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Fluxograma 1 Resultados do PROMETRÓPOLE

2 RECIFE(S) DE ONTEM E HOJE: AÇÃO DO ESTADO E LUTAS

2.2 Indústrias e a Revolução Industrial do Açúcar

2.2.1 Do rural ao urbano: a cidade do Recife (1930-1960)

Partindo de Bernardes (2013, p. 57), “O Recife tem, pois, a sua história largamente confundida com a história da economia agroexportadora implantada no Nordeste”. Situando esse elemento estruturador da economia e da dinâmica histórica nordestina e recifense, percebemos que a monocultura da cana, agregada aos elementos já pontuados nos itens anteriores, batizam os espaços urbanos e agrários do Nordeste brasileiro.

A introdução das máquinas a vapor, a criação dos engenhos centrais e a transição da produção açucareira para as usinas repercutem de formas variadas no processo de inchamento das cidades e esvaziamento do campo, principalmente na Zona da Mata Sul, destaque na produção de açúcar. Em relação a isso, Singer (1977, p. 332) elucida que:

A decomposição do complexo rural, acelerada pela penetração no campo do capital industrial altamente concentrado, não deixava de impedir boa parte da população à cidade, contribuindo para a expansão demográfica de Recife, sem que a ampliação das atividades produtivas urbanas permitissem absorver a mão de obra que a transformação capitalista da agricultura lhe encaminhava.

Com a abolição da escravatura, no final do século XIX, a expansão do trabalho adquiriu, segundo Singer (1977), características servis. Dessa feita, novas formas de arrendamento e parcerias foram surgindo, dentre elas a condição de trabalhar e produzir, ou seja, os trabalhadores podiam dispor de terra para executar atividades de subsistência, mas não poderiam romper com o ciclo da produção do açúcar, ou melhor, deveriam sempre produzir cana para o engenho que os mantinha.

Essa dinâmica não permanece ativa a longo prazo. A decomposição do complexo rural libera grande quantidade de mão de obra, antes empregada do setor agrícola. Conforme análise de Singer (1977, p. 334), isso é resultado de dois fatores principais: o primeiro é a monocultura da cana “[…] que permite alcançar níveis crescentes de produtividade do trabalho, sem que a massa trabalhadora assim deslocada encontre ocupação alternativa no campo”, e o segundo fator está presente no processo de industrialização da cana, que não consegue absorver grande demanda de trabalhadores, ocasionando a baixa nos salários e a perda de vitalidade da economia da Zona da Mata, principal área produtora de açúcar.

Com isso, o crescimento da população da capital do estado é notado, seja nos dados gerais ou na própria história da economia local articulada com a economia mundial. Para termos uma ideia da dimensão desse crescimento, tomaremos por base dados apresentados por

Moura (1990, p. 66), quando sinalizam que “Em 1920, havia 240.000 pessoas morando em Recife e até 1940 a cidade cresceu lentamente, a uma taxa anual de crescimento em torno de 1,91%. No entanto, nos próximos 20 anos, essa taxa seria duas vezes maior que a de 1940”. Convém assinalar que esse crescimento já era perceptível nos anos anteriores, como veremos no item seguinte.

Resgatando dados empíricos, Singer (1977) pontua que a população do Recife, entre os anos de 1940 e 1950, passou de 348.000 habitantes para 524.00028. Para o citado autor, uma das causas principais para tal fato é o grande fluxo de trabalhadores vindos da Zona da Mata, que representavam pouco mais de 60% dos migrantes, e também de outros estados como Paraíba e Alagoas. Assim sendo, a hipótese defendida pelo autor que asseveramos aqui é a de que “[…] o crescimento do Recife, pelo menos nas últimas décadas, provém da decomposição do “complexo rural” açucareiro, provocado pela penetração monopolizante da usina no ramo” (SINGER, 1977, p. 336).

Todos os fenômenos tratados terão impacto direto na estruturação dos espaços de pobreza e na consciência política desenvolvida pelos moradores locais, na busca de melhorias estruturais, materiais e sociais. As respostas fornecidas pelo estado populista ou militar seguiram uma linha tênue e direcionada a aspectos da vida social. Entretanto, pensarmos no aumento da cidade também requer a reflexão de um elemento importante:

Na realidade é preciso observar que a migração para Recife não é a única possibilidade para o trabalhador deslocado da zona açucareira. Parte da onda migratória é barrada, ao norte de Recife por Paulista e ao sul por Jaboatão e Moreno, cidades que constituem verdadeiro anel industrial ao redor da capital e foram capazes de absorver parte do fluxo migratório (SINGER, 1977, p. 336).

