EXPERIENCE E USABILIDADE
4 INTERFACES GESTUAIS TOUCHLESS NO TURISMO: CONCEITOS E DESAFIOS
4.3 INTERFACES GESTUAIS TOUCHLESS: CONTEXTOS USO
Após terem sido apresentadas, definidas e caracterizadas as interfaces gestuais touch-‐free/touchless, assim como analisado o seu posicionamento em relação com a usabilidade, é fundamental apresentar contextos em que as mesmas podem ser aplicadas e exemplos que ilustrem esses contextos. Assim, desde que a investigação no âmbito das interfaces gestuais touchless se iniciou, é possível identificar diferentes contextos de aplicação, que incluem: a interação com displays públicos, em que o rato e o teclado são inconvenientes e a interação é feita por um curto espaço de tempo, o que poderá levar o utilizador a não querer conectar um dispositivo móvel ao mesmo; ativar itens na cozinha, sem tocar nos mesmos; apoiar cirurgiões na sala de operações, quando estes não podem tocar em dispositivos; navegar esporadicamente em conteúdos multimédia ou aceder a funções preferidas, como é o caso das TVs interativas (Chattopadhyay & Bolchini, 2014a).
Os displays públicos são displays electrónicos colocados em locais públicos, e que devido ao seu preço cada vez mais acessível se estão a tornar rapidamente ubíquos em áreas urbanas, e a tornarem-‐se mais digitais e interativos (Müller et al., 2014). Uma das suas funções possíveis é permitir a diversão entre pessoas de forma remota, que partilhem o mesmo espaço virtual. Um exemplo é o Communiplay system (Müller et al., 2014), um display media presente em espaço público com suporte de interação gestual touchless, que consiste em 6 ecrãs ligados entre si, implementados em diferentes locais. No ecrã o utilizador pode observar o seu próprio contorno espelhado num display público (um avatar que o representa), podendo jogar/interagir com objetos virtuais. Ao mesmo tempo pode visualizar outros utilizadores a interagir noutros locais, representados por silhuetas semelhantes à sua, a jogar no mesmo espaço virtual, partilhando os mesmos objetos virtuais. Cada localização das silhuetas é representada por uma cor diferente, o que permite distinguir os utilizadores entre si (Figura 56).
FIGURA 56 – COMMUNIPLAY SYSTEM (MÜLLER ET AL., 2014)
De referir que a partir dos resultados do estudo foi possível verificar o designado “honey-‐pot effect”, quer pela presença local (ao ver outros utilizadores a interagir, os utilizadores sentem-‐se mais atraídos para interagirem também), quer remoto (utilizadores ao observarem outros a interagir noutros locais sentem-‐se mais atraídos para interagirem também). Para além disso, a interação lúdica que ocorreu com os utilizadores remotos funcionou, mesmo que a comunicação seja muito temporária e abstrata. Com efeito, as pessoas não só jogaram com os objetos virtuais partilhados, como usaram outros meios para interagirem e comunicarem, como acenar, espreitar, cutucar e copiar comportamentos.
Outro dos contextos possíveis de aplicação das interfaces touchless em displays públicos são a sua aplicação a eventos/exibições/feiras, onde existe um grande afluxo de pessoas, de que é exemplo a Expo Milão de 2015 (Cremonesi et al., 2015).
Os grandes eventos, como uma Expo, impulsionam este desenvolvimento, com vista à melhoria da experiência dos visitantes: “Smart cities large events have led to the ubiquitous deployment of public display systems, supporting the ambition to improve visitors experience and providing services which fit users’ individual needs. “(Rienzo et al., 2015, p. 9)
Posto isto, os ecrãs electrónicos de grandes dimensões são uma tecnologia consolidada que podem ser usados em locais indoor e outdoor, permitindo mostrar informação aos utilizadores. Este uso e utilização em contexto público tem sido uma das tendências mais visíveis do urbanismo contemporâneo, sendo um desafio alargar e enriquecer as suas possibilidades de utilização para além da publicidade, podendo transformar o espaço urbano:
“Screen technology is promising to return the interactive experience to urban spaces. Economies of scale are enabling any surface to become a display, offering a window to the Internet. No longer are displays limited to the conventional frame shape but can accommodate arbitrary shapes and sizes, walls, and even entire squares and streets.” (Kuikkaniemi, Jacucci, & Turpeinen, 2011, p. 40) As plataformas de display de informação com uma natureza digital e ligada em rede podem criar zonas de visualização experimental que poderão melhorar domínios de aplicação já existentes, como é o caso do turismo e da moda (Cremonesi et al., 2015). Com efeito, estas potencialidades estiveram na génese de conceber o protótipo mesh-‐t para o contexto turístico, que é anterior a esta publicação citada.
