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Propostas efetivas para o desenvolvimento se relacionam a duas partes do plano: a organização social e o envolvimento institucional, que possuem uma grande proximidade, pois a primeira parte trata das organizações sociais e estatais voltadas ao agricultor familiar e a segunda descreve suas ações. Na parte final do documento tem-se a programação para o desenvolvimento e as considerações finais. Nesse sentido, todo o plano é uma proposta para o desenvolvimento, mas nessas partes há uma direção mais objetiva para esse propósito.

A frase completa do título desse item, extraída da fala de um agricultor e colocada no relatório do PDRSTAJ (2006, p. 49): “O homem do Jequitinhonha é comparável à aroeira, perde as folhas, mas não morre com facilidade” é uma construção que encerra um sentido completo dado ao pretenso processo de desenvolvimento, pois o PTDRSAJ chama a ação de desenvolvimento, fazendo referência à riqueza territorial, ao seu capital e a sua gente; de conceito base da produção do desenvolvimento, como é mostrado no documento:

Capital Social é um conceito primordial para o entendimento da política territorial, devendo ser parte das temáticas de discussão e formação em todos os territórios. De passagem, este elemento, além de explicativo, foi usado pela SDT como critério que justifica a seleção dos Territórios. Capital social será aqui entendido como todo

capital humano organizado, ou seja, o conjunto de atores organizados que expressam sua habilidade, conhecimento, acervo, geralmente manifestado em redes de integração e organização no território. Esta é uma primeira aproximação conceitual, para debate e

enriquecimento por parte, sobretudo, da CIAT (PTDRSAJ, 2006, p. 49 – grifos no documento).

Dessa forma, há a referência à riqueza do território e não às suas supostas fragilidades. “Homem aroeira” é uma analogia à árvore que tem tronco forte e raiz profunda e resiste às intempéries, ou seja, o desenvolvimento feito pelo agricultor radicado (enraizado) no território, articulando em uma região a sua história e formas de

integração e organização, simbolizando sua resistência. Dessa forma, o documento faz um levantamento dos grupos organizados no território (Quadro 4).

Quadro 4 – Organizações sociais e públicas existentes no Território do Alto Jequitinhonha

Origem Discriminação Quantidade

Agricultores

Associação de Agricultores Familiares 413

Clube de Mães 11

Conselhos Comunitários 22

Conselhos /Federações Municipais das Associações

de Agricultores Familiares 8

ONGs 9

Sindicato dos Trabalhadores Rurais 19

Cooperativas 17

Unidades, Agroindústria* 363

Conselhos municipais

Conselhos Municipais de Desenvolvimento Rural

Sustentável (CMDRs) 21

Fórum DLIS 5

Fonte: PTDRSAJ (2006 p. 50).

* Processamento/beneficiamento de café; milho; arroz; cana-de-açúcar (rapadura – cachaça – açúcar mascavo); mel; doces caseiros de frutas e leite; produção de queijo, manteiga, requeijão, mandioca (produção de farinha e polvilho).

Todas as entidades elencadas têm a participação dos agricultores, como os conselhos municipais. Além deles, o Plano faz referência às instituições de origem pública que atuam no desenvolvimento do Vale. São elas e suas respectivas atuações:

- O sistema SEDVAN/IDEME: Leite para vida, artesanato em movimento, turismo solidário, cidadão net, Programa de Combate à Pobreza rural, apicultura e desenvolvimento e cidadão nota dez.

- A Emater-MG: assistência técnica, Minas sem fome, compra antecipada de alimentos, crédito rural, jovem rural, artesanato e feiras livres.

- Empresa de Pesquisa Agropecuária do Estado de Minas Gerais (EPAMIG), unidade Acauã, possui um Centro Tecnológico no município de Leme do Prado que realiza pesquisas e promove a transferência e difusão de tecnologia para

produtores rurais da região através de eventos, como dias de campo, palestras, publicações e fornecimento de mudas, sementes básicas, embriões e animais.

Essas instituições participaram da política territorial pelas observações de campo, e muitos de seus técnicos foram conjecturados, como as lideranças do território na política do Território da cidadania. Existem duas associações de caráter comunitário que devem ser destacadas pela importância para a agricultura familiar e cuja atuação foi comprovada pela análise de campo, que são:

- Centro de Agricultura Alternativa (CAV) – Vicente Nica – é uma organização não governamental com sede no município de Turmalina, com uma equipe de técnicos em grupos de trabalhos. Desenvolve programas em vários municípios vizinhos, com a cooperação técnica de instituições internacionais, Universidades e Governo Federal. Podem-se citar os seguintes projetos: Gestão Integrada dos Recursos Hídricos, Grupos de Trabalho da Mulher, Apicultura, Cana, Horta, Fruticultura e Projeto Feira Livre.

