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Ao analisar a atuação de poder, encontra-se uma situação pouco descrita na bibliografia da inovação social ou do desenvolvimento territorial sobre a instituição pública: a especificidade desempenhada pelos atores ligados às instituições do Estado de Minas Gerais. A estrutura estadual ou direções estaduais não participam da política territorial, mas seus técnicos trabalham diretamente com a população alvo da política, que, inclusive são apontados como “liderança” nas entrevistas, com a classificação de lideranças do governo.

Origina-se, então, uma nova concepção sobre a inovação, desenvolvimento territorial e instituições públicas, com técnicos de campo assumindo responsabilidades de altos cargos burocráticos, como determinar a participação em projetos? Ou velhas práticas de intervenção do Estado, agora em tempo de desenvolvimento territorial com novos significados de participação?

De acordo com um desses técnicos (IDENE, Diamantina):

E eu vejo assim, eu falo muito que eu não chamo (fulano.), eu chamo (fulano acompanhado do nome da sigla que representa a entidade estadual), em função da relação que tenho com o agricultor. Por exemplo, se uma pessoa chegar às comunidades e for discutir um projeto, o povo é desconfiado, pode gostar do seu projeto, mas ele fica com um “pé na frente e outro atrás”, mas se chegar o cicrano (da EMATER) junto, ele já tem uma segurança, pois ele sabe que é gente que gosta, que quer o bem e o progresso. [...] O Estado é muito distante e a gente faz um trabalho que é político não partidário, assim, você visa à pessoa, ao agricultor, se preocupa com o técnico que está ali, com o benefício que o agricultor vai receber (entrevistado- grifos deste autor).

Observou-se no campo, em diversas ocasiões durante a elaboração e execução do programa, a presença de técnicos de órgãos públicos, funcionários de entidades que trabalham com instituições do governo mineiro como o Idene e a Emater. Ambos têm atuação no desenvolvimento regional, mas o primeiro coloca em seus objetivos a promoção do desenvolvimento, com atuação regional no norte de Minas, Vale Jequitinhonha e Mucuri e é oriundo da extinta CODEVALE, enquanto o segundo é voltado para ações com a agricultura familiar, com atuação em todo o Estado. Eles possuem uma equipe de profissionais de diversas áreas treinados em desenvolvimento, inclusive com enfoque territorial.

Houve a presença de outros organismos que, na sua origem, não se associavam à ideia de desenvolvimento regional, caracterizando uma novidade, como a Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig), cuja função é gerar e adaptar alternativas tecnológicas, oferecendo serviços especializados, capacitação técnica, insumos compatíveis ao complexo agrícola estadual; a Superintendência Regional de Regularização Ambiental (Supram), com atividades relativas à política estadual de proteção do meio ambiente e de gerenciamento dos recursos hídricos e o Instituto Estadual de Floresta (IEF), cuja função é atuar no desenvolvimento e na execução das políticas florestal, de pesca, de recursos naturais renováveis e de biodiversidade em Minas Gerais.

Estes técnicos são atores no território e estão enquadrados, nas entrevistas, quanto a sua atuação, como locais, isto é, com uma interferência profissional na região ou, propriamente, na política territorial. A classificação como local não se dá pelo fato de possuírem uma residência no local, mas por uma participação efetiva a partir do lócus de atuação, uma referência à territorialidade, à sua participação sempre presente no Território da Cidadania do Alto Jequitinhonha. Porém, de acordo com Di Méo (2005), intencionalidade desta também ser observada, assim como as subjetividades e ações. Não é possível afirmar que ação de técnicos seja ação de atores locais, mas sim de transição, pois estas marcam uma ação local, com significados e interesses extra território, das entidades do Estado de Minas Gerais, ao qual se vinculam profissional- mente.

Todavia, algo importante a se considerar é que há um interesse da instituição em participar do processo, representada por seus técnicos, o que pode ser compreendido pela liberdade da base na participação, e mesmo pela aliança entre ela e os movimentos dos agricultores. A revelação feita por uma liderança dos agricultores sobre os técnicos das instituições públicas do Estado de Minas Gerais revela aspectos importantes, como: “Não liberavam diárias, muitas vezes o território pagava a ajuda de custo”, que demonstra discordâncias internas nas instituições sobre a participação de técnicos em eventos do território. O território compreende, todavia, a participação desses como importante e a providenciava – decisão da base acatada por outras instâncias, ou na afirmação de uma liderança social:

Nós tínhamos aqui um diferencial. Aqui neste território o governo do Estado, mesmo não adotando a política de desenvolvimento territorial para o Estado de Minas, nós tínhamos aqui um grande passo com a

Emater, que é uma instituição do governo do Estado. Nós tínhamos uma grande parceria com o IDENE, que é um instituto de governo do Estado, então de certa forma o governo do Estado não adotou a política territorial, mas as instituições dentro, de âmbito territorial, adotaram. A Supram e o IEF estavam muito presentes, eles estavam presentes o tempo inteiro para contribuir com a gente (entrevistado).

Existia, logo, uma aliança ou acordo entre essas instituições e o movimento social, pois apesar de dificuldades não houve a impossibilidade de participação da base nas instituições, o que traz uma questão orçamentária (LEITE, 2012) ou, ainda, como colocado por um técnico (Emater escritório regional de Diamantina): “Recurso para ser aplicado, então potencializava em termos de produção e organização dos agricultores e de investimentos feitos via recursos territoriais”. Pode-se considerar, portanto, que esse foi um passo considerável para novidades na relação entre instituições e a ação pública.

