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1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1.7. Do mundo da leitura para a leitura do mundo

O ato de leitura passa por um processo complicado que tem início na elementar decodificação grafofonémica e continua no seu aspeto mais abrangente de atribuição de um significado a esta mesma decodificação (cf. Rigolet, 1997:25):

«Toda a significação funcional da leitura está presente na criança desde o seu nascimento: a leitura, no seu valor afetivo e relacional, é um constituinte do seu meio de vida como a palavra» (Foucambert, 1976, apud Rigolet, 1997:26).

Apenas se torna possível a existência do valor efetivo da leitura ao se criar uma relação entre o livro, o seu conteúdo e o leitor. Para uma melhor compreensão, o conteúdo que é capturado no ato de leitura deve ser relativo à experiência vivida pelo leitor, logo, abundante em expressão de afetos. É através destes afetos que o leitor poderá deparar-se com um fiel retrato dos sentimentos provocados pelas suas próprias vivências (cf. Rigolet, 1997:27).

No entanto, de maneira a que este mundo possa ser visto como uma verdadeira riqueza cultural, o dever do educador/professor passa por submeter a/o criança/aluno a uma aprofundada observação desse mundo, com o objetivo de a/o introduzir, lentamente, naquilo que é a sua cultura e de nela moldar a capacidade de observar e opinar sobre tudo o que a rodeia (cf. Rigolet, 1997:28):

«Saber olhar para poder aprender, aprender para saber comunicar» (Rigolet, 1997:28).

Veremos três estádios de desenvolvimento de leitura. Comecemos, então, com o da confirmação. Neste estádio, o conteúdo relaciona a criança com os elementos agregados à sua vida, acontecimentos por ela sabidos. De seguida, temos o estádio da informação, «cujo conteúdo vai constituir uma expansão da […] experiência [da criança] e será assim ligado ao […] futuro [da criança]» (Rigolet, 1997:42). Por fim, deparamo-nos com o estádio da invenção, em que a criança tem acesso ao mundo da fantasia, deixando espaço aberto à imaginação (cf. Rigolet 1997:42).

A criança encara a história como uma aprovação da sua experiência de vida, do que ela conhece do mundo que a rodeia (cf. Rigolet 1997:43).

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Tive por referência a obra, de Sylviane Angéle Neves Rigolet, intitulada Leitura do Mundo, leitura de livros: da estimulação precoce da linguagem escrita (cf. capítulo 5, infra).

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Posteriormente, a história poderá representar, para a criança, o prolongamento da sua experiência e, deste modo, haverá uma verdadeira procura de informação. Todo e qualquer acontecimento novo na vida quotidiana da criança será um excelente meio de expansão cognitiva e linguística (cf. Rigolet 1997:243).

Através da história, a criança obterá uma nova visão do mundo, que será, cada vez mais, alargada pela aquisição de novos conceitos, aquisição esta que será feita a partir de novos vocábulos (cf. Rigolet 1997:43).

A mensagem transmitida pela história terá de ser interpretada pela criança tendo em conta a sua vivência para, através dela, se poder movimentar até à fantasia, que será assim, “voar mais alto”, isto é, ir além do conhecido ou do possível (cf. Rigolet 1997:44).

Tendo em consideração o que acima está explicitado, talvez pudéssemos afirmar que esta nova informação, quando atinge a invenção e o conto de fadas, ou seja, quando põe em prática toda a imaginação criativa (do autor) e recriativa/recreativa (do leitor e de autor e leitor), poderá ser mais do que isso, mais exatamente, a revogação do mundo real (cf. Rigolet 1997:44).

Falar de história significa, mais cedo ou mais tarde, falar de literatura. Esta última, na categoria de infantil, pode ser vista de quatro pontos diferentes, embora, intimamente relacionados (cf. Rigolet 1997:45):

«O do contador: ele transmite, pelo código, uma mensagem implícita através de um discurso manifesto, explícito. Parece-nos importante sublinhar que ele é também um leitor da vida.

«O do ouvinte ou leitor, a quem se destinam as mensagens: segundo as diferentes etapas do seu desenvolvimento, ele só muito progressivamente será capaz de deixar o seu ponto de vista de “leitor egocêntrico”, para aceitar ou rejeitar o ponto de vista de “leitor do mundo distante dele”, representado pelo autor através das suas personagens.

«O do livro, que transmite vários tipos de mensagens através: do código verbal escrito, ou seja, a comunicação distal; da presença ou da ausência das suas ilustrações; do material que o constitui.

«O de mediador entre o livro e o seu destinatário – a criança: ele representa a pessoa que vai servir de transmissor da mensagem à criança enquanto esta ainda não é capaz de apropriar-se sozinha dos conteúdos do livro. Aqui, gostávamos de realçar a importância da atitude global do mediador, que inclui todos os paraverbais, como, por

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exemplo: a mímica, os gestos, a expressão corporal, a voz nas suas várias componentes supra-segmentais: altura do tom, entoação dada (a melodia), o débito (velocidade do fluxo verbal), a intensidade, etc.» (Rigolet, 1997:45-46).

No princípio, o mediador estabelece a relação entre o discurso feito e as vivências que o próprio conhece (ou que supõe serem) da criança, com o intuito de a levar, progressivamente, à decodificação da mensagem contida (cf. Rigolet, 1997:46).

