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DO OLHAR INTERNO E DO OLHAR EXTERNO – A TRIANGULAÇÃO

Neste item, registra-se uma síntese, um entrelaçar do entendimento capturado nos olhares múltiplos de alunos, servidores, alunos evadidos e pais de alunos freqüentes, visando aclarar os pontos onde esses se alinham ou se conflitam, no que tange ao conhecimento gerado por eles sobre a evasão-permanência na instituição total de ensino técnico − o Colégio Agrícola de Frederico Westphalen da Universidade Federal de Santa Maria − objeto do estudo.

A convergência da percepção dos atores institucionais, impregnada da implicação da pesquisadora, aponta a evasão como parte do cotidiano escolar deste estabelecimento de ensino, assim como o fato dela advir de uma multiplicidade de fatores, ou seja, é complexa.

Dos múltiplos olhares, conclui-se que as causas da evasão-permanência estão relacionadas à dificuldade de adaptação dos alunos num ambiente totalmente estranho para eles. A isso se soma a fase da vida em que eles se encontram – a adolescência, o que torna ainda mais difícil a separação da família que, para a maioria deles, acontece pela primeira vez.

Outra causa bastante evidenciada resulta de problemas advindos do relacionamento com os alunos veteranos, incluindo aqui o trote, trazendo à tona a questão das relações de poder entre alunos há muito instituídas dentro do colégio.

Apresenta-se, ainda, como causa da evasão, segundo os múltiplos olhares, a precariedade e inadequação da infra-estrutura dos alojamentos. Oportuno se faz registrar a definição de infra-estrutura escolar apresentada por Batista e Odelius (1999, p. 161) como:

Um conjunto de aspectos que servem de suporte para as atividades que caracterizam a dinâmica da instituição escolar e que informam sobre as condições de trabalho, que influenciam de forma mais ou menos direta o processo de ensino e aprendizagem.

Além disso, Roché (2002, apud ABRAMOVAY; CASTRO, 2003, p. 281) chama a atenção para o fato de que:

[...] espaços em comum podem criar sentimentos de rejeição ou de solidariedade para defender as regras formais e informais de vida coletiva. Quando as regras comuns são quebradas, e que se manifesta por meio da falta de cuidado com o espaço físico, pode-se cair em uma espiral de indiferença e degradação que engendra conseqüências na vida de todos os atores sociais, ao contrário, quando o espaço é protegido e respeitado existe um sentimento de bem-estar e de coesão da comunidade escolar. .

Diferentemente dos achados na literatura, relativos a evasão em estabelecimentos de ensino tradicionais (que não funcionam em regime de internato), que também constatam ser:

variadas as razões apresentadas para abandonar a escola, mas predominam as relacionadas com situações de classe, como a necessidade de trabalhar ou, em algum momento da história de vida, não ter meios para se manter na escola, questões que bem ilustram os condicionantes socioeconômicos exógenos à escola que reproduzem exclusões sociais. (ABRAMOVAY;CASTRO, 2003, p.564)

A percepção da evasão-permanência sob os múltiplos olhares aponta para a multiplicidade de causas da evasão-permanência neste estabelecimento de ensino, mas a maior parte delas está relacionada a questões de infra-estrutura institucional e relacionamento entre os alunos, o que deixa evidente a responsabilidade da instituição quanto a formas de prevenção.

Enfim, como já citado, é impossível dissociar qualidade de ensino de infra-estrutura, neste cenário, apresentam-se, como formas de prevenção da evasão na instituição:

b) o melhor aproveitamento do período de adaptação (aumentando o número de dias e de servidores envolvidos);

c) a realização de um trabalho junto aos alunos veteranos e estagiários, no sentido de chamar a atenção sobre a importância do respeito da parte deles para com os alunos do primeiro ano (bixos).

Outro aspecto importante constatado nessa análise sobre a evasão-permanência na instituição conduz à necessidade de um profissional diferenciado para trabalhar em uma instituição total de ensino, considerando as características da instituição bem como da clientela a ser atendida, o aluno interno na fase da adolescência.

