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O território não se circunscreve a políticas de cunho local. A sua origem se associa a uma conjuntura política, assim, ele não se produz sem relação com o espaço em um sistema mundo. Entende-se que tempos na política territorial começam no Território Rural do Alto Jequitinhonha, se tornando oficial após uma reunião realizada nos dias 16 e 17 abril de 2009, na cidade de Diamantina. Um entrevistado resume assim esse ato simbólico, que teve muita repercussão no programa: “reuniram os políticos em Diamantina e chamaram a imprensa”. Oficialmente, o Território Rural do Alto Jequitinhonha, com espaço-tempo delimitado e com uma institucionalidade, teve seu nome mudado para Território da Cidadania do Alto Jequitinhonha.

Dessa forma, os atores territoriais avaliam a transformação do programa Território Rural do Alto Jequitinhonha em Território da Cidadania do Alto Jequitinhonha com aspectos negativos em relação ao empoderamento, atendimento as necessidades básicas e inclusão social.

Em primeiro, as mudanças de foco da policy-making não são mais as ditas relações estabelecidas no território, mas sim os programas governamentais do governo federal, sem quaisquer relações com os governos estatual ou Municipal, assim as decisões de base colegiada não são solicitadas ou impossíveis de realizar devido à dimensão tomada pelo colegiado que ultrapassa as ações voltadas ao agricultor familiar abrangendo políticas de todos os ministérios. Esta ação provoca uma ruptura na construção do projeto dificultando incorporar a necessidades básicas, com a ingerência de cima para baixo, resultando em uma ação política de controle de recursos federais, apropriados em muitas das vezes, pela base de apoio ao governo para fins eleitorais ou cooptação de alianças. Desta forma, o abandono da ideia da agricultura familiar, resultando em uma ação de diversos ministérios localizados em uma área - agora denominada Território da Cidadania do Alto Jequitinhonha.

O Programa Território da Cidadania nasce de uma conjuntura política, de uma resposta do governo à crise econômica mundial junto com o Programa de aceleração

econômica (PAC) para o Brasil “moderno.” No rural, o PAC se direcionou para o agronegócio produtor de commodities e o apoio à agricultura familiar, sendo que o modelo do território rural seria ampliado com ações de diversos ministérios para incluir cidadãos rurais. Então, surge a ideia de Território da Cidadania (GUIMARÃES, 2013), procurando-se na então bem sucedida política do território rural sobrepor outras políticas, pois haveria mais recursos com a “intenção de combinar crescimento econômico e reequilíbrio social e territorial” (BONNAL, 2008). Todavia, esse posicionamento se manteve longe de ser uma política de continuidade, como apresentado, pois essa nova política foi uma ruptura com toda a construção de uma gestão social dos territórios, configurando-se como um programa com política no território, pois visava articular políticas geridas por diversos ministérios em um espaço; um apelo mais próximo a um modelo de caráter top-down, ou, ainda, mera assistência social espacializada ou localizada. Ele significou o início do abandono da política dos territórios com suas trajetórias já bem especificadas.

Essa é uma ação que o colegiado do território teve que aceitar como se fora a continuação de ações já desenvolvidas e a ampliação com aporte de mais recursos por parte do governo mineiro e da união - uma política nunca incorporada pelo governo estadual, que chegou ao completo abandono pelo atual governo federal. A novidade caracterizou-se com uma assertiva de que a inovação social mostrava sua incompatibilidade com a política pública, sujeita a disputas de Estado ou mesmo a orientação política de governo; seria o fim de um processo que iniciava novas relações no espaço, seria a entrada na época de “por o território na geladeira” ou de “inaugurar tratores”, ou ainda emenda parlamentares associados entre acordos diretos das prefeituras com deputados sem a devida consideração da institucionalidade, como falaram os entrevistados vinculados aos movimentos sociais; ou, ainda, produzir relatórios e propagandas nos quais se relatam altas cifras aplicadas no local. Teria sido todo o esforço despendido uma ilusão, como no romance de Bradbury, Fahrenheit 451: a temperatura na qual o papel do livro pega fogo, o lugar dos Homens livros fadado ao fim?

