológico/eletrônico, contribuindo para a construção de conhecimento na perspectiva transdisciplinar22.

No entanto, esse espaço requer a mobilização de recursos teóricos e/ou práticos associados às técnicas para auxiliar as práticas e práxis pedagógicas e o uso (ou o melhor uso) das Tecnologias Contemporâneas (qualquer tipo de tecnologia disponível) nesse espaço de aprendizagem que, apesar de incorporadas ao cotidiano dos educandos e educadores, ainda são pouco exploradas. É o caso, por exemplo, das impressoras que modelam objetos tridimensionais – 3D –, podendo fabricar peças para os artefatos danificados e/ou produzidos a partir de sucatas. Elas também são conhecidas como prototipagem rápida, isto é, um modelo tridimensional é desenvolvido computacionalmente, em que modelos de artefatos virtuais são criados por aplicativos/programas/softwares de modelação ou scanners 3D. Esses modelos são desenvolvidos em camadas e a impressão do artefato em 3D é feita por uma disposição de partículas – precisamente aplicadas – de um material (líquido ou plástico) que, após solidificadas a partir dos pequenos pontos, o artefato é construído em camadas finas sobrepostas. Essas impressoras 3D imprimem partes de alguns artefatos com diferentes propriedades físicas e mecânicas e criam, dessa forma, com precisão quase exata, a aparência e funcionalidades dos protótipos.

Ferramentas como a impressora 3D se apresentam, nesse contexto, como importantes aliadas para a prática crítica que se quer não só para o EMA da RPL, mas para todo tipo de prática e de práxis que tem em seu horizonte formas sustentáveis de uso das tecnologias.