• Nenhum resultado encontrado

Do Presídio à Vila

No documento Centro cultural Mafalala (páginas 40-46)

1.2 O URBANO

1.2.1 Do Presídio à Vila

“O presídio, assim designado por ser dotado de guarnição militar, representa não só uma estrutura, evidentemente, de caracter militar, como funções defensivas, como é, simultaneamente, um elemento primário da estruturação urbana; correspondendo a uma estratégia do ponto de vista militar, traduzia-se numa edificação que, requalificando-se numa segunda fase, constituía um elemento privilegiado e portante do assentamento urbano da sociedade civil consubstanciando o primeiro núcleo urbano e funcionando a sua muralha como limite urbano.” (Morais, 2001:55).

Na publicação de Lobato (1948), podemos observar que foram dadas ordens por parte da Rainha de Portugal, D. Maria I4, para que se fundasse um

presídio em Lourenço Marques, a fim de se restabelecer o comércio. Joaquim de Araújo5 é nomeado Governador e Capitão-Mor da Baía. É ele que

comanda e dá início à construção do forte e da feitoria. Para além disso, tinha a missão de “(...) controlar e reafirmar os direitos de Portugal àqueles territórios, monopolizando o comércio local como também decidir qual o sítio exacto para a implantação da fortaleza (...)” (Morais et al., 2012:12). Contrariamente à decisão dos austríacos, Joaquim de Araújo escolhe a margem norte do estuário para fundar o presídio, “(...) terras do régulo da Matola, que lhe cedeu graciosamente todo o terreno necessário.” (Lobato, 1948: 112). O presídio foi inaugurado no dia de S. José6, no ano de 1782,

4 D. Maria I iniciou o seu reinado a 24 de Fevereiro de 1777 e terminou-o a 20 de Março de 1816;

5 “Joaquim de Araújo, o fundador do Presídio, nasceu em Lisboa, Campolide, no ano de 1726 e era filho de Manuel de Araújo. (...). Atingiu o posto de capitão-tenente da Armada. (...). Em 26 de Novembro de 1781 foi nomeado Governador e Capitão-Mor da Capitania do Cabo das Correntes, Baía de Lourenço Marques, Ilha de Unhaca e seus subúrbios, pelo Governador interino Vicente Caetano da Maia e Vasconcelos, (...)”. (LOBATO, 1948: 104-105).

6 Segundo Lobato, o único relato da inauguração do presídio foi feito pelo Frei Francisco de Santa Teresa, no entanto, Lobato explica que este relato apresenta dois erros de redação, “(...) cometeu o frade dois erros graves e seguidos. É que o acto só teve lugar em 1782, de certeza, e se foi a 19 de Abril não foi em dia de S. José que é a 19 de Março.” (LOBATO, 1948: 105).

conforme o autor. Ainda no início da sua construção, feita de palhotas em capim, e fraca estacaria, a totalidade do presídio arde, pertencendo a culpa a um soldado. Porém, não ficou de fora a hipótese de ter sido um ataque por parte de nativos. No decorrer do mesmo ano, inesperadamente, morre Joaquim de Araújo, conforme nos conta Morais (2001). Os anos seguintes foram anos de grande instabilidade, caracterizados por abandonos do presídio, falta de investimento, escassez de recursos e o próprio clima. Os destacamentos que eram feitos para Lourenço Marques também não ajudavam já que eram formados por desterrados e os comandos eram entregues a militares com pouca experiência. Lobato (1948), diz que as consequências destes últimos actos descritos foram “deploráveis”, e que foi necessário recomeçar do zero, toda a tentativa de implantação de um presídio na baía de Lourenço Marques, a começar pelas renegociações com os indígenas.

Morais (2001) conta que, em 1796, o presídio é atacado e destruído por franceses, tendo sido reedificado quatro anos depois com a chegada de uma nova expedição, comandada pelo tenente ajudante Luís José que estava encarregue dessa mesma reedificação. O presídio efectivou-se a partir de 1805, com esta força militar, que constituiu uma pequena povoação dentro da fortificação, como explica Melo (2013). As obras arrastaram-se por vários anos até que, em 1814, refaz-se a obra em pedra e cal, sob ordens do governador Pereira Ramos. Henriques (1998) explica que os materiais e técnicas que foram utilizados impõem-se aos usados pelos africanos, determinando assim a evolução da arquitectura e por consequência as condições de vida.

Quando se começou a sentir a necessidade de fortalecer a presença portuguesa no território, nasceu a companhia comercial de Lourenço Marques, em 1825, tendo chegado a terra no ano seguinte, com o objectivo de formar uma colónia agrícola. Foi a presença destes “pioneiros de Lourenço Marques” que impulsionou o desenvolvimento e inseriu alguma estrutura de

assentamento da futura vila. “(...)para além da Fortaleza, havia agora também os edifícios da Companhia, a casa do governador como edifício público a destacar e as habitações dos residentes, (...)”. (Morais, 2001:60). Com estas novidades começou-se a expandir o assentamento português para fora das muralhas da fortaleza. “(...) as cazaz, que estaõ á direita do Forte, e formaõ a povoaçaõ pertencente á guarnição e empregados estaõ construídas sobre areia solta: e a sua construção he de estacas enterrada n arêa, e enlaçadas com caniço, e barradas e caiadas.” (TEIXEIRA, 1838. IN: MORAIS et al., 2012: 13). A Companhia foi dissolvida em 1835, no entanto, “o fluxo de colonizadores para Lourenço Marques continuou, lutando-se arduamente pela melhoria e sobrevivência da povoação.” (Morais, 2001:60).