Assim sendo, é a comprovação da impossibilidade, via políticas públicas ou de Estado, de realizar a inovação social. Ou, ainda, outras possibilidades poderiam surgir ou serem mobilizadas a partir da construção social, feita pela institucionalização do território da cidadania do Alto Jequitinhonha. Ou como pontua Fontam,

Nous soutenons que l’innovation est une construction sociale et territoriale, dont la production et les effets dépendent des contextes socio-économiques conflictuels et hiérarchisés, aussi bien locaux que mondiaux. Dans cette optique, le territoire médiatise et institue des arrangements d’acteurs productifs, des organisations et des preneurs de décision, permettant ainsi l’émergence de cultures d’innovation spécifiques, mais pas isolées ni indépendantes de contextes plus globaux (FONTAM, 2004, p. 116) 62.

O contexto global da política impõe rupturas ao território institucionalizado, porém, a sociedade mobilizada pela política territorial tem o sentido de pertencimento, pois a institucionalização é uma construção social de uma cultura de inovação social, com novas relações de poder. A partir dessa perspectiva, táticas são estabelecidas para garantir as conquistas políticas efetivadas pelo movimento de caráter popular. O território, para a inovação, não é local de extrema alienação, mas de compreensão de possibilidades, como é apontado na entrevista de uma liderança do GT educação:

Na prática não teve só complicação. O território rural era mais simples e, portanto, nós nem aplicamos muito esse território da cidadania. Só deixamos para o pessoal lá da “cúpula”, porque ia estender muito e era muita gente discutindo, e muitas vezes as pessoas não estavam preparadas para entender essa dinâmica do território. Na nossa cabeça nós não nos preocupamos muito com esse “negócio” de território de cidadania não (entrevistado).

Uma estratégia desenvolvida pelos atores territoriais (contourné) é uma tática com duplo significado: a institucionalidade do território do Alto Jequitinhonha, que reconhece apenas as realizações oriundas de deliberações territoriais, mesmo que essas possam ser consideradas ganhos, ou seja, as que não se enquadram nessa categoria submetem-se à “cúpula”. Como exemplo, tem-se as máquinas para agricultura atribuídas ao território, distribuídas as prefeituras para uso da agricultura familiar, como colocado por um entrevistado uma liderança comunitária: “chamou o colegiado para reunir, para inaugurar máquinas. Eu não fui e falei para o povo não ir”. Ou ainda, o caso de uma prefeitura de Felício dos Santos (MG) que via emenda parlamentar em nome do Território da Cidadania do alto Jequitinhonha obtém recurso para construção de uma

62 Nós sustentamos que a inovação é uma construção e territorial, portanto, a produção e os efeitos

dependem dos contextos socioeconômicos contraditórios e hierárquicos, tanto locais como mundiais Nesse contexto, o território estabelece arranjos entre os atores produtivos, organizações e lideranças, permitindo o surgimento de culturas de inovação específicas, mas não isoladas, nem independente de contextos mais amplos (Tradução deste autor).

fábrica de ração, contestado via ação também parlamentar pelos membros do CODETER, segundo estes diretamente na secretaria da Presidência da República. Esse é um ato com significado de resistência ao novo projeto.

Na base do movimento territorial, da sequência aos projetos já efetivados anteriormente pelo Território, a continuidade de um projeto, as normas e as instâncias territoriais não são modificadas, desenvolvendo ações com menor intensidade; estão na “geladeira”, procurando manter a organização possível, mas ainda em movimento, cabe destacar a liderança do CAV que continua suas ações. Assim, não abandonando algo iniciado e demonstrando uma opinião firme dos atores em relação à política territorial. Pode-se afirmar que essa mesma convicção não foi percebida nas entidades públicas do território, no caso do IDENE e da EMATER, que, em conversas com técnicos representantes, já tinham dado por findada a política territorial.

Outra tática de tencionamento (court-circuit), foi a denúncia de aliança política com parlamentares, como observado na audiência pública realizada em Leme do Prado, no dia 28 julho de 2013, cujo assunto era o lançamento do plano safra de pesca e aquicultura e sobre a utilização do lago de Irapé para a pesca. A reunião contou com a presença de deputados estaduais e federais, e vereadores, na qual pessoas associadas ao território reivindicaram o retorno da política e também fizeram denúncias em instâncias sindicais e do movimento social sobre o abandono da política e seus ganhos para as organizações locais.