Partindo de duas desvantagens identificadas em relação às interfaces touchless – a dificuldade em lidar com uma grande quantidade de conteúdos e a dificuldade em encontrar conteúdo relevante para os interesses dos utilizadores, Cremonesi et al.(2015) decidiram aplicar os princípios da personalização nas aplicações touchless. Assim, procuraram desenhar uma experiência que integra displays públicos de grandes dimensões com dispositivos pessoais, como é o caso de tablets e smartphones, combinando assim múltiplos paradigmas de interação para explorar a informação entre os ecrãs, individualmente e em grupo. Usam assim a interpretação de movimentos do corpo através do Kinect – interação touchless – e interação com dispositivos móveis pessoais – interação multitoque remota. Para além disso, vão personalizar os conteúdos apresentados no display de grandes dimensões, adaptados quer ao utilizador quer a um grupo de utilizadores, o que vai melhorar/direcionar/personalizar a experiência e a exploração de informação:
“The problem with the previous systems is that they don’t focus on providing personalized and user-‐ specific information, resulting in a gap between what users require and what is provided to them. We, on the other hand, propose a system that aims to bridge this gap by capturing user personal information and providing him with highly customized content to be consumed in structured and meaningful ways on the public screens.” (Cremonesi et al., 2015, p. 2)
De referir que esta integração com dispositivos secundários móveis, assim como funcionalidades de personalização, foram planeadas e identificadas como pertinentes para serem integradas no protótipo mesh-‐t, avaliado no presente estudo, e cujo processo de conceptualização será explorado em seguida (Figueiredo, Raposo, Beça, & Santos, 2011).
Apesar de Cremonesi et al.(2015) colocarem a aplicação que prototiparam no domínio dos ecrãs públicos interativos a serem incluídos, por exemplo, na expo de Milão de 2015, e não especificamente no âmbito do turismo, a natureza do conteúdo usado poderia tornar-‐se adequada ao contexto turístico. Com efeito, a aplicação69 permite a exploração personalizada de POIs de Milão,
apresentando duas versões: uma touchless e outra touch, com integração de um dispositivo pessoal, no âmbito do projeto StreetSmart Project:
“(...)develops information services that integrate multiple (touch and touchless) interaction paradigms on personal devices and large public displays. It exploits personalization techniques in order to offer new engaging user experiences involving large amounts of multimedia contents." (Cremonesi et al., 2014, p. 353)
Os vários protótipos e avaliações iterativas feitas no laboratório dos autores permitiu obter uma versão beta, testada na cafetaria do Politecnico de Milano por 12 pessoas (Figura 57). Os dados recolhidos demonstraram um bom nível de usabilidade em ambas as versões, assim como níveis comparáveis de satisfação e engagement. Alguns problemas reportados relacionam-‐se com o aspeto visual da interface (layout e qualidade dos conteúdos multimédia), performance e precisão dos movimentos processados, idade e género detetado pelo modo de interpretação (que procurava através de dados biométricos estabelecer um perfil e gosto do utilizador de acordo com o seu sexo e idade, por exemplo). Desafios continuam assim a existir, nomeadamente ao nível da interação touchless com uma grande quantidade de informação, que seja intuitiva e natural, ao nível do suporte da interação individual ou em grupo e ao nível da combinação destes elementos com funcionalidades de personalização.
FIGURA 57 – EXEMPLO DE INTERAÇÃO GESTUAL COM APLICAÇÃO (CREMONESI ET AL., 2015)
69 Uma demonstração da aplicação pode ser vista
Salientando ainda a proliferação dos displays digitais em locais públicos, que por vezes não permitiam a interação com o conteúdo e limitavam-‐se a exibi-‐lo, em locais como lobbies, estações de comboio, salas de espera e outros, Sousa, Cardoso, Parracho, Dias & Sousa Santos (2014) apresentam o protótipo DETI-‐interact, um display interativo localizado no hall de entrada do Departamento de Electrónica, Telecomunicações e Informática (DETI) da Universidade de Aveiro, que permite a interação dos utilