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DO MOVIMENTO DA REFORMA AO MÉTODO DIRETO: SAUVEUR E BERLITZ

SEÇÃO 2 – OS CAMINHOS PARA A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO

2.1 DO MOVIMENTO DA REFORMA AO MÉTODO DIRETO: SAUVEUR E BERLITZ

Ao falar de Método Direto, é preciso apontar alguns nomes que contribuíram para a sua definição: Henry Sweet, à frente da Associação Fonética Internacional; Francis Gouin6, cujas

observações deram origem ao Series Method; Lambert Sauveur, com suas práticas de ensino de Francês sem gramática e dicionário e Maximilian Berlitz, criador das escolas e do método Berlitz, que nada mais é do que o próprio Método Direto. Cada um em uma cidade ou país distinto, em suas frentes de trabalho diversas, foram importantes para o que viria a ser conhecido como Método Direto, no final do século XIX. Chagas (1957) afirma que, no ano de 1909, no Congresso Internacional de Línguas Vivas, em Paris, aprovou-se definitivamente o termo Método Direto “para definir a totalidade dos processos usados para o ensino ativo dos idiomas clássicos e modernos” (CHAGAS, 1957, p. 69). Vale ressaltar que o adjetivo “direto” já tinha sido usado com o sentido de um novo processo pedagógico no Congresso Filológico de Estocolmo, em 1886 e, em 1891, os membros da Sociedade para Propagação das Línguas Estrangeiras em Paris já usavam insistentemente o termo Método Direto.

Uma das coisas que mais deu sustentação ao Método Direto foi seu caráter científico, adquirido graças ao desenvolvimento da nova ciência, a fonética, que ocorreu no final do século XIX. Os estudos da fonética criaram um terreno fértil para um importante movimento na história do ensino de línguas, denominado Reforma. O chamado Movimento da Reforma primava por uma metodologia que se baseava na oralidade e evitava a tradução, embora esse

6 François Gouin (1892) foi um defensor do método natural para o ensino de línguas e criador do Series Method,

baseado em suas próprias observações e experiências, descrito em The art of teaching and studying languages. A partir da sua fracassada tentativa de aprender Alemão pelo método tradicional, Gouin passou a observar um sobrinho pequeno que havia aprendido sua língua materna rapidamente. A descrença no aprendizado baseado na memorização uniu-se então às observações do sobrinho e o desenvolvimento natural dele culminaram na criação de um método de ensino natural, que se assemelha ao Método Direto.

último ponto não fosse um consenso entre professores, muito provavelmente pelos longos anos de trabalho com essa ferramenta. A grande contribuição do Movimento da Reforma foi, sem dúvidas, fornecer o caráter científico para o ensino das línguas, com o desenvolvimento do alfabeto fonético internacional, que serviria como base para o trabalho da pronúncia em sala de aula. Henry Sweet ficou conhecido como o homem que ensinou fonética para a Europa, fruto da sua crença de que todo o ensino de línguas deveria ser baseado na fonética, frase com a qual iniciou sua obra intitulada The Practical study of languages, publicada em 1899 (HOWATT; WIDDOWSON, 2009).

Com o alfabeto fonético logo após o prefácio, e antes mesmo da primeira lição, Sweet (1900) se aprofundou na importância do aprendizado da fonética para a aquisição de uma boa pronúncia, tarefa essa que não seria possível apenas por meio da imitação, mas se daria com o conhecimento dos símbolos fonéticos. Tamanha era sua convicção no trabalho com a pronúncia, afirmam Howatt e Widdowson (2009), que ele chegou a inspirar o escritor de teatro George Bernard Shaw na peça intitulada Pygmalion que, mais tarde, chegou às telas de cinema como “My Fair Lady”7.

Howatt e Widdowson (2009) apontam que, paralelamente ao movimento da Reforma, o discípulo de Pestalozzi, Gottlieth Hennes, começou a experimentar as técnicas de aulas com objetos e, juntamente com Lambert Sauveur, abriu a Escola de Línguas Modernas em Boston, em 1869, nos Estados Unidos, o que despertou a atenção e o interesse primeiro local e, depois, nacional. O método por eles utilizado, tido como natural, envolvia o uso intenso da língua estrangeira em sala em conversas com os alunos, desde o primeiro dia. Sauveur é autor de The

teaching of living languages without grammar or dictionary (1875), obra em que descreveu o

sistema de ensino que utilizava para ensinar Francês aos seus alunos nos Estados Unidos. Como o próprio título da obra já sugere, o método utilizado por Sauveur não incluía gramática nem dicionários, era baseado em constantes conversas e no uso da língua oral a ser utilizada desde o primeiro dia de aula. Certo da eficácia do seu sistema de ensino, o autor acreditava que seu “trabalho era uma resposta à uma necessidade real e um dia se tornaria o manual para todas as escolas”8 (SAUVEUR, 1875, p. 4).