A afirmação de que «[a] criança tem mais prazer em ouvir histórias contadas do que lidas» (Rigolet, 1997:48) leva-nos a crer que, aqui, entra de novo o mediador. Este adequa o seu discurso ao nível do da criança e, deste modo, consegue captar as suas reações e interpretá-las (cf. Rigolet, 1997:48).

O à-vontade na comunicação e o prazer são as peças fundamentais da aprendizagem. A criança prefere a repetição de factos ao invés de uma situação nova, pois, enquanto a repetição a coloca numa situação confortável de resolução, uma situação nova coloca-a à prova, ou seja, torna-se num desafio a que, numa fase precoce do desenvolvimento, nem sempre consegue corresponder (cf. Rigolet, 1997:52).

Deste modo, um livro deverá ser elaborado de maneira a incluir a repetição e a conter poucas palavras novas, para que a criança consiga substituí-las facilmente por sinónimos pertencentes ao léxico que conhece. É importante referir, ainda, que a linguagem utilizada deverá ser funcional, de modo a que a criança consiga decodificar o texto (cf. Rigolet, 1997:52-53).

Um tema pode e deve ser abordado várias vezes, de diferentes maneiras e de modo progressivo, respeitando, assim, os objetivos do ensino temático. Desta maneira, o educador/professor estará a contribuir para o desenvolvimento sociocognitivo e psicolinguístico da criança (cf. Rigolet, 1997:64-65).

Para que a criança seja bem-sucedida na sua leitura, isto é, para que esteja motivada e aprenda algo de útil, é essencial que o educador/professor tenha noção do conteúdo do livro com que venha a confrontar a criança (cf. Rigolet, 1997:66).

Estar no papel de orientador não é tão linear quanto parece. Tal papel pressupõe que o orientador esteja constantemente em estado de alerta, de modo a conseguir perceber o nível de compreensão e de motivação em que a criança se encontra. Ao desenvolver estes parâmetros, o orientador consegue dar resposta às necessidades da criança da melhor forma possível. Mas o seu trabalho não fica por aqui; tem, ainda, o dever de planificar antecipadamente a sua atividade, desde a escolha do livro até à estratégia de exploração do mesmo, estratégia esta que deve ter em conta as

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necessidades individualizadas de cada aluno. De maneira a concluir a atividade pelo que tende a ser o mais correto, o educador/professor tem de ter a agilidade de propor uma discussão coletiva, que antecederá a realização da atividade (cf. Rigolet, 1997:68).

Torna-se essencial realçar a importância de trabalhar a capacidade de síntese do aluno. Paralelamente a este nível de aprendizagem, deve-se aproveitar para trabalhar o conceito de elaboração de uma redação. Assim, indo do simples para o complexo, é bom que se comece sempre por uma história sequenciada, nunca esquecendo a importância das suas imagens, para que a aprendizagem tenha sucesso. O objetivo passa por mostrar à criança que, a partir de algo tão básico, é possível construir uma história já com uma certa complexidade linguística. Para que o aluno seja bem-sucedido, o adulto terá de persistir na coordenação entre as ideias, entre as frases, e os parágrafos, não esquecendo os critérios de encadeamento lógico, firmados com termos linguísticos específicos. Chegando às conclusões, aqui, o papel do adulto será auxiliar o aluno a deduzir a lição moral da história (cf. Rigolet, 1997:108-109):

«O mundo não terá mudado, mas a leitura que ele fará deste mundo é que nunca mais será a mesma!» (Rigolet, 1997:109)

A cada leitura que a criança faça, serão captadas cada vez mais e melhores informações, o que a levará a desvendar outros mundos com prazer (cf. Rigolet, 1997:109).

No final de contas, o objetivo de tudo isto é proporcionar à criança uma metodologia de aprendizagem em que esta alcance uma nova forma de abordar o mundo, principalmente o da escrita. Assim, a criança terá acesso a um sentimento positivo de sucesso, o que a deixará mais motivada para aprendizagens posteriores (cf. Rigolet, 1997:110).

Ao ter interiorizado, voluntária ou involuntariamente, as estratégias incutidas, sentir-se-á capaz de as colocar em prática aquando da abordagem de novas tarefas, pois a criança já consegue encarar qualquer que seja a aprendizagem mais facilmente: «A autoconfiança nas suas capacidades, a sua segurança, reforçarão a sua motivação em aprender, o sucesso favorecendo o sucesso» (Rigolet, 1997:116).

A autora Rigolet (1997:123) cita Freinet, que nos diz que «[o] erro dos métodos tradicionais […] de partir dos textos dos escritores para pretender ensinar a língua [é que] [n]a base, na origem, são sempre necessárias a expressão e a criação pessoais»:

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«A criança deverá sempre sentir e conservar a necessidade de escrever, necessidade que a tornará capaz de superar todas as dificuldades» (Freinet, apud Rigolet, 1997:124).

Em jeito de conclusão, podemos afirmar que pôr de parte qualquer espécie de tentação didática e escolar é o fator essencial para que seja permitido à história e ao escritor agradar à criança. O autor terá a sensibilidade necessária para que seja possível manter-se ao nível de compreensão e de produção linguísticas da criança; assim, no que concerne à leitura, a criança encontrar-se-á num estado de confirmação, informação ou invenção (cf. Rigolet, 1997:124).

Partilhamos das palavras de Freinet, que Rigolet cita (1997:124): «o próprio da pedagogia é introduzir nos processos de expressão das crianças o elemento afetivo».

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2. DA TEORIA À PRÁTICA

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