A grande maioria das representações deste tipo de assentamentos mostra-nos uma visão de territórios africanos construídos por europeus. Podemos observar que são sempre representados como sendo ilhas, sejam naturais ou criadas pelo Homem, com o objectivo de autonomizar os grupos. Apesar de os materiais e as técnicas de construção portuguesas se sobreporem às locais, o autor Henriques (1998), explica que os povos conquistadores não repelem na totalidade as escolhas dos africanos. Nas imagens que se seguem (fig. 3 e 4) nota-se uma clara partilha de espaços comuns, mantendo sempre as comunidades em separado.

Figura 3 - Sofala nos finais do séc. XVI;

Gravura publicada por Henriques, 1998;

Figura 4 - Sofala no séc. XVII;

Gravura publicada por Henriques, 1998;

Durante a segunda metade do séc. XIX, surgiram duas ameaças ao território: a guerra com os Vátuas7 e as pretensões de Inglaterra sobre

Lourenço Marques. Estando numa situação de instabilidade e de guerra, com o perigo eminente de invasões vátuas, surge a ideia de se criar uma linha de defesa na orla do presídio, desde a baixa pantanosa até à praia. A conclusão desta construção dá-se em 1867 impedindo-se que existisse uma entrada facilitada aos nativos dentro deste povoado. Nesta altura a povoação era já formada por “cinquenta e seis casas de pedra e cal e sessenta e sete palhotas e os seus habitantes dedicavam-se ao comércio com o interior”. (Mendes, 1985:81). “As casas eram todas térreas e volumosas, com terraços para desafogo nos dias de muito calor, como se usou em Goa, Mombaça, Ibo e Moçambique”. (Castilho, 1906:37 in Mendes, 1985:81), (fig 5 e 6).

7 “Nome genérico dado aos indígenas de Moçambique,ao sul do rio Save,que tinham tradições guerreiras.”;

Consultado emhttps://www.dicionarioinformal.com.br/landins/a 22 de Janeiro de 2019;

Figura 5- Representação da Vila de Lourenço Marques, 1878; Figura 6- Representação da Vila de Lourenço Marques, 1878;

Desta forma, reuniram-se as condições necessárias para a realização de um investimento em Lourenço Marques, transformando-o num dos núcleos principais da África oriental. O crescimento urbano desta povoação acentuou-se cada vez mais a partir de 1870, como nos diz Mendes (1985). A 19 de Dezembro de 1876, o povoado de Lourenço Marques é elevado a vila:

“Atendendo a que a povoação de Lourenço Marques, na província de Moçambique, se tem tornado últimamente importante pelo progressivo aumento da sua população e pelo desenvolvimento do comércio, hei por bem ordenar que a referida povoação seja elevada à categoria de Vila, com a denominação de Vila de Lourenço Marques, ficando por esta minha mercê obrigada a respectiva câmara municipal a tirar cartas, pagos previamente os competentes direitos.

O Ministro e Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, e interino da Marinha e Ultramar, assim o tenha entendido e faça executar.

Paço, em 19 de Dezembro de 1876 – Rei. – João de Andrade Corvo.”

In PGULM, vol. 1 (1952:6)

O crescimento da Vila deu-se sem ultrapassar os limites da linha de defesa. É neste mesmo ano que surge a primeira planta desenhada deste território, (fig.7). “Pode verificar-se que o pequeno aglomerado estava organizado em torno da Praça da Picota (actual Praça Sete de Março), da qual partiam quatro ruas, sendo a parte ocidental a mais ocupada. A norte corria a linha de defesa e este pequeno povoado estava separado do continente por um pântano, atravessado pela mais importante via de penetração para o interior – a estrada de Lidemburgo”. (Mendes, 1985:81- 82).

O surgimento desta povoação foi tardio dentro do que é o contexto do urbanismo português ultramarino, uma vez que as ilhas atlânticas haviam sido ocupadas no século XV e que o processo de urbanização do Brasil deu- se em meados do século XVI. Apesar disso, Melo (2013), afirma que este primeiro povoado de Lourenço Marques, apresenta características semelhantes a outras estruturas urbanas que também surgiram durante o período de expansão, sendo estas: “o traçado geométrico regular adaptado à topografia, mas não racionalizado; o protagonismo urbanístico da rua, em que as vias principais mais largas se dispõem paralelamente à costa, desenhando uma estrutura de quarteirões lineares, com rua de ambos os lados, idênticos aos do período medieval; a existência de uma praça estruturante de cariz mais renascentista, articulando as vias e o acesso da língua de areia à margem continental, onde se localizam os equipamentos prioritários, apresentando uma constância e interação espacial; o espaço hierarquizado e a independência morfológica relativamente ao cerco muralhado”. (Rossa, 2002; Teixeira; Valla, 1999. IN: Melo, 2013: 73). Esta descrição de Melo (2013) corresponde com Henriques (1998) quando diz que os povos colonizadores, quando alojados em novos territórios, tendem a recriar a sua cultura, integrando as suas formas arquitectónicas e espaciais, ajustando-se ao lugar, tendo em conta as condições geofísicas. A relação

Figura 7- Primeira representação da vila de Lourenço Marques, 1876;

entre os colonos portugueses e os moçambicanos levaram a alterações nos espaços de socialização africanos, bem como no surgimento de novas povoações. Assim, podemos concluir que este processo de assentamento e de evolução urbana leva a um cruzamento de influências entre os nativos e os colonos (fig. 8).

No documento Centro cultural Mafalala (páginas 40-46)

Documentos relacionados