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1 TURISMO & TIC: CONCEITOS, RELAÇÕES E TENDÊNCIAS
1.1 DO TURISMO AO E-‐TOURISM
O turismo, enquanto atividade socioeconómica variada e múltipla, que penetra todas as vertentes e facetas da nossa sociedade global, abrange um conjunto de indivíduos, negócios, organizações e locais, que combinados de determinada forma fornecem uma experiência de viagem. Deste modo, sendo o turismo uma atividade multidimensional e multifacetada, é um conceito de difícil definição; embora a palavra “tourist” tenha aparecido na língua inglesa já nos inícios de 1800, continua a não existir uma definição operacional única, universalmente aceite (Cooper, 2005; S. Smith, 2014). É importante referir que o facto de não existirem definições universalmente aceites, e de algumas das definições que vão surgindo só darem resposta a necessidades/problemas imediatos, têm prejudicado o estudo e a afirmação do turismo enquanto disciplina (Goeldner & Ritchie, 2009). Neste sentido, e assumindo a importância de definir o conceito em causa, as definições surgidas derivam maioritariamente de duas perspetivas: a perspetiva do indivíduo e a perspetiva da viagem.
Assim, no primeiro caso, o enfoque é feito ao nível dos turistas, dos visitantes e excursionistas; no segundo caso, o enfoque é feito na viagem, que poderá ser internacional, de negócios, doméstica, de lazer, entre outros (S. Smith, 2014). Para além das duas perspetivas referidas, o mesmo autor refere que as definições se espartilham ainda em duas divisões: definições que se posicionam no lado da procura/demand-‐side (envolvendo os turistas) ou que se posicionam do lado da oferta/supply-‐side (envolvendo a informação, transportes, alojamento, comida e bebida, atrações, entre outros). Ainda que exista esta divisão entre procura e oferta, é preponderante referir que o turismo, enquanto indústria e enquanto experiência humana combina estas duas perspetivas (S. Smith, 2014).
Goeldner & Ritchie (2009) referem que todas as tentativas de definição do turismo deverão abrangem os diferentes grupos que participam e são afetados por esta indústria: o turista, que procura experiências físicas e psíquicas distintas e satisfação através das mesmas, sendo que a natureza dessa procura vai determinar o destino escolhido e as atividades apreciadas; os negócios, que oferecem produtos e serviços turísticos, ou seja aqueles que vêem no turismo uma oportunidade de obter lucro, ao oferecer esses produtos e serviços que o mercado turístico procura; o governo do local/área de acolhimento, o que implica que os governantes encontrem no turismo um potencial de riqueza, perspectivando os lucros que os seus cidadãos poderão obter a partir deste negócio, para além das receitas provenientes do turismo; e, finalmente, a comunidade de acolhimento/residentes, que veem o turismo como um factor cultural e fomentador de emprego.
Partindo da relação destes quatro elementos, Goeldner & Ritchie (2009) referem que o turismo pode assim ser definido como os processos, atividades e resultados surgidos das relações e interações entre turistas, operadores turísticos, governos e comunidades de acolhimento e meio envolvente, que são responsáveis pela atração e acolhimento de visitantes. Assim, o turismo vai resultar num conjunto de atividades, serviços e indústrias que oferecem uma experiência de viagem.
Posto isto, e reforçando a problemática inerente à definição de turismo, diferentes organizações têm vindo a contribuir para esta definição ao longo do tempo. A World Tourism Organization (WTO) é a organização que tem liderado o processo de desenvolvimento de definições de turismo. A Conference on Travel and Tourism Statistics, da responsabilidade da WTO, que ocorreu em Ohawa, no Canadá, em 1991, trabalhando sobre os resultados de grupos anteriores, estabeleceu recomendações para a definição de turismo, viajantes e turistas (Goeldner & Ritchie, 2009). O turismo, definido pela UNWTO4 (World Tourism Organization -‐ Organização Mundial do Turismo) envolve as atividades levadas a cabo por pessoas que se deslocam para locais distintos da sua residência habitual, por um período de tempo consecutivo inferior a um ano, com propósitos de lazer, negócios ou outros. Estas indústrias têm verificado um crescimento contínuo, o que se verifica no relatório divulgado pela mesma organização (UNWTO, 2014). Atentando na definição apresentada, a referência a um local distinto da residência de quem viaja exclui as viagens dentro da área habitual de residência, as viagens regulares entre o domicílio e o local de trabalho e outras viagens de rotina.
Do ponto de vista do enquadramento teórico da presente investigação, é relevante estabelecer alguns conceitos adicionais, nomeadamente as categorias de turismo, que abrangem: turismo doméstico, que se refere aos residentes de um país que visitam destinos do seu próprio país; o turismo receptor (inbound tourism), que se aplica às visitas a um país feitas por não residentes; turismo emissor (outbound tourism), que resulta dos residentes de um país em visita a destinos em outros países; turismo interno, que combina o turismo doméstico e o turismo receptor; o turismo nacional, que resulta da combinação de turismo interno e turismo emissor; turismo internacional, que envolve o turismo receptor e o turismo emissor (Goeldner & Ritchie, 2009). Outro conceito diz respeito ao conceito de viajante/traveler, definido como qualquer individuo envolvido numa viagem entre dois ou mais países ou entre dois ou mais locais dentro do seu país de residência habitual (Goeldner & Ritchie, 2009). Todos os tipos de viajantes envolvidos em atividades turísticas são designados por visitantes, que podem ser: visitantes internacionais, que são aqueles que viajam por um período de tempo que não excede os 12 meses para um país que não é aquele em que residem habitualmente com o propósito distinto do exercer uma atividade remunerada no local visitado; os visitantes internos/domésticos, que são aqueles que viajam para um destino dentro do seu próprio país, que não faz parte do seu meio envolvente habitual, por um destino que não excede os 12 meses (Goeldner & Ritchie, 2009). Cada um destes visitantes (internacionais e domésticos) podem ainda ser divididos em duas categorias: excursionistas/same-‐day visitors, que são aqueles que viajam para outro país/outro local dentro do seu país de residência por um período inferior a 24 horas, sem pernoitarem no país/local visitado; e os turistas, que são aqueles que viajam para outro país/outro local no seu país de residência por pelo menos 24horas, implicando pelo menos uma noite de permanência num local, e um período inferior a 12 meses. (Goeldner & Ritchie, 2009). Embora esta distinção entre excursionistas e turistas esteja presente na literatura, e sendo que ao longo do trabalho se articulam os conceitos explanados com a noção de turista, é importante realçar que do ponto de vista prático os designados excursionistas, não pernoitando no local de visita, usufruem dos mesmos serviços que os designados turistas. Na relação do turismo com as TIC, e na perspetiva da satisfação que advém do uso e experiência de um conjunto de serviços inovadores durante o ciclo da experiência turística, os
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http://www2.unwto.org/en (acedido em 18/12/2015)
excursionistas são tão relevantes quando os turistas, no âmbito da presente investigaçãoo e no ponto de vista de quem pode interagir com um serviço ou aplicação interativa.
Definidos os principais conceitos operacionais relacionados com o turismo, é importante reforçar a importância económica mundial desta indústria. Em muitos destinos, como é o caso de Portugal, é fundamental que estes se tornem mais competitivos, de modo a aproveitar esta atividade económica para a criação de emprego e de riqueza.
Assim, realçando a importância do turismo a nível mundial, em 2011 (UNWTO, 2012) as chegadas turísticas a nível internacional cresceram em 4,6% comparando com o ano de 2010, atingindo os 983 milhões, e financeiramente as receitas aumentaram 3,9%, atingindo uns estimados 1,030 biliões de US$, apesar da conjuntura económica mundial e da instabilidade política verificada no médio oriente e norte de África. O crescimento das variáveis referidas pode ser visualizado na Figura 1.
FIGURA 1 – RESULTADOS DO TURISMO PELA WORLD TOURISM ORGANIZATION EM 2011 (UNWTO, 2012)
No que diz respeito ao ano de 2012, as tendências de crescimento mantêm-‐se, sendo que as receitas internacionais do turismo cresceram 4%, o que corresponde a 1075 biliões de US$ (UNWTO, 2013) como é patente na Figura 2.
