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Paulo II em outubro de 2000" Casa de frei Galvão, Guaratinguetá

CAPÍTULO 1 – FREI GALVÃO E A IMPRENSA NO BRASIL

1.1 Do processo canônico ao evento que beatificou frei Galvão

No dia 25 de outubro de 1998, em Roma, ocorreu a cerimônia que reconheceu frei Galvão como beato. É um título que permite aos fiéis, por assim dizer, que dediquem devoção à imagem do santo, bem como possibilita que essa seja exposta em altares. Foi uma cerimônia presidida na época pelo papa João Paulo II. A beatificação, segundo Roberti (apud SANTOS, 2007, p. 98) “é um ato preparatório pelo qual se permite o culto público, limitado no espaço e no tempo, de algum Servo de Deus com título de Beato”.

Ela, a beatificação, é um estágio anterior, por assim dizer, ao da canonização. Com a beatificação “os beatos são elevados às honras dos altares em alguns lugares, ou em algumas famílias religiosas específicas. Só nesses locais, ou nessas comunidades, seu culto é autorizado pela Igreja” (SANTOS, 2007, p. 98). Então, para o fiel católico, um processo de beatificação já passa a reconhecer o indivíduo como alguém diferente, especial para a comunidade cristã-católica. Para esse público seleto, aquele homem ou mulher torna-se mais do que um simples ser humano; o beato ou beata é agora entendido pela Igreja e por grupos de fiéis como um indivíduo dedicado e devocionado às obras divinas.

A beatificação garante a possibilidade de devoção ao beato, o que não quer dizer que antes não houvesse devoção a ele. Passa a se permitir, no entanto, que essa devoção possa ser feita em público, em uma capela ou em algum lugar sagrado relacionado a um beato ou beata. O mesmo valerá, entretanto, para uma canonização; mais ampla, ela permite a devoção a um santo em qualquer altar católico do mundo. Ou seja, as pessoas não passam a crer somente depois que a Santa Sé institucionaliza uma santificação; antes, a pessoa já tinha devotos e fiéis que nele acreditavam, mas o gesto é marcante pelo fato de permitir a devoção, por assim

dizer, pública a algum representante dos homens e mulheres canonizados e beatificados pelo Vaticano.

No caso de frei Galvão, os locais onde ele passou a receber devoção cercearam-se ao município de Guaratinguetá (SP) e à capital paulista, onde ele viveu e morreu. O beato, perante a Igreja Católica, não é ainda plenamente reconhecido em sua santidade, apesar de muitas vezes já gozar da notoriedade de santo. Sendo assim, até a consequente canonização, na maioria das vezes, o culto a ele é limitado aos espaços onde o beato viveu ou passou.

Antes de sua canonização, frei Galvão já era caracterizado em imagens. Em uma reportagem do jornal regional Valeparaibano, em 19 de abril de 1998 (seis meses antes de sua beatificação, portanto), já era notável um incremento no comércio da região, pois aumentava a procura pelas imagens e santinhos de frei Galvão.

As fábricas de imagens de santos de Aparecida e Guaratinguetá já estão começando a produzir imagens do frei Antônio de Sant'Ana Galvão, cuja beatificação já foi aprovada pelo Papa João Paulo 2º. Antes de se tornar beato, era praticamente impossível encontrar uma imagem do frei para vender. No último mês, o objeto ligado ao frei mais procurado tem sido a pílula. [...].

O comerciante Ítalo Franco Cartegni, proprietário das Casas Monalisa, de Aparecida, disse que lançou a imagem de frei Galvão há dois meses. "Decidi fabricar a imagem depois que começou a haver procura na loja", disse Cartegni. Segundo ele, estão sendo vendidas uma média de três imagens por dia, sendo que o frei sentado ou em pé sai por R$ 15. O objeto tem cerca de 20 centímetros de altura.

Cartegni disse que recebeu encomenda de duas igrejas da região de duas imagens de frei Galvão, sendo uma de um metro de altura e a outra de um metro e sessenta centímetros. Ele não quis divulgar para quem são as imagens. [...]

