• Nenhum resultado encontrado

O ensino de Inglês na educação secundária pela Reforma Capanema

SEÇÃO 3 – O ENSINO DE INGLÊS NO BRASIL: LEGISLAÇÃO,

3.5 A REFORMA CAPANEMA

3.5.2 O ensino de Inglês na educação secundária pela Reforma Capanema

A nova proposta de ensino secundário brasileiro assinada por Capanema previa uma reestruturação do curso em dois ciclos: o primeiro, com duração de 4 anos, denominado ginasial, e responsável por fornecer os elementos essenciais para o nível de estudo, e um ciclo posterior, de 3 anos e com duas vertentes distintas: um destinado à formação do intelecto, chamado de clássico, e um voltado para as ciências, chamado de científico. Ao novo curso secundário, cabia o preparo para níveis mais especializados de estudo, bem como a formação da personalidade da juventude brasileira, ao passo que contribua para a formação espiritual dos adolescentes, a consciência patriótica e humanística (BRASIL, 1942a). O quantitativo total de anos dedicados aos estudos em nível secundário permaneceu inalterado e, se compararmos com

o estabelecido por Campos, em 1931, perceberemos apenas uma alteração de configuração, já que passou de 5 + 2 para uma perspectiva de 4 + 3.

No curso ginasial, o primeiro ciclo do novo ensino secundário, o Inglês permanecia nas mesmas séries em que estava desde a Reforma Francisco Campos, na segunda, terceira e quarta séries, com o diferencial de que, agora, o quarto ano era o último do ciclo. O Francês também seguiu presente nas mesmas séries em que havia sido determinado, em 1931: primeira, segunda, terceira e quarta. Com relação ao curso complementar clássico, mais voltado para as humanidades, e com a inserção de línguas como o latim e o grego, o Inglês aparecia como opção, juntamente com o Francês, nos dois primeiros anos do ciclo. No curso científico, o Inglês e o Francês estavam presentes nos anos um e dois do ciclo (ambas as línguas como fixas e não como optativas entre uma e outra) (BRASIL, 1942a). Se o Inglês tinha uma carga horária menor no curso ginasial, agora ele havia igualado a do Francês no ciclo complementar, o que aponta para um aumento do prestígio da língua, agora de Tio Sam e não mais da rainha da Inglaterra.

O Decreto-lei n. 4.224, mais conhecido como a lei orgânica do ensino secundário, definiu diversos elementos da vida escolar, como duração do ano letivo, exames de admissão, certificados, inspeção dos estabelecimentos do ensino secundário, matrícula e etc. Nessa peça legislativa (BRASIL, 1942c), ficou definido que a conclusão tanto do primeiro quanto do segundo ciclo do ensino secundário deveria ser seguida da realização de exames de licença. O Inglês estava presente em todas as provas, e era exigido, juntamente com o Francês, para efeitos de finalização do ciclo ginasial. Ao finalizar o segundo ciclo, para as provas de línguas vivas, os alunos deveriam escolher dois idiomas entre Inglês, Francês e Espanhol.

Em sua exposição de motivos, Gustavo Capanema (BRASIL, 1942e) reforçou a ideia de que, desde Francisco Campos, o ensino secundário deixou de ser apenas um meio de passagem para o ensino superior, e caracterizava-se por ser uma etapa importante dos estudos, com o objetivo principal de formar a personalidade adolescente. Capanema apontou, ainda, que o número de instituições de ensino secundário no Brasil passou de 200, em 1931, para 800, em 1942, o que corrobora com a assertiva de Nunes (1999), ao destacar o crescimento no número de alunos que cursavam o ensino secundário no Brasil.

No que diz respeito ao ensino das línguas estrangeiras, Capanema (1942c, s/n) justificou a permanência do Francês e do Inglês “dada a importância dêsses dois idiomas na cultura universal e pelos vínculos de tôda sorte que a êles nos prendem”. Adicionou-se, a essas línguas, o Espanhol e, assim, os estudantes do ensino secundário teriam 3 línguas vivas no currículo, além do estudo facultativo do Alemão e do Italiano, em decorrência da limitação de tempo e

capacidade pedagógica. Embora a justificativa da retirada do Alemão e do Italiano tenha recaído sobre o limite de tempo e propriedade pedagógica dos professores do curso secundário, é importante destacar que o ano de 1942 foi marcado pela tomada de posição do Brasil na II Guerra Mundial e seu rompimento com os países do eixo, a saber: Alemanha, Itália e Japão. Ademais, a explicação para a inserção do Espanhol como língua estrangeira, de forma a possibilitar uma “maior e mais íntima vinculação espiritual com as nações irmãs do continente”, pois se tratava da “língua nacional do maior número dos países americanos”, está totalmente relacionada com a política da grande nação aliada do Brasil na guerra, os Estados Unidos, que primavam pela unificação das Américas. Assim, a escolha das línguas estrangeiras foi uma escolha notadamente política e estratégica para o contexto em que as Américas viviam. Logo, o Brasil, ao adotar o Espanhol, estaria em consonância com a proposta de solidariedade hemisférica, bandeira defendida por Washington para esconder os seus objetivos bélicos e imperialistas.

Por meio da Portaria Ministerial n. 170, de 11 de julho de 1942, foram expedidos os programas de ensino das línguas, além de ciências, do primeiro ciclo do novo ensino secundário brasileiro (VECHIA; LORENZ, 1998), tendo como base o Colégio Pedro II. O programa de Inglês da segunda e da terceira série consistia de dois elementos: exercícios e gramática. Na quarta série, os conteúdos eram divididos em leitura, gramática e outros exercícios. Na seção

Exercícios, tanto da segunda quanto da terceira série, as orientações dos trabalhos eram as

mesmas, mudavam apenas as temáticas indicadas. Esse estudo englobava “a conversação, a leitura e os demais exercícios orais ou escritos” (VECHIA; LORENZ, 1998, p. 352). Os assuntos sobre os quais esses trabalhos deviam girar no segundo ano eram mais basilares, sobre a escola, os números, as cores, entre outros. Ao passo que, na terceira série, as temáticas eram mais de preparação para a vida adulta, ao abordar temas como vida social, vida cívica, o comércio e etc. Para o trabalho gramatical, havia a indicação que esse deveria ocorrer com base na leitura, “a medida que os casos ocorrem”, e deveria limitar-se a uma unidade (VECHIA; LORENZ, 1998, p. 352). Na série final, os alunos deveriam realizar a leitura de trechos em prosa e verso, de assuntos relacionados à vida nos países anglófonos, além da civilização inglesa e norte-americana e sua influência. A gramática, com um conjunto mais abrangente de tópicos, aparece dividida em 3 unidades e deve ser trabalhada com o apoio da leitura. A seção Outros

exercícios determinava os exercícios de ampliação de vocabulário, de redação e composição,

de pronúncia e ortografia, de tradução e versão, além de exposições orais de trechos das obras lidas.

A proposta de inserção do ensino da civilização estrangeira na aula de línguas, presente na Reforma Francisco Campos e Capanema,

adquiriu ênfase no fim do século passado. No Congresso dos professôres de línguas de Leipzig (1900), ficou estatuído que a leitura deveria ter como fim principal iniciar o aluno no conhecimento dos costumes do povo estrangeiro, da sua vida econômica e industrial, do seu gênio nacional (SCHMIDT, 1935, p. 219).

A análise dos programas de ensino dos dois primeiros anos dedicados ao ensino de Inglês no ciclo ginasial do ensino secundário mostra um trabalho divido entre a conversação, a leitura, a gramática e o estudo do vocabulário. As temáticas permaneceram relacionadas à vida dos alunos, como prescreve o Método Direto, mas a gramática voltou a ter um papel de destaque, embora houvesse a instrução para que o seu ensino fosse feito à medida em que os casos ocorressem, o que dá um toque de ensino intuitivo. No entanto, o Método Direto proíbe qualquer explicação explícita de regras gramaticais e o uso da tradução, o que deixa o programa, no mínimo, incoerente com a proposta defendida pelo método definido. O estudo de Inglês no ano final se assemelha ao previsto para a última série do ensino secundário de Francisco Campos, ao dar atenção à leitura sobre a vida dos países de Língua Inglesa. Vale ressaltar, entretanto, que diferente da orientação de Campos, mais genérica quanto às nações, em 1942, a civilização norte-americana estava mencionada, juntamente com a inglesa, cuja leitura deveria ser feita também sobre sua irradiação e influência, o que demonstra uma mudança na forma de ver os Estados Unidos, que já estavam com a Política da Boa Vizinhança a todo vapor. Um mês após o lançamento da Portaria Ministerial, o Brasil entraria na II Guerra Mundial, ao lado dos norte-americanos.