Observaram-se momentos de incompreensão ou de afirmativas como “o povo empoderar assusta político” fala de liderança comunitária, ou outras como “muitos deles perderam força, voltaram para o jogo político local, municipal, que é o que o território também se propôs a quebrar” fala de um técnico da EMATER, e de compreensão de que a aliança com o estado tem limites impostos pela própria definição deste, ou pelo sentimento, de uma esperança que não se constitui de fato como colocado pelo agricultor frustrado com a política:

Eu tenho uma preocupação da política de desenvolvimento territorial ser uma política de governo, ela não é uma política de Estado. E é uma política de governo que, terminando aí o governo Lula ela teve mais importância do que no governo Dilma, muito mais. Foi uma falha do governo Dilma não dar uma importância ao desenvolvimento territorial. Inclusive no viés de orçamento participativo que eles têm que ela tem. Vejo agora ser juntado, desde 2010 que ela começou a fragilizar, passa 2011, 2012, dois anos sendo destruído aquilo que foi construído ao longo de oito anos, né? Vejo agora sendo “juntado os cacos” para restabelecer a política de desenvolvimento territorial, que

ela não deveria ter interrupção. A política de desenvolvimento territorial chegaria naquele caminhar que ela estava vindo, com a condição de 20 anos, 25 anos que você realmente ia perceber “opa”, isso aqui realmente está dando um novo olhar na questão da vida das pessoas, mas ela deixa um legado muito interessante aí, que a comissão de poder fazer discussão regionalizada, que há essa condição (entrevistado coordenador Territorial do CODETER).

Na pesquisa de campo realizada no segundo semestre de 2012 e de 2013, os entrevistados, ao se referirem ao território, demonstraram duas reações: uma de saudade e outra de esperança por um mesmo espaço-tempo de participação e de projetos. Essas sensações vieram sempre acompanhadas da dúvida natural sobre o futuro, como a utilização da expressão coloquial do verbo auxiliar ir – “será que vai”. A esperança quase se transformando em frustração, como referido na entrevista “cacos”, pode significar fragmentos, pedaços, ou ainda uma visão menos pessimista – uma parte restante de poder ser um núcleo do qual se restaura – ponto a partir do qual as coisas emanam ou para onde as coisas convergem; centro inovador do território da cidadania do Alto Jequitinhonha.

Esses sentimentos começam a ganhar novos contornos em 2013. Podem ser salientados no território dois eventos: o primeiro é o processo de seleção e contratação de um novo coordenador territorial, e o segundo é a realização da Conferência Territorial do Alto Jequitinhonha na cidade de Itamarandiba, no dia 20 agosto de 2013, da qual este pesquisador participou na qualidade de convidado. Nela foi debatida a realidade da agricultura familiar da região, foram dados andamentos a projetos e mesmo a recomposição de municípios no território. Também foi feita a preparação para a 2a Conferência Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário (CNDRSS), ocorrida em Brasília, no segundo semestre de 2013.

Em 2014, participou-se da reunião do núcleo diretivo, ocorrida na cidade de Carbonita, no dia 28 de março. Definiram-se novos tempos para um território revigorado e recomposto, como se pode notar pela pauta de discussão, que foi a apresentação de projetos com parceria CNPq – MDA, atualização do regimento interno e levantamento detalhado das prioridades, bem como demandas para compor a proposta do PROINF 2014. O núcleo diretivo discutiu e avaliou o passado, mas com projeção para o futuro.

Pelas observações feitas nas entrevistas e nos documentos sobre a organização do Território da Cidadania do Alto Jequitinhonha é possível distinguir períodos distintos de ação e governança, sintetizados no Quadro 10.

Quadro 11 – Fases do Território da Cidadania do Alto Jequitinhonha

Fase Período Governança Características

Território Rural 2013-2014 CIAT Fase de organização Território Rural 2014- 2009 Colegiado

(CODETER)

Institucionalidade com instâncias territoriais Território da Cidadania 2009-2014 Colegiado e MDA Políticas setoriais

Política de cima para baixo Território da

Cidadania 2014-(...)

Colegiado

MDA Reorganização (...)

Fonte: dados da pesquisa.

Na representação de um espaço-tempo território, o retorno da esperança (“mas território é isso mesmo, sempre novidades” – frase dita anônima um agricultor na reunião de Carbonita), está na restauração da política, num resgate da credibilidade da participação, após um período de quebra de confiança. Não se pode negar que em todo o processo foi notória a afirmação de que as relações territoriais estabelecidas pela policy- making possibilitou o surgimento de uma nova relação com o Estado, a criação de uma nova possibilidade de governança na política pública. Porém, a difusão de uma inovação não se dá de forma homogênea para todos do território, pois apresenta desigualdades e não se isola de um sistema mundo onde as relações sociais se (re)produzem em movimento desigual e combinado