7 Em My Fair Lady, um professor de fonética, intitulado Henry Higgins, tenta transformar uma cidadã que não

fala o inglês tido como correto para a época em uma duquesa. Embora não seja uma representação exata de Sweet, o outro Henry, o Higgins, tem “traços de Sweet”, ao mostrar-se muito preocupado com o estudo da língua inglesa a partir da fonética, e chegando a desenvolver, para tanto, vários equipamentos para auxiliar a jovem a pronunciar as palavras na forma “mais correta”, ou seja, naquela esperada pela classe mais abastada da época (HOWATT; WIDDOWSON, 2009, p. 2000).

8 My work answers a real need and will one day become the manual of all the schools. (Texto original, tradução

O estudo da gramática, segundo Sauveur (1875), traria grande sofrimento, além de retirar todo o vigor e o frescor da mente, o que não era necessário nem para os alunos em nível avançado, que, mesmo que resolvessem abrir uma gramática, ririam do que estava ali escrito, uma vez que já haviam aprendido tudo que lá havia, sem precisar decorar regras. O modelo de aula baseado em uma intensiva conversação entre professor e aluno, com o uso frequente de gestos e objetos do dia a dia, e sempre na língua que se desejava aprender, quando conduzido por professores inteligentes e bem-educados, tornaria possível a manutenção da atenção dos alunos por duas ou três horas, sem que se distraíssem. Nesse sistema de ensino, a pronúncia também era importante e os alunos deveriam acostumar os ouvidos aos sons da língua estudada e, só depois disso, com no mínimo um mês de aula, os estudantes teriam acesso aos livros (SAUVEUR, 1875).

Embora Lambert Sauveur não tenha chamado suas práticas de método, mas de sistema, é possível encontrar muitas referências ao Método Direto. A exclusão do estudo da gramática, o uso da língua que se deseja estudar desde o primeiro dia de aula, a proibição da tradução e do uso do dicionário, além da centralidade do ensino na habilidade da fala aproximam muito o sistema de ensino de Sauveur ao Método Direto, que viria a ser disseminado no mundo, principalmente, pelas escolas Berlitz.

Segundo Howatt e Widdowson (2009), nos Estados Unidos da América, o trabalho por meio do método natural de Sauveur atingiu o sucesso e foi considerado, na época, o maior desenvolvimento no tocante ao ensino de línguas no país. No entanto, o grande disseminador do Método Direto, que a título de curiosidade, não o chamou de Método Direto, mas de Método Berlitz, foi Maximilian Berlitz, fundador das escolas que levam o seu nome e estão presentes em diversos países do mundo até os dias de hoje.

O Método Direto nasceu em um momento de grande imigração dos Estados Unidos, quando a necessidade era de se comunicar em Inglês, não mais de aprender uma língua estrangeira para ler os clássicos da literatura. Berlitz, como Sauveur, era imigrante. A primeira escola Berlitz data de 1878 e, de acordo com o site oficial, Maximilian precisou se afastar da escola e deixou o jovem imigrante francês Joly, ainda inexperiente, dando aulas de Língua Francesa, por possuir domínio do idioma. Sem um método de ensino definido, e com conhecimento zero de Inglês, as instruções de Berlitz para o Joly foram para que ele conversasse com os alunos, demonstrasse os verbos, apontasse para objetos e desse os nomes. Certo do fracasso, ao retornar à escola, Berlitz foi surpreendido ao ver que a turma estava de fato aprendendo a se comunicar em Francês. “O método direto aparentemente havia sido descoberto

duas vezes em dez anos e virtualmente no mesmo lugar”9, com Sauveur e Berlitz (HOWATT e

WIDDOWSON, 2009, p. 223-224).

Berlitz pôde comprovar o que há muito se defendia, que o ensino de qualquer idioma é consolidado mais facilmente a partir das práticas orais, que privilegiem as experiências e os objetos, em detrimento do trabalho gramatical extenuante. Assim, o autor, no prefácio de sua obra Método-Berlitz para la ensenanza de idiomas modernos: parte española, ao dar instruções sobre como utilizar seu material, afirmou que “antes de utilizar o livro, deverão ser feitas as nove primeiras lições oralmente a fim de que o discípulo imite a pronúncia do professor”10

(BERLITZ, 1912, p. II). Também deveriam ser evitadas quaisquer práticas de tradução, que seriam maléficas para o aluno, levando-se em consideração que o afastaria da língua alvo e o deixaria cada vez mais refém da gramática. Ao trabalhar na própria língua que se deseja ensinar, o aluno não somente entra em contato com as letras e palavras, mas, principalmente, com “o costume especial da fala de uma nação”11 (BERLITZ, 1912, p. I), o que faz com que as situações

tenham mais sentido e o aluno consiga internalizar mais facilmente conteúdos e contextos comunicativos.