Diferente do ensino ginasial, como apontam Vecchia e Lorenz (1998), em que não havia uma menção direta à leitura dos cânones literários, esse era um dos elementos que regia os estudos de Inglês nos ciclos clássico e científico: Noções de história da literatura inglesa,

gramática, leitura e outros exercícios. O estudo dos dois anos do ciclo complementar, no

tocante à literatura, apresentaria aos alunos um panorama dos autores desde a era medieval até literatura política, com Franklin, Jefferson e Lincoln, além de autores contemporâneos. A leitura ainda servia de apoio para o estudo da gramática, que, a partir daquele momento, deveria ser feita das obras dos melhores autores ingleses e norte-americanos. No segundo ano, os alunos deveriam aprender, dentro do elemento Gramática, traços capazes de diferenciar o Inglês britânico do americano, como pronúncia, ortografia entre outros. Na segunda série, a seção

Outros Exercícios compreendia redações, traduções e exercícios de exposição oral. A série

seguinte englobava os mesmos elementos e adicionava a leitura de revistas e jornais norte- americanos, além de exercícios de recitação de diálogo e aprendizado de expressões de gíria.

O curso complementar demonstra, pela valorização dos textos literários, a força que a leitura dessas obras ainda tinha para a formação da juventude na sociedade brasileira. Isso, associado ao estudo de regras gramaticais, afasta bastante o ensino de Inglês dos ciclos complementares do que preconiza o Método Direto. Alguns elementos, no entanto, estão de acordo, como a novidade que é o estudo de gírias, uma vez que o Método Direto defende o uso da língua do dia-a-dia, ao passo que refuta a literatura como ferramenta de sala de aula. Mas o que oferece sustentação verdadeira a esse ensino encontra suas bases muito mais voltadas para o Método da Gramática e Tradução do que para o Método Direto de fato. Outro ponto que chama a atenção é, sem dúvida, a consolidação dos Estados Unidos, não só como nação cuja língua devia ser estudada e que apresentava diferenças da língua falada na Grã-Bretanha, mas como país que deveria ser admirado. Isso fica ainda mais evidente ao percebermos que os estudantes do ensino clássico e científico deveriam ler obras de ex-presidentes norte- americanos. Soma-se a isso o fato de que eles também deveriam ler jornais e revistas norte- americanas. Tais mídias tiveram sua circulação grandemente incentivada pela Política da Boa Vizinhança, que trouxe para o Brasil revistas como a Seleções da Reader’s Digest, como forma de vender o American way of life, além de forjar um sentimento de união entre as Américas.

Nas instruções metodológicas para o ensino de Francês, estabelecidas pela Portaria Ministerial n. 114, de 29 de janeiro, de 1943 (BRASIL, 1943b), e cuja orientação didática procurou-se imprimir também no Inglês, como afirma Chagas (1957), consta que o ensino deveria ser “pronunciadamente prático” (BRASIL, 1943b, s/n) , realizado pelo Método Direto. No entanto, Chagas (1957) aponta que todas as orientações situam as práticas no âmbito do “método científico”, defendido por Schmidt. Pela análise das instruções, o ensino das línguas vivas estrangeiras tinha três objetivos: instrumentais, educativos e culturais. Os objetivos instrumentais envolviam o desenvolvimento da leitura, escrita, audição e fala do idioma; os educativos davam conta de formar a mentalidade da juventude; e os culturais estavam relacionados ao conhecimento das civilizações estrangeiras juntamente com a compreensão das ideias e tradições de outros povos.

Com relação ao trabalho vocabular, a legislação colocou-se contra uma prática muito comum no Método da Gramática e Tradução, e fortemente criticada pelo Método Direto, que é a criação das listas de palavras. O estudo lexical defendido pela Portaria Ministerial n. 114

(BRASIL, 1943b) deveria ser feito de forma contextualizada, com a palavra em uso em uma frase e associado ao ensino da pronúncia. Pode-se, ainda, fazer uso de diferentes ferramentas, como objetos da sala de aula, relógios de papelão com ponteiros móveis, calendários, entre outros, para que fosse possível o estabelecimento de uma associação entre a ideia e o léxico. A legislação indicava, também, o uso de livros da série Gouin. No que diz respeito ao trabalho gramatical, este deveria ser feito de modo ocasional e à medida que ocorressem, nas séries iniciais, e de maneira sistemática, na(s) série(s) seguinte(s). A tradução deveria ser utilizada apenas no ano final do estudo (BRASIL, 1943b).