FIGURA 2 – RECEITAS INTERNACIONAIS DO TURISMO EM 2012 PELA WORLD TOURISM ORGANIZATION (UNWTO, 2013)
De acordo com o relatório de 2014 da mesma organização, referente ao período de 2013 (UNWTO, 2014), depois de ter sido atingida uma meta histórica no ano de 2012, com a existência de um bilião de pessoas a viajar, em 2013 manteve-‐se a tendência de crescimento, verificando-‐se um aumento de 5%, o que corresponde a um acrescento de 52 milhões de turistas internacionais (Figura 3).
FIGURA 3 – CHEGADAS INTERNACIONAIS DE TURISTAS (UNWTO, 2014)
No caso específico de Portugal, o Turismo de Portugal, com base em informação disponibilizada pelo Instituto Nacional de Estatística – Inquérito às Deslocações dos Residentes (Turismo de Portugal, IP, 2012) revelou que em 2010 cerca de 4 milhões de residentes (37,4% da população, menos 2,7 p.p. que no período homólogo), efetuaram pelo menos uma deslocação em que tenham dormido uma ou mais noites fora do seu local de residência habitual, o que revela a importância desta atividade no panorama português. Ainda, o motivo principal da viagem é o “Lazer, Recreio e Férias” (48,6%), seguindo-‐se a “Vista a Familiares e Amigos” (39,2%) e apenas 7,5% pelo motivo “Negócios/Profissionais”. Relativamente ao ano de 2012 (Figura 4), o relatório relativo aos “Resultados do Turismo” revela que as receitas do turismo atingiram 8,6 mil milhões de € o que representou um crescimento de 5,6% em relação a 2011 (+460,0 milhões de €). Já as despesas de 2,9 mil milhões de € assinalaram um ligeiro decréscimo de 0,9%, que se traduziu em menos 27,6 milhões de € (Turismo de Portugal, 2013).
Analisando os dados fornecidos pelo Turismo de Portugal, respeitante às receitas turísticas, da rubrica “Viagens e Turismo”, é possível verificar que as receitas têm vindo a crescer progressivamente desde 2004, atingindo no ano de 2014 um total de receitas de 10.393,9 milhões de euros, como está patente na Tabela 2.
TABELA 2 – RECEITAS TURÍSTICAS DA RUBRICA “VIAGENS E TURISMO” DA BALANÇA DE PAGAMENTOS, DADOS PROVISÓRIOS (TURISMO DE PORTUGAL, 2015)
Na perspectiva de quem nos visita, um inquérito realizado pela Controlinvest, com o apoio do Turismo de Portugal (Controlinvest, 2015) revelou que os turistas inquiridos fazem um balanço muito positivo das suas férias passadas em Portugal. O nível de satisfação é muito elevado, com 94% dos turistas “Muito Satisfeitos”. Este nível de satisfação é generalizado, independentemente do sexo, idade e país de proveniência dos turistas que nos visitam. Do ponto de vista daquilo que motiva os turistas para a sua vinda a Portugal, um relatório que abrange a realidade temporal compreendida entre Junho de 2006 e Julho de 2007, distribuído pelo Turismo de Portugal (IMR -‐ Instituto de Marketing Research, 2007) identificou que 83% das visitas a Portugal são explicadas por 4 motivações primárias: Sol e Mar (37,8%), Touring Cultural e Paisagístico (29,7%), Turismo de Natureza (8,2%) e City Break (7,6%).
Posto isto, como um setor economicamente e socialmente relevante, o turismo altera-‐se e evoluiu na sua relação com os diversos setores da atividade humana. Assim, a economia do século XX alterou-‐se profundamente com as transformações tecnológicas, mais particularmente com o desenvolvimento rápido das TIC. Castells (2000) posiciona e compara, ao nível do impacto transformador, a designada Revolução da Tecnologia da Informação, iniciada na década de 70, com a anterior Revolução Industrial do século XVIII. Neste sentido, a Revolução das Tecnologias da Informação foi fundamental para a reestruturação económica e social que se lhe seguiu nas décadas seguintes. Neste sentido, o domínio crescente das tecnologias da informação em todos os quadrantes do quotidiano originou assim novos padrões comportamentais e transformou padrões já existentes, espelhando-‐se estas modificações nas férias, viagens e tempo de lazer (MacKay & Vogt, 2012).