Outrossim, vivenciamos na metade do século o aprofundamento de debates sobre o Nordeste e a economia nordestina com formulações, intervenções e proposições do Estado Nacional, visando garantir um dinamismo maior na economia regional, inclusive para responder as demandas do polo industrial em consolidação no Sudeste brasileiro. Intérpretes como Celso Furtado (2007) e Francisco de Oliveira (1977) auxiliam na análise sobre o papel

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Lembramos que tais dados, subsidiam-se nas informações disponíveis no IBGE (2010), que aponta que entre 1920 e 1970, quando a população da cidade ultrapassa um milhão de habitantes, o Recife apresentou um crescimento expressivo. Se em 1920 a população era de 238.843 habitantes, em 1970 chega a 1.084.459. Os dados do instituto apontam que a série história da população na cidade do Recife é o seguinte: 1872 - (116.671), 1880 - (111.556), 1890 - (113.106), 1900 - (238.843), 1920 - (348.424), 1940 - (524.682), 1960 - (797.234), 1970 - (1.084.459), 1980 - (1.240.937), 1991 - (1.296.995), 2000 - (1.421.993) e 2010 - (1.537.704).

do Nordeste na conjuntura brasileira, mas também do próprio Recife, como capital canalizadora e polarizadora da economia regional29.

Em relação a esse progresso industrial, ou busca de industrialização regional, Moura (1990, p. 66) explica que entre 1950 e 1970 o seu desenvolvimento atraia moradores para o centro da cidade, porém com o redirecionamento das fábricas para a periferia30, a dinâmica habitacional31, ou da moradia dos imigrantes, deixou de ser o centro. “Esse fator justifica também a queda de contingente populacional do Recife em relação à população da Região Metropolitana”.

Não devemos esquecer que é na década de 197032 que o processo de metropolização é agudizado com a criação de Regiões Metropolitanas, articulando cidades vizinhas e processos particulares; questões que podem ser encontradas em Melo (1978), que apresenta bem como a evolução urbana no Recife é estruturada após a criação da metrópole, em 1973.

Em síntese, levamos em consideração aspectos como a industrialização, o êxodo rural e o crescimento da mão de obra não absorvida, que fazem com que a cidade aumente o contingente populacional, e com ele as mazelas sociais, características de países de capitalismo tardio, como o Brasil. Nesse sentido, o dinamismo ocasionado pela criação de Regiões Metropolitanas é fato consumando na análise sobre a morte e a vida de centralidades urbanas. Ao mesmo tempo em que cresce, o Recife distribui-se territorialmente, alongando-se em áreas vizinhas, mantendo o posto de polo metropolitano, mas abrindo espaço para novas formações econômicas, não só industriais, mas no campo dos serviços.

2.2.1.1 O contexto do Estado nas intervenções urbanas (1920-1960)

O contexto temporal que delineia a transição dos séculos também traz direcionamentos e funções para o Estado Nacional, que passa a assumir funções específicas no início do século XX, moldando-se ao longo de décadas em contextos sociopolíticos e históricos no Brasil. As formas de intervenção no urbano desvelam o compromisso da

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Ao tratar da industrialização no Nordeste, a economista pernambucana, Tânia Bacelar de Araújo (2001), esclarece, com dados empíricos, como se deu a entrada do Nordeste na economia nacional, além de caracterizar como a questão regional foi se constituindo ao longo dos anos, sendo utilizada, dentre outras coisas, para fomentar a criação de grupos de estudo para a discussão sobre os problemas regionais, como foi o caso do Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste, criado ainda no governo Juscelino Kubitschek.

30 Como no bairro do Curado, no Recife, e nas áreas industriais de Paulista, Moreno e Jaboatão dos Guararapes. 31

Em relação à dinâmica habitacional, esta vai se ampliando, especialmente por meio das intervenções do Banco Nacional de Habitação (BNH), causando, dentre outras coisas, a ampliação de cidades vizinhas ao Recife.

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Em nível nacional, os anos 1970 são marcados, dentre outras coisas, pelo avanço da urbanização, principalmente nas regiões Sul e Sudeste. Segundo o IBGE, no período, a taxa de urbanização no país já superava os 55,92%.

entidade classista em promover reformas e ações condizentes com o avanço nacional, mesmo denotando particularidades de inserção na dinâmica global do capitalismo.

Na cidade do Recife, especificamente, as intervenções urbanas sempre foram ponto de debates e propostas. Desde os primórdios do século, com o avanço das organizações operárias e as Casas Operárias, fundadas e estruturadas por demandas e pressões dos trabalhadores, as respostas governamentais para as reivindicações urbanas foram situadas dentro de duplo crivo: repressão e prenúncios de cooptação, como lembra Lima (2012).

No avanço dos tempos, os entendimentos das questões postas passam a serem politizadas. No período pós 1920, por exemplo, a compreensão da Questão Social passa a ser vista como uma problemática política, não mais como caso de polícia, resultante de uma disfunção social; muito embora ainda não fossem fornecidas respostas, mesmo que paliativas, para as manifestações latentes da questão.

Nesse debate, entram em pauta, ainda, questões referentes à ocupação do território. Em relação às ocupações, que se adensam no pós 1940, Moura (1990, p. 75), alude que:

A explicação do aumento de ocupações na década de 1940, pode ser atribuída à expulsão de muitos moradores pelo governador Agamenon Magalhães para construção de obras públicas sendo os ocupantes compelidos a ocupar outras áreas na cidade. Importante ressaltar que em 1939 foi criado em Recife a Liga social Contra o Mocambo com o objetivo de aterrar áreas para construção e de relocar os moradores dos “mocambos” para novas casas. Com isto o governo estaria limpando a cidade e escondendo os 40.000 mocambos que existiam em Recife naquele ano.

No contexto de redemocratização do país, no pós 1945, as ações da Liga Social Contra o Mocambo, proposta pelo governador interventor Agamenon Magalhães, são ampliadas, como lembra Moura (1990, p. 75), passando a orientar-se pela ideia de limpeza da cidade, mas também “[...] em construir casas para os ocupantes dos assentamentos de baixa renda. Esta nova orientação favoreceu a volta de muitos ocupantes que haviam sido expulsos durante a época da liga (1939-1945)”. Com isso, a guerra contra o mocambo se fortalece.

Veremos nos próximos itens o papel desempenhado pelas ocupações e a criação das associações de bairro nessa conjuntura; pois no contexto do populismo é possível observar o aumento das ocupações em áreas públicas e privadas, ou seja, os conflitos por propriedades, alinhados às ideias higienistas do governo: “[...] a intensificação dos conflitos entre proprietários e os ocupantes em relação aos anos anteriores resultaram no aumento de ocupações na cidade do Recife uma vez que os ocupantes expulsos de suas áreas total ou parcialmente saíram para outras partes da cidade” (MOURA, 1990, p. 76).

As disputas acirradas e a pressão popular fazem com que os interventores públicos reestabelecessem metas e propostas para responder as pautas das classes citadinas; como foi o caso do Serviço Social Contra o Mocambo – releitura da Liga Social Contra o Mocambo -, que almejava a melhoria das condições estruturais e sanitárias nas favelas locais. Urbanizando e realocando populações para locais considerados salubres. Uma das principais críticas às ações relacionava-se ao fato de que muitas não tinham um retorno efetivo para a população; por exemplo, diversos mocambos destruídos pela Liga Social Contra o Mocambo e pelo Serviço Social Contra o Mocambo. Os moradores não tiveram retorno da moradia, sendo obrigados a voltar para o local de origem, ou outras áreas insalubres, para garantir a “moradia”, mesmo de forma precária.

Não pretendemos detalhar os pormenores das ações para não cairmos em repetições, visto que nos itens seguintes retomaremos o debate sobre a apropriação do solo urbano e o papel dos movimentos sociais e lutas urbanas no Recife, ao longo do século XX, seguindo no último item com um debate contemporâneo sobre o município. Basta salientar que as intervenções do Estado nas áreas de pobreza no Recife mediaram um padrão de ações, a principal delas era retirar dos olhares críticos da hipócrita burguesia urbana os mocambos e os mocambeiros, que desvalorizavam espaços e obscureciam a beleza dos pomposos sobrados. Fatos que iriam se consolidando nas ações da Liga Social Contra o Mocambo33 e no Serviço Social Contra o Mocambo.

As respostas repressivas do Estado alinhadas aos contextos de rigidez das intervenções aguçam nossa compreensão do que o Recife foi e é estruturado, sob a égide da segregação socioespacial e territorial, sendo o locus urbano campo fértil para o desvelamento das contradições do sistema capitalista. O Estado, nesse sentido, emerge como ente regulador e dispersador de conflitos e lutas urbanas.