Mais tarde, em 1946, a Portaria Ministerial n. 5, de 2 de janeiro de 1946, estabeleceu a carga horária das disciplinas no ensino secundário. A partir de então, no curso ginasial, o Inglês deveria ter 3 horas de aula semanais em cada um dos 3 anos em que estava presente (segundo, terceiro e quarto). O Francês tinha 3 horas na primeira série e 2 horas na segunda, terceira e quarta séries. No ensino clássico com Grego, o Inglês ou o Francês deveria ser escolhido, com 3 horas de aula na primeira série e 2 horas de aula na segunda série e, na modalidade sem grego, o Inglês e o Francês coexistiam, sem necessidade de escolha, com a mesma carga, a saber: 3 horas na primeira série e 2 horas na segunda série. No curso científico, para o estudo de Inglês, dedicavam-se 2 horas semanais na primeira e na segunda séries (BRASIL, 1952). Assim, é interessante apontar que, em todos os cenários, o Inglês atingiu a mesma carga horária total de estudos que o Francês, o que valida a teoria de que a circulação de ideias e produtos norte- americanas no Brasil, em especial a partir da década de 30, patrocinado pela Política da Boa Vizinhança como forma de consolidação dos Estados Unidos como potência mundial e agregação de aliados para a II Guerra Mundial, promoveu uma mudança no status da Língua Inglesa, que começou a ter mais prestígio no Brasil, mesmo com a presença do sentimento de antiamericanismo.

Chagas (1957, p. 98) afirma que na Reforma Capanema, exceto nas orientações para o Espanhol, “recomendou o que de mais avançado havia na época [...] para o ensino das línguas modernas na escola secundária”. No entanto, o autor aponta que muitos dos professores sequer eram capazes de elencar os preceitos do Método Direto, que havia sido definido na legislação. Para Chagas (1957, p. 99), muito pouco do que estava descrito chegou de fato a acontecer nas salas de aula de língua estrangeira, que permaneceram limitadas a “gramatiquice inoperante” ou ao “indefectível ‘leia e traduza’”. Quando alguns poucos professores tentavam estabelecer um diálogo, na maioria das vezes, restringia-se à atividade mecânica de devolução de perguntas

do texto, parte por culpa da falta de estrutura das escolas, parte por conta da falta de formação pedagógica dos professores de línguas. Assim, o autor conclui que era preciso haver

a realização de uma autêntica reforma, porém reforma de mentalidade, com base não apenas no passe de mágica de decretos, regulamentos e portarias, mas antes, realisticamente, na melhoria das escolas, no alargamento das oportunidades e, sobretudo, no intensivo aperfeiçoamento técnico-pedagógico dos quadros docentes (CHAGAS, 1957, p. 101).

Em 1957, ano da publicação da obra de Chagas, o autor atestou que “a reforma de 1942 ainda não foi executada, simplesmente porque não houve quem a executasse naquilo que ela tem de mais valioso: a sua moderna orientação pedagógica” (CHAGAS, 1957, p. 100). Logo, é possível afirmar que, embora o Método Direto continuasse a ser prescrito pela legislação, diversos fatores o impediam de chegar a ser utilizado de fato, seja pela carga horária insuficiente, pela falta de formação de professores e/ou pela falta de estrutura apropriada das escolas brasileiras. Soma-se a esses elementos, o fato de que a própria legislação era equivocada, uma vez que determinava tanto o Método Direto quanto o ensino de gramática, que era condenada pelo método. Tal fato nos mostra que apenas a emissão de leis e portarias não é capaz de alterar a forma já consolidada com a qual o ensino das línguas estrangeiras era realizado, pelo antigo Método da Gramática e Tradução, tampouco serve para mudar o que uma sociedade valoriza no ensino e, no caso das línguas estrangeiras, ainda se mantinha uma grande importância atrelada à leitura dos clássicos literários. O que nos leva a reflexão de que “Decretos, leis, portarias governamentais ou ministeriais não têm força suficiente para impor reformas educacionais, se não correspondem à estrutura social dominante” (NUNES, p. 16, 1999). Sem investimento estrutural nas escolas e na formação dos professores, de forma a permitir uma mudança de mentalidade educacional nos docentes, pouco adianta uma lei trazer o que havia de mais moderno no ensino.

Com o estudo das reformas de Francisco Campos e Gustavo Capanema, e a constatação de uma proposta de modernidade de ensino nas peças legislativas, a presença dos Estados Unidos é percebida, principalmente após a criação do Birô interamericano. É importante, contudo, uma análise das relações estabelecidas entre esses dois países, no que se refere à relação entre sentimento de americanismo e antiamericanismo encontrado nas várias instâncias da sociedade.