- Campo Vale: é uma organização não governamental com sede no município de Minas Novas. Trabalha em parceria com entidades, sindicatos e grupos organizados. O público alvo da entidade tem sido os agricultores e agricultoras familiares excluídos dos processos de desenvolvimento, sendo uma das linhas de ação da entidade a defesa dos direitos humanos. Ela foi extinta em 2012, mas ainda tem resultados de seu trabalho junto aos agricultores, em especial nas comunidades quilombolas, e muitos de seus técnicos continuam atuando na região.

A riqueza territorial manifestada como a ação integrada dessa rede construída no Vale ao longo dos anos, em especial nas décadas de 1980 e 1990, nascida na conjuntura de disputas de projetos do modelo neoliberal e democratizante, com sua a confluência perversa (DAGNINO, 2004), trouxe alguns benefícios ao território da reivindicação de uma cidadania para os agricultores, que excepcionalmente corroboraram com as políticas territoriais. Na elaboração do plano já se percebem alguns ganhos para essa rede com o fortalecimento do capital relacional.

Com o revigoramento de alguns CMDRS, que foram criados no PRONAF infraestrutura, “muitos prefeituráveis” e cartórios de obtenção de recurso foram revitalizados e os planos municipais de desenvolvimento rural, revistos com participação social (PTDRSAJ, 2006). E uma discussão sobre o território nas associações comunitárias, reforça o pertencimento de um coletivo mais amplo que a

comunidade, onde as proximidades e superação das necessidades são relações sociais e devem ter um apelo escalar.

Outro fator importante na descrição é que muitas políticas públicas com instituições diferentes se sobrepõem em algumas funções ou atividades, como é o caso do artesanato, que é tratado no documento como um obstáculo ao avanço das propostas territoriais. Dessa forma, a política territorial, ao superar o município, contribui para a dinamização dessa rede. Houve então a criação de uma Rede de Integração Institucional Territorial e segundo um técnico da EMATER foi um avanço na organização das instituições e mesmo um ganho do capital relacional do território.

Então, em nenhum momento anterior conseguiu-se fazer efetivamente a integração dessas políticas públicas, aquela política pública mais local e de princípios Estaduais e Municipais, estas sim, a gente conseguiu começar a fazer, a integração delas. Por exemplo: artesanato, dentro do território da cidadania do Alto Jequitinhonha a EMATER tem um projeto. Temos o SEBRAE, que tem um programa de artesanato, temos o IDENE com recursos para trabalhar com artesanato e outros. Então cada um deles sempre trabalhou sozinho, apesar de fazer parte de uma intuição que tem nome circuito no território quando nós criamos os grupos de trabalhos temáticos, é que ali nós abrimos espaço para efetivamente integrar as políticas com a presença desses elementos, na capacidade operacional dos territórios (entrevistado técnico da Emater Capelinha).

Nesse sentido, observa-se um ganho, qual seja a visão do todo com a eficiência e ao mesmo tempo a discussão sobre pautas políticas de problemas comuns que são territorializados, abertos a um debate, muitas vezes levando a conflito e possíveis acordos regionais que podem ser definidos como capacidade operacional dos territórios; logo, uma política que no local tem sua especificidade espacialmente negociada no sentido de uma governança entre atores e instituições e um apelo territorial, e que traz como objetivo:

Contribuir para o desenvolvimento do Vale do Jequitinhonha, promovendo a utilização sustentável de seus recursos materiais, naturais e culturais, através da proposição e implementação de políticas econômicas, sociais e ambientais, para o combate à pobreza e promoção da cidadania (PTDRSAJ, 2006, p. 250).

Pelas proposições observadas, associadas ao objetivo, nota-se que o projeto não se orienta por uma lógica apenas de alocação de recursos, mas possui toda uma proposição de resgate das riquezas territoriais na reconfiguração criativa de relações

sociais, ações de cunho amplo que envolvem diversos aspectos da vida, sejam econômicos, sociais, ambientais, de inclusão social, mas antes de tudo promotores da cidadania.

Com as diretrizes traçadas pelo PTDRSAJ, procurou-se inserir dentro dos objetivos da inovação social a satisfação das necessidades humanas, promoção da inclusão social e capacitação de atores sociais (ANDRE, 2006), mas é uma tarefa complexa, pois as diretivas sociais não são estanques, elas se relacionam e estão em mais de um objetivo. Pela observação registrada, propõe-se a seguinte elaboração, como pode ser vista no Quadro 5.