A proprietária da fábrica de imagens São Judas Tadeu, em Guará, Zely Chamon Jehá, disse que também vai fabricar as imagens de frei Galvão. "Por enquanto não houve procura, mas já estou providenciando as imagens". (NOGUEIRA, 1998).

Parte da região do Vale do Paraíba – que compreende os municípios de Aparecida, Guaratinguetá e Cachoeira Paulista – é, atualmente, conhecida como uma região de circuito de turismo religioso. Somente a Basílica de Nossa Senhora Aparecida recebeu, em 2007, algo em torno de oito milhões de peregrinos. Muitos desses visitam as outras cidades do circuito. Cachoeira Paulista é um pouco mais distante: dista 30 km à frente de Guaratinguetá, na rodovia Dutra, sentido Rio de Janeiro. Porém, Guaratinguetá e Aparecida são, hoje, praticamente, uma mesma cidade. Não tem divisão entre elas. Uma acaba no início da outra. Entre a Basílica e a Casa de frei Galvão, a distância não ultrapassa cinco quilômetros.

Desde a beatificação de frei Galvão (pouco antes até, como apontou a reportagem acima) já houve romarias que iniciavam a visitação à casa e ao município do beato brasileiro. Quem participa como romeiro e peregrino nessas empreitadas tem por hábito e por devoção comprar objetos, imagens (como diz o jornal, representações de barro, cerâmica ou resina no formato do santo), santinhos, terços e outros artefatos que remetem aos santos de devoção. Houve até mesmo, inicialmente, uma dúvida sobre qual representação deveria ser a adotada

para representar o frei. A revista Veja trouxe uma reportagem que discutia qual delas deveria ser a escolhida para representar o beato:

Antes de tomar posse nos altares, frei Galvão precisa de uma representação, uma espécie de foto oficial. "São Sebastião aparece ferido por flechas, São Francisco está sempre ao lado de pássaros. A imagem do frei Galvão também precisa de uma característica própria", opina a historiadora Thereza Maia, que escreveu uma biografia do beato. Até o início do próximo ano, os santeiros da região de Guaratinguetá deverão acertar com uma comissão de religiosos uma imagem mais adequada de frei Galvão. Algumas versões já têm até torcida. "É de agrado dos franciscanos que ele seja retratado segurando a imagem de Nossa Senhora da Imaculada Conceição, de quem era devoto", explica o frei Carlos Pierezan, guardião do Seminário frei Galvão. Outros apostam na imagem de frei Galvão sentado numa cadeira, réplica da que ele usava e hoje está na catedral de Sorocaba. Outros, ainda, preferem retratá-lo de pé, uma alusão ao fato de o beato ter sido um grande andarilho, na melhor tradição franciscana – diz-se que ele percorreu os mais de 400 quilômetros que separam São Paulo do Rio de Janeiro a pé. Por fim, há os que querem que a imagem oficial tenha frei Galvão com o pergaminho em uma mão e uma pena na outra, alusão à veia literária do religioso. Frei Galvão escrevia poemas religiosos em latim e fez parte da primeira Academia de Letras de São Paulo. Enquanto não se define o retrato oficial do beato, o comércio se vira como pode. No Mosteiro da Luz, vendem-se medalhinhas, santinhos e até bilhetes de loteria com a efígie do frei. "Entregava quinze velas por dia, apenas para o consumo das freiras. Agora são 200", afirma João Ferrari, fornecedor das "velas do frei Galvão", entusiasmado com o reaquecimento do catolicismo numa cidade em que, até outro dia, só se falava em fé quando o assunto eram igrejas evangélicas. (MANSO, 1998)

Ilustração 1 – Vitrine com as estatuetas do santo. Nessa representação, o santo não traz nada nas mãos, somente gesticula. Casa de frei Galvão, Guaratinguetá.

Ilustração 2 – Imagem de frei Galvão à venda na entrada de uma loja do centro de Guaratinguetá. Essa representação é a oficial: o frei com o pergaminho não mão esquerda.

Ilustração 3 – Figura de frei Galvão sentado. Casa de frei Galvão, Guaratinguetá.