Nesse sentido, vislumbra-se na figura do “cuidador”24 o profissional ideal para atuar

nesse cenário. Acredita-se, para tanto, ser necessário haver mudanças na maneira de conceber o significado da educação. Ou seja, o ato educativo só pode se concretizar a partir de uma práxis pedagógica embasada na relação de respeito entre educador-educando, tanto no plano intelectual como no plano da sensibilidade, dos sentimentos e das emoções.

Nesse sentido, Saupe e Budó (2006, p. 328) colocam a importância do estabelecimento da relação direta entre o cuidado e a educação, proposta na década de 1970 por uma psicóloga norte-americana, ao cunhar o termo educare a partir das palavras inglesas education e care. O termo passou a ser utilizado no Brasil, em 1990, na área da Educação Infantil, trazendo, segundo Cruz (1996, p. 80), o cuidado e a educação como ”funções complementares e indissociáveis”.

Em síntese, pode-se dizer que os múltiplos olhares sobre a evasão-permanência no CAFW/UFSM deixam evidente a responsabilidade da instituição no combate à evasão. Reforçando, assim, a idéia de que a escola representa (juntamente com a situação familiar e as condições sócio-econômicas) papel relevante no desempenho escolar do aluno, levando ao entendimento de que a forma como o colégio lida com o aluno pode favorecer ou não a sua permanência.

Diante dessas constatações e a partir da síntese dos múltiplos olhares sobre a evasão permanência e das inferências impregnadas da implicação da pesquisadora, torna-se fundamental repensar ações há muito instituídas, no dito de alguns atores institucionais na cultura do “sempre foi assim”, que hoje não atendem mais a complexidade dessa instituição. Ou seja, a instituição carece de forças instituintes que vislumbrem um novo olhar sobre suas necessidades, sua missão e objetivos para manter-se no patamar até então conquistado e atender com qualidade as demandas sociais e educacionais.

Por fim, entende-se que a evasão-permanência na instituição total de ensino CAFW/UFSM, da análise dos múltiplos olhares, pode ser explicada pelo modelo da Figura 18. Ou seja, o aluno chega à instituição-colégio com intenções, objetivos e compromissos institucionais pré-definidos. Com o tempo, já no período de adaptação, o aluno passa por uma série de interações com o ambiente da instituição educacional, o que lhe permite, portanto, re-elaborar suas intenções e seus compromissos, o que, em última instância, o leva a permanecer ou a evadir.

Características do estudante intenções objetivos e compromissos Expectativas com o curso/colégio Período pré-ingresso Características da instituição Novas intenções, objetivos e compromissos Integração acadêmica e social Período adaptação Fatores externos Evasão Permanência ou

Contexto social e instituional

Figura 18: Modelo explicativo da evasão-permanência no CAFW/UFSM sob múltiplos olhares

Fonte: Adaptado de Tinto (1975).

Ou seja, como colocado por Goffman (1974, p. 24)

O novato chega ao estabelecimento com uma concepção de si mesmo que se tornou possível por algumas disposições sociais estáveis no seu mundo doméstico (....) Ao entrar, começa a passar

por algumas mudanças radicais em sua carreira moral, uma carreira composta pelas progressivas mudanças que ocorrem nas crenças que têm a seu respeito e a respeito dos outros que são significativos para ele.

No período de pré-Ingresso, deve-se levar em conta as características do estudante, ou seja, o adolescente com suas expectativas em relação à instituição, bem como as expectativas geradas pela imagem da escola na comunidade em geral (e em especial nos estudantes), advindas da visita no dia de campo, quando o colégio se abre à comunidade.

O período de adaptação é quando as características da instituição, a integração acadêmica e social e os fatores externos tornam-se responsáveis pela re- elaboração das intenções, objetivos e compromissos do estudante. Acredita-se ser nesse período que a instituição tenha maior responsabilidade e poder de ação, ou seja, possibilidade de ajudar na decisão do aluno por permanecer ou evadir.

No próximo capítulo apresentam-se as considerações finais da pesquisa e as perspectivas de trabalhos futuros.

“A realidade não é destino, mas desafio: pode e deve mudar”. (Eduardo Galeano)

Neste capítulo a partir de um resgate dos objetivos da pesquisa, discorre-se sobre as limitações com que se deparou no seu desenvolvimento e, com base nelas, alerta-se da necessidade de estudos futuros.