Quadro 5 – Diretivas da Política Territorial do Território da Cidadania do Alto Jequiti- nhonha em relação ao objetivo da Inovação Social

Satisfação de Necessidades

Humanas Promoção da Inclusão Social Capacitação de Atores Sociais

- Contribuir para a fixação das famílias rurais a terra, com melhorias significativas na qualidade vida.

- Expandir e fomentar a produção no território com agregação de valor aos produtos rurais, geração de empregos e aumento da renda familiar rural. - Promover a preservação do

meio ambiente, educação ambiental e o aumento da disponibilidade de água potável para consumo da população do Território. - Dotar os municípios de

infraestrutura para viabilizar a produção de produtos rurais com qualidade, segurança alimentar e respeito ao meio ambiente. - Diminuir as dificuldades

dos agricultores familiares no acesso aos insumos para produção de maneira sustentável.

- Integrar as pessoas e instituições dentro das comunidades e do território através da organização local e regional.

- Promover o empoderamento dos agricultores (as)

familiares, conselheiros municipais e territoriais para que tenham maiores

conhecimentos e possam atuar com mais eficiência na proposição e implementação de políticas públicas. - Inserir mulheres e jovens no

mercado de trabalho,

contribuindo para o aumento da renda familiar rural.

- Promover a qualificação profissional das famílias de agricultores rurais, para a produção, processamento e comercialização dos produtos agropecuários. - Incentivar a

profissionalização dos jovens rurais, promovendo a educação com qualidade no campo.

As diretrizes resultariam em projetos específicos ou nos chamados grupos de trabalho territoriais, que seriam, de acordo com o plano, capazes de operacionalizar perante o Programa e ao CODETER as propostas elencadas no Plano, em especial, atingir seu objetivo e suas diretrizes. Seriam eles projetos com a intencionalidade de realização em futuro próximo, quase um presente, estruturantes, produtivos e sociais (PTDRSAJ, 2006):

Projetos estruturantes: são projetos que têm uma conotação de base, de organização não apenas objetiva a atendimento de necessidades imediatas, mas programa em longo prazo, como a educação.

Projetos produtivos: são aqueles voltados para a obtenção de qualquer produto ou serviço em qualquer ramo de atividade, assim, com caráter mais econômico em todas as fases da produção, como a apicultura.

Projetos sociais: são projetos políticos de inserção mais social, de uma natureza mais de organização e, às vezes, compensatórios, com um apelo comunitário, como a qualificação dos CMDRS. Todavia, observa-se a dificuldade em atingir essa peculiaridade, pois quaisquer ações na forma de relacionar do agricultor familiar influenciam o todo, em especial ao se tratar de comunidades rurais, que possuem fortes relacionamentos territoriais.

Por fim, o documento ressalta os resultados positivos já contabilizados, frutos da construção do território até o ano de 2006, período de elaboração do PTDRSAJ, que são de caráter variado, mas integrados no contexto de um capital relacional do território, e ilustra as iniciativas de inovação e as estratégias elaboradas pelo programa de desenvolvimento territorial, no caso do Alto Jequitinhonha. Sendo assim, procurou-se classificá-las de acordo com operações de várias dimensões, associados à vida das comunidades, que possam significar “um desenvolvimento integrado” (MOULAERT, 2008, p. 105):

 Formação de uma consciência territorial e mobilização. Por meio do fortalecimento e valorização das entidades representativas dos agricultores familiares, como Sindicatos de Trabalhadores Rurais e Conselhos de Desenvol- vimentos Rurais Sustentáveis;

 Estratégias de economia. Fortalecimento de infraestrutura a economia social e solidária;

 Formação profissional adequada à população local. Aprimoramento de conhecimentos dos vários atores sociais que atuam no Território.

 Ações de atividade que atendam às necessidades locais. Articulação e integração entre as instituições que atuam no Território potencializando ações, recursos e informações, formando parcerias sólidas, buscando o desenvolvi- mento das populações.

Essas ações de construção para a elaboração de um documento têm seu significado para uma política pública democrática e solidária, pois possuem uma coconstrução participativa com vínculos com uma base territorial, e em momento algum com a visão de um Homem, sujeito a uma ação individual ou mercadológica - neoliberal, ou depende de ações de desenvolvimento; ou mesmo um sujeito inexistente da história impessoal; ou ainda um mero receptor de uma ajuda para sobrevivência por meio da assistência social de instituições públicas ou privadas, mas que se coloca como quem quer escrever seu espaço-tempo em um território a ser planejado, o do Alto Jequitinhonha, para um agricultor forte como aroeira.