Nesse ínterim, Leite (2012) salienta que

as inovações que o arranjo institucional na operação de políticas em escala territorial traz para a cena orçamentária, seja no que tange ao levantamento e lastreamento de fontes dos recursos alocados, seja no que se refere à forma de aplicação desses recursos segundo áreas geográficas e linhas programáticas de ação (LEITE, 2012, p. 664).

Entende-se que as inovações do arranjo institucional ou inovações na burocracia, em que todas as instituições têm o viés de desenvolvimento e da ausência em escalas superiores, mas com a permissão aos agentes de campo de aderir ao projeto do Território da Cidadania do Alto Jequitinhonha, permitem potencializar as ações já desenvolvidas pelas entidades estaduais, via maior captação de recursos e aplicação nos projetos institucionais (uma forma de superar a crise do Estado e ampliar sua capilaridade). Esse fato, associado ao processo histórico da região do Vale do Jequitinhonha, originário e gestado por diversos programas governamentais nas últimas décadas, pode explicar a relação entre instituições públicas estaduais e política territorial.

São avanços no sentido de um fazer das ações territoriais das instituições públicas e de discutir suas atividades na política territorial, pois muitas vezes elas sobrepõem funções, como diz uma entrevistada (técnica da SUFRAM, Diretoria Regional):

No Território a gente viu essa oportunidade de fazer essa articulação, trazer do Território, conseguir fazer essa articulação, interinstitucio-

nal, (...). Para que a gente pudesse potencializar esses resultados. Uma crítica que eu sempre faço é essa fragmentação com essa atuação isolada das instituições, entendeu? Dentro do caso aí do território, né? Então eu acho, em minha opinião, que essa política Territorial ela poderia fazer (entrevistada).

Pode-se afirmar, ainda, que há uma mudança na instituição, uma novidade na organização com duplo significado: o interno, nas hierarquias, em especial na base, assumindo posições mais autônomas de participação, integração e captação de recursos; e o externo, a possibilidade de interação com os agricultores familiares e suas organizações, sua população alvo, mas algo que efetivamente não afiança mudanças no empoderamento e no território.

Evidentemente, essa referência se dá em um contexto específico, uma região com presença de organização dos movimentos de trabalhadores rurais associados a sua produção e reprodução pelo trabalho familiar. Uma política que, na gênese, traz seu objeto de ação com agricultores típicos da região e, ainda, formas amplas de participação que envolvem negociações entre essas instituições, que tradicionalmente já desenvolveram ou desenvolvem papéis no desenvolvimento regional, mas que, historicamente, se comprometem com resultados e não com processos que podem provocar novas relações sociais. É nesse sentido que os técnicos afirmam “somos políticos” e “organizamos os agricultores”.

Uma rara probabilidade de provocar inovação social se refere à ação dos atores públicos de transição, pois, como exposto pela entrevistada, esses são técnicos de entidades governamentais que, por origem institucional e forma de avaliar ou executar as ações da política pública, dão atenção ao resultado a respeito dos beneficiários, e não ao processo, onde encontram-se as possíveis mudanças sociais. Entretanto, eles detêm controles burocráticos, têm interesses em torno de programas sociais e participam dos colegiados, da organização e da execução de projetos. Pode-se citar como um desses técnicos o presidente do Codeter do Alto Jequitinhonha. A política de cunho endógeno, na qual o Estado se apresenta com um novo papel de discutir com a sociedade, permite o empoderamento do mesmo Estado, agora concentrado em uma burocracia local, dos escritórios locais e regionais, mas com apoio das entidades estatuais.

O ciclo de gestão social e a composição dos colegiados mostram um participa- cionismo local. Os órgãos do Estado de Minas Gerais intervêm na coconstrução da política, por meio de acordos, que interferem na construção da política pública.

Evidentemente, a perspectiva do território que possui formas de disputas e uma difusão de inovação não é perfeita, já que possui irregularidades sociais descolocadas no tempo e espaço (FONTAM, 2011). Assim, um território se mostra mais híbrido com o convívio de diversos partícipes públicos, uma institucionalidade de compromissos e partilhas sociais.

A existência de conflitos ao mesmo tempo abriga acordos transformando o território em um conjunto de relações em uma ampla rede de interesses. O movimento social nesta rede de disputas, acordos e interesses tem que buscar táticas e estratégias de contorno para a promoção, ou um fazer de um processo de inovação e um desenvolvimento territorial. Essa estratégia exige táticas de tencionamento (cour- circuit) para superar a gênese de uma burocracia local/regional, pois a cultura da ratificação pública se constitui num obstáculo aos movimentos sociais, e isso dificulta o processo de desenvolvimento de institucionalidades que possibilite novas perspectivas territoriais.

Negociar, nesse sentido, significa a possibilidade de avanços de projetos por meio de táticas provenientes da convivência e dos avanços sociais, mesmo em uma relação com a ação estatal, que visa manter o status quo das organizações do Estado de Minas Gerais, representada na política territorial por meio de seus técnicos. Nestas estratégias, aparece nas entrevistas as concepções falaciosas como de uma liderança que é técnico governamental, para viabilizar diversas ações na política territorial de inovação social. Porém, reafirmamos que esta visão é resultado de uma relação estabelecida entre o movimento social e os órgãos do Estado de Minas Gerais, uma estratégia, para produzir novas relações com um Estado, sempre presente e no espaço de uma região.