Assim, a tecnologia penetrou de forma crescente o setor do turismo, sendo que este se posicionou privilegiadamente para rentabilizar os desenvolvimentos das tecnologias da informação, que abrangem desde o uso da Internet para reservar uma viagem e procurar informação sobre um destino, que incluem o uso de aplicações móveis que permitem a difusão in situ de informações para o turista usufruir, abrangendo até o papel que a tecnologia assume na interpretação e apresentação de um destino (Cooper, 2005). Todos esses fenómenos , que constituem a relação privilegiada do turismo com a tecnologia, serão referidos em detalhe nas secções seguintes
Com efeito, o turismo, enquanto indústria, foi transformado de forma global pela sua relação com as TIC, tendo-‐se alterado as estruturas das organizações, as estratégias e práticas comerciais, o comportamento dos turistas na sua relação com a indústria, com os produtos e entre si: “ICTs radically changed the effectiveness of the tourism organizations, the manner of how businesses are driven in the market as well as how consumers interact with these organizations” (Buhalis, 2003; Buhalis & Law, 2008; Michopoulou, Buhalis, Michailidis, & Ambrose, 2007 apud. (Büyüközkan & Ergün, 2011). Se nas últimas décadas se verificou a ascensão de um novo paradigma tecnológico, que catapultou as referidas transformações no setor do turismo, a partir do ano 2000 essas transformações intensificaram-‐se, tendo a WWW (world wide web) um papel fulcral neste processo.
Desde a sua comercialização em 1993, a Internet penetrou todas as facetas da vida, incluindo o turismo (Xiang, Wang, O’Leary, & Fesenmaier, 2015). Assim, a Figura 5 destaca a organização temporal dos eventos e tecnologias relacionadas com a Internet e a sua relação com o turismo:
FIGURA 5 – DESENVOLVIMENTOS RELEVANTES DA INTERNET (XIANG, WANG, ET AL., 2015)
Concluíndo, Berger et al. (2006) referem o turismo como uma indústria cuja estrutura foi totalmente alterada pela Internet, tendo-‐se criado novas oportunidades de negócio e uma reestruturação do posicionamento dos agentes turísticos, assim como da interação e socialização entre os turistas, suportada pela riqueza da informação trazida pela Internet. Surge, nesta conjuntura, a necessidade de redefinir o conceito de turismo, para abranger a componente electrónica e tecnológica: e-‐Tourism (electronic tourism), definido por Buhalis (2003) que corresponde à digitalização de todos os processos e cadeias de valor no turismo, permitindo uma maximização da eficácia e eficiencia por parte das organizações. No mesmo sentido, Benyon, Quigley, O’Keefe & Riva (2013) referem o conceito de turismo digital, que pode ser definido como o suporte digital das atividades turísticas, antes, durante e após a atividade turística, o que constitui o ciclo da experiência turistica, uma noção que será amplamente explorada nas secções seguintes. Ainda, outra variável fundamental na transformação do turismo relaciona-‐se diretamente com a informação, e com a interferência que a geração, gestão e processamento desta tem ao nível da competitividade/produtividade: “Since tourism as an information industry needs to rely on information to attract potential customers and to convince them to purchase the tourism product, availability of and access to information in tourism is of utmost importance” (Maurer & Lutz, 2011, p. 265). O paradigma tecnológico, referido por Castells (2000), coloca a informação como matéria-‐prima deste paradigma; para o turismo, enquanto atividade humana e incorporadora das dinâmicas do referido paradigma, a informação encontra-‐se no cerne do mesmo, sendo o actor fundamental dos processos de consumo , criação e co-‐criação de conteúdo, fenómenos que serão explorados em tópicos seguintes.