O texto da revista Veja explorava uma questão comercial nesse ínterim das vésperas da beatificação. Com esse primeiro reconhecimento atribuído ao frei de Guaratinguetá, veio o romeiro, o devoto, que queria comprar suvenires e objetos relacionados ao frei. Até que se definisse como ele seria retratado, houve esse impasse apresentado na revista, o que revela que há um trâmite a ser respeitado para a definição de como será a materialização da imagem

de um santo ou santa. E mais que isso, é perceptível também que não havia uma unanimidade quanto à figura dele. As figuras 1 e 2 trazem, ou dão a impressão, de um frei mais jovem; a figura três, que replica um quadro pintado, provavelmente no tempo do frei, mostra-o mais velho. E talvez até por essas várias possibilidades é que tenha surgido o impasse, a dúvida, sobre qual a melhor maneira de representar Antonio Galvão de França.

Acabou-se, por fim, priorizando a representação do santo em pé, com o pergaminho na mão esquerda. Mas outras, nos formatos e situações mencionadas, foram fabricadas ou esculpidas por artesãos e, algumas delas, a família mantém em exposição na casa de frei Galvão; por exemplo, a própria ilustração 1 é um exemplo: a fotografia foi tirada da vitrine que vende produtos religiosos dentro da casa. Ou seja, a própria família, responsável pelo espaço, vende ainda outras figuras do frei que não são a oficialmente definida, do pergaminho. E expõe também no espaço outras formas de ver o santo. Por exemplo, no quadro abaixo ele é pintado em uma cena que remete à construção do Mosteiro da Luz, empreendimento do qual participou.

Ilustração 4 – Quadro que retrata frei Galvão construindo. No texto abaixo está escrito: "Beato Frei Galvão - Patrono da Construção Civil. Título outorgado pelo Papa

João Paulo II em outubro de 2000". Casa de frei Galvão, Guaratinguetá.

Como e por que essa imagem – do frei em pé com o pergaminho na mão – foi a escolhida, nem o jornal, nem outras fontes, traduzem a resposta; mas é preciso tornar claro que o fiel esperava já, ao tempo da reportagem da Veja, ter uma definição quanto a essa questão. Sendo assim, há que se encontrar e selecionar uma marca, um objeto ou um gesto

que individualize a sua imagem frente a de outros santos e que também individualize sua aparência perante outros santos representados. Por exemplo: santo Antônio sempre vem com o menino Jesus nos braços, são Francisco de Assis vem sempre acompanhado de um pássaro no ombro e outros animais, santa Terezinha leva sempre rosas nos braços. O que faltava, apenas, era o sinal distintivo para o novo beato.

No caso de frei Galvão, apesar de ter falecido há mais de 200 anos, não parece ter sido difícil (para o Catolicismo, para a família e biógrafos) localizar alguns indícios sobre como ele era, sua fisionomia e características físicas. Em todos os livros biográficos (SANTOS, 2007; MAIA, 2007a etc.), os autores fazem menções ao tipo físico: um homem alto, com uma estatura de 1,90 m, bonito. Por ser franciscano, sempre vestido no hábito típico dessa ordem7, o cabelo cortado à moda de São Francisco. Outro elemento que é recorrente na fala dos biógrafos é a exumação feita no tempo da beatificação. Com base no exame, teriam colhidos as informação sobre a estatura dele e o tipo de vestimenta. São elementos que ajudaram os indivíduos que definiram como seria sua estátua a formar uma construção ideológica a respeito do santo.

E, além disso, com o passar de décadas, foi se construindo uma memória a respeito de suas características físicas e religiosas e isso foi utilizado, provavelmente por quem definiu sua aparência ou os elementos que o identificariam, na hora de definir com que caracteres as imagens deveriam ser produzidas.

Ambos os autores supracitados falam de um lugar específico, do interior de um campo religioso e do âmbito da família, como é o caso de Thereza Maia. Para ela, principalmente, a fisionomia do santo foi passada pelos seus pais e avós, que o conheceram ou que souberam por outros parentes como era o frei. Nesse sentido, vão salientar aspectos para a identificação e a definição da imagem do frei franciscano. E mesmo outros biógrafos, como padres e devotos que escreveram sobre a vida de frei Galvão, salientam sinais distintivos do frei, principalmente naquilo que diga respeito a sua opção religiosa, e esse é o principal caráter apresentado para o fiel; isto é, acabam dando subsídios para formar uma ideia de quem era o frei Galvão, como ele aparentava e deveria ser. Nesse ínterim, corroboram a formação de um imaginário em torno da figura do santo.

