1.3. As Relações entre Teoria e Prática
1.3.2. Do ponto de vista da formação do professor
É comum ouvirmos o seguinte postulado: “Falar é fácil, fazer é que são
elas!” Podemos notar através desses dizeres a concepção de que teoria e
prática estão quase sempre distanciadas. De acordo com Candau & Lelis
(1999), a relação entre teoria e prática pode ser agrupada a partir de duas
visões: a visão dicotômica e a visão de unidade.
A visão dicotômica está centrada na separação entre teoria e prática.
Dentro dessa visão temos: a visão dissociativa na qual teoria e prática são
componentes isolados e mesmo opostos, como exemplo, “uma coisa é a teoria,
outra, a prática”. Neste ponto de vista, os “teóricos” pensam, elaboram,
refletem e planejam e os “práticos” executam, agem e fazem, ou seja, a teoria é
esvaziada da prática. No currículo, a ênfase é nas disciplinas consideradas
“teóricas”.
Lucarelli (1994) afirma que existem diferentes formas de conceber teoria
e prática e a relação que pode se estabelecer entre elas. Critica o fato de que,
em geral, “teoria e prática são entendidas como tarefas separadas e até
excludentes, desenvolvida uma à margem da outra” (LUCARELLI, 1994, p. 13).
Para ela, trata-se de diferentes formas de conceber como se constrói o
conhecimento: concepção dicotômica que compartimentaliza o conhecimento e
trata-o de forma estática; e outra, de sentido dinâmico, que articula
dialeticamente ação (prática) e reflexão (teoria). Podemos perceber que tanto
Candau & Lelis (1999) como Lucarelli (1994) estabelecem a mesma forma de
conceber teoria e prática e a relação entre elas.
A tendência, nas instituições de ensino, é tratar todas as disciplinas
como teóricas, nas quais os “momentos dedicados às práticas servem para
aplicação de teorias anteriormente estudadas, no sentido de comprovação da
teoria na prática” (LUCARELLI, 1994, p. 13). Através das palavras da autora,
podemos notar a concepção dicotômica. De acordo com Costa (1988), na
Universidade,
grande parte dos cursos está mais voltada para o desenvolvimento das investigações no campo teórico do que nas suas áreas de aplicação, e, sendo assim, como a formação do professor não é uma preocupação central, a exigência de que no ensino a teoria e a prática deve caminhar juntas não fica contemplada. (p. 56)
Essa autora afirma ainda que uma das principais críticas que os alunos
têm feito é que “há uma completa dissociação entre o mundo do conhecimento
e o mundo da vida” (COSTA, 1988, p. 55). Os alunos afirmam que é lá fora
“que se forma o professor, na prática, no dia-a-dia da escola e da sala de aula,
no enfrentamento com a realidade da vida, da minha vida e da do meu aluno”
(Idem, p. 54). Cunha (1998) também comenta, em seu livro, que uma das
principais queixas dos alunos “refere-se ao fato de que os cursos, via de regra,
não preparam para a realidade dos problemas que irão enfrentar depois de
formados” (p. 83). Observamos que as auto ras citadas acima defendem que há
um distanciamento entre a teoria que é produzida na academia e a realidade
em que é aplicada. Na formação do professor aparecem os seguintes
problemas em relação à teoria e à prática: a dissociação entre a área
específica e a pedagógica e a dissociação entre conteúdo e forma. Costa
(1988) nos afirma que
há uma concepção disseminada de que: área pedagógica = forma = prática e área específica = conteúdo = teoria (...), a idéia de que a área pedagógica nada tem a ver com a específica, assim como a forma nada tem a ver com o conteúdo. (p. 58-59)
Esta é uma concepção equivocada, pois se formos buscar a etimologia
da palavra “methodo” , que vem do grego: Meta – significa objetivo, finalidade;
“hodos” – significa caminho, ou seja, caminho para chegar aonde se quer, ao
objetivo, e não a qualquer lugar. A forma está ligada ao objetivo. Desse modo,
podemos observar que há conexão entre conteúdo, forma e objetivos e estes
devem estar vinculados a um Projeto Pedagógico. O Projeto Pedagógico é um
instrumento mediador para a efetivação da relação teoria-prática. É importante
conhecer o conteúdo que se vai ensinar, mas sabemos que isso não é
suficiente, pois para cada conteúdo devemos pensar em uma metodologia, de
modo que leve o aluno a aprender. Portanto, a metodologia é indissociável do
conteúdo.
Segundo Candau & Lelis (1999), uma outra tendência é enfatizar a
prática em detrimento da teoria. Essas autoras afirmam que para formar o
educador basta inserir o aluno na prática, pois é ela que irá ditar o processo.
Elas partem da concepção que a educação é vista como “arte” a ser
conquistada no “fazer pedagógico” (p. 66), ou seja, a prática é esvaziada da
teoria. Já na visão associativa a teoria e prática são pólos separados, mas não
opostos, ou seja, considera-se a prática como uma aplicação da teoria. Uma
das concepções dentro desta visão é a positivo-tecnológica, onde os teóricos
comandam e as demais se submetem, ou seja, a prática é vista como um mero
instrumento. (CHAUÍ, 1980, p. 27-28). A tecnologia educacional é o meio
através do qual se assegura esta aplicação. O educador, segundo Chauí
(1980), é concebido nessa corrente teórica como um “engenheiro” do
comportamento humano. No currículo, as disciplinas “instrumentais” são
encaradas como a aplicação das disciplinas “teóricas”.
Para Candau & Lellis (1983), o ponto de partida para a superação da
noção dicotômica de teoria e prática é reconhecer a sua unidade, de modo que
teoria e prática, embora com características diferenciadas, constituam uma
unidade indissolúvel. Segundo as autoras, freqüentemente educadores
denunciam a separação e mesmo oposição entre a teoria e a prática, sempre
buscando relacionar estas duas dimensões da realidade. Para elas, “trata-se
para muitos de uma das questões básicas da formação do educador e, para
alguns, o ponto central de reflexão na busca de alternativas para a formação
destes profissionais”. (p.12)
A vantagem de vê-las juntas é que nos aproximamos mais da sua
essência. É preciso resgatar a unidade indissolúvel entre teoria e prática
justamente destacando o que lhe é intrínseco e essencial. A visão de unidade
está centrada na união entre teoria e prática, ou seja, “expressa o movimento
das contradições nas quais os dois pólos se contrapõem e se negam
constituindo uma unidade” (CANDAU & LELIS, 1999, p. 62). Pensando-se no
núcleo articulador da formação do educador, é esta visão que deve prevalecer.
Cunha (1998) propõe como forma de reorganização da relação teoria-
prática que “a prática seja o ponto de partida e de chegada do processo de
teorização” (p. 110). Ela afirma ainda que a prática não serve para comprovar a
teoria, mas “para colocá-la em questão, realimentando suas bases e
favorecendo sua condição” (Idem, p. 110). Lüdke (1994) também caminha
nessa direção, quando afirma que a prática não se restringe ao fazer, ela se
constitui numa atividade de reflexão que enriquece a teoria que lhe deu suporte.
Um questionamento que se faz é “como alguém se torna educador?”.
Fávero (1981) nos afirma que
É, sobretudo num comprometer-se profundo, como construtor, organizador e pensador permanente do trabalho educativo que o educador se educa. Em particular, a partir de sua prática, cabe- lhe construir uma teoria, a qual, coincidindo e identificando-se com elementos decisivos da própria prática, acelera o processo em ato, tornando a prática mais homogênea e coerente em todos os seus elementos. (p. 13)