7 No entanto, há um senão: Frei Galvão pertencia aos Alcantarinos, linhagem por assim dizer, dentro da Ordem Franciscana, que advém desde São Pedro de Alcântara, santo português que no Brasil tem uma igreja a ele devotada no município de Petrópolis, RJ. Como explicou, em entrevista (14/07/2008), o Padre Armênio – capelão do Mosteiro da Luz, hoje – os alcantarinos utilizavam hábito preto. Não se achou por bem fazer um santo vestido de preto, então a veste é marrom, como a dos franciscanos mais comumente conhecidos.

Além do que, com a exumação do corpo como parte do processo de beatificação, indícios vieram à tona acerca da estatura do frei, fato que reforçou a descrição dos caracteres para a Igreja. Evidências como esta não somente formam uma imagem sobre a pessoa, mas revelam aspectos simbólicos da representação, fomentam a construção ideológica em torno da imagem. Maia (2007a, p. 19) diz o seguinte, em seu trabalho:

No livro “Frei Galvão – Bandeirante de Cristo”, informa Maristela que “Frei Galvão era fisicamente bem dotado”, tendo em Itu, “chamado a atenção por sua bela aparência, ar edificante e nobre. Foi considerado não só muito bonito, mas também muito santo”, o que era repetido em todo o Vale do Paraíba, onde “era respeitado, venerado e conhecido como o frade santo”.

Tais fatores que a autora menciona revelam uma análise do frei que ajudou a fortalecer um imaginário construído sobre a pessoa dele, em especial no seio da família. É emblemático ter um santo bonito, que tivesse sido respeitado, venerado, de estatura longilínea, que inspirava ares de nobreza. O que prepondera quanto a essa descrição é que não cabe discutir se o santo era bonito ou não, se o biógrafo diz a verdade ou não, mas discutir e problematizar o papel atribuído a esse fator beleza na construção da memória de frei Galvão.

A autora descreve principalmente o caráter da beleza, o qual no texto acima se alinha a um padrão estético europeu e branco: homem alto e branco, bonito, de ar edificante e nobre. Claramente, advém a associação da figura do santo a de um homem de origem europeia, de pele branca e de estirpe nobre. E isso não decorre apenas do ato da exumação: ao longo dos anos, foi se construindo uma memória com base em elementos como esses, os quais compõem as características físicas e de personalidade de Antonio Galvão de França.

Não há para a Igreja Católica ou para as pessoas que escrevem sobre o frei, por exemplo, uma característica feia atribuída a ele ou, caso haja, isso não é exposto ou foi disfarçado ou omitido da imagem e da estátua que o representa8. Portanto, está-se diante da formação de uma memória historicizada que tece alguns fios que ajudam a formar a definição do que deve ser e de como deve ser fabricada a imagem de barro ou de resina de frei Galvão.

Ao que parece, então, os parâmetros para definir a sua representação partiram de informações provavelmente colhidas em biografias e de algumas poucas imagens, como a

8 Taylor Caldwell, romancista católica, tem vários livros sobre a vida de santos. Em um deles, O grande amigo de

Deus, ela romanceia a vida de São Paulo. Apesar de ser um romance – não o utilizo aqui como fonte explicitamente – alude ela inúmeras vezes à feiúra do santo. Em momento algum é categórica na afirmação, mas sempre o retrata como o menino ou homem de cabelos muito vermelhos, espetados, duros, de personalidade irascível. No entanto, remedeia a construção de um são Paulo feio, ao analisar tais fatores como constitutivos de uma personalidade forte e determinada. Em outro trabalho seu, Médico de homens e de almas, ela descreve outro personagem, São Lucas evangelista: médico e de família abastada, um indivíduo apolíneo, belíssimo, reforçando, para o leitor do romance, o imaginário de um homem santo, loiro, belo e cativante para com as pessoas, que abdica de seus dotes pessoas em prol do socorro aos doentes e enfermos. Em ambos os exemplos, ela aproxima os apóstolos de um perfil de beleza e de estética que é próprio de povos europeus.

representada na ilustração 3 (essa figura que retrata o frei sentado é uma fotografia da réplica de um quadro que há no Mosteiro da Luz), e da própria exumação de seu corpo que colaborou nesse sentido9. Há muitos quadros e pinturas do frei, bem como algumas esculturas. A que está abaixo, está no Mosteiro da Luz, é setecentista; certamente, um dos registros materiais mais próximos ou concomitantes à vida do frei de Guaratinguetá. Talvez essa estátua tenha reforçado a maneira de visualizar como seriam suas representações para os devotos.

Ilustração 5 - Fotografia da página do livro de dona Thereza Maia (2007a), no qual ela retrata uma das estátuas que seriam mais próximas ao tempo de vida do frei.

Burke (2004, p. 85), em uma passagem de seu livro que dedica a interpretar imagens de líderes políticos, fala que esses traços que marcam uma estátua de uma pessoa devem ser encarados “como teatro, como representações públicas de um eu idealizado”. A crítica de Burke vai no sentido de mostrar que tais representações não são e não podem ser encaradas como o retrato fiel da realidade; são simbólicas e, portanto, ideologicamente construídas. A mensagem do autor auxilia na compreensão desse debate em torno da imagem do frei.

A imagem de resina ou de barro vendida no comércio de Guaratinguetá é o retrato de um indivíduo idealizado, não é o próprio frei. É resultado de uma construção histórica e

9 Não obtive acesso ao laudo de exumação, tampouco a outros documentos médicos ou biológicos, relativos ao frei e aos milagrados. No entanto, algumas dessas percepções e conclusões estão no volume da canonização (CONGREGATIO DE CAUSIS SANCTORUM, 1993), bem como as biografias trazem também algumas fotografias e dados.

social, da qual fizeram parte indivíduos que reforçam a imagem construída: os biógrafos, por exemplo, como dona Thereza Maia. Ela, em especial, como historiadora, assume essa pré- concepção a respeito do tio santo.

E torna-se claro que, tal como uma fotografia, essas imagens são representações; nem por isso, verdades incontestáveis. São símbolos, que remetem a uma realidade passada. Cabe encarar esse fato, assim como Machado (2001, p. 129) analisou a fotografia:

Como símbolo, segundo a definição peirceana, a fotografia existe numa relação triádica entre o signo (a foto ou, se quiserem, o registro), seu objeto (a coisa fotografada) e a interpretação físico-química e matemática. Assim, ela pode ser lida como a criação de algo novo, de um conceito puramente plástico a respeito do objeto e de seu traço – aliás, essa é a única leitura séria da fotografia.

Diante do mundo material, uma estátua se assemelha a uma fotografia: essa última representa e cria algo novo, ao mesmo tempo que é produto de um processo que a criou. A fotografia representa um objeto ou alguém – o que não quer dizer também que esse objeto tenha existido real e materialmente. Historicamente, a imagem é fruto de uma produção humana, consequência de procedimentos que a geram, adquirindo, perante a humanidade, um simbolismo próprio, sendo permeada e amparada por uma memória.

Por fim, “imagens têm sido utilizadas com freqüência como um meio de doutrinação, como objetos de cultos, como estímulos à meditação e como armas em controvérsias” (BURKE, 2004, p. 58). A discussão de Burke confronta e questiona a ideia de que a imagem, ou uma estatueta de santo, é isenta de historicidade. Ele quer expor justamente que uma imagem e uma estátua são produto de um processo histórico, os quais muitas vezes se prestam à doutrinação, ou seja, a um exercício que limita a forma como a pessoa percebe e sente o mundo a sua volta. A reflexão desse historiador problematiza o debate e leva à compreensão de que a imagem de frei Galvão pode até ser utilizada ideologicamente pela Igreja Católica, todavia não é esse, certamente, o único objetivo ou motivação para encerrar a discussão sobre como frei Galvão seria representado.

Como dito na citação também, uma fotografia e uma estatueta de santo podem ser representantes de uma fé, de uma religião, de uma devoção particular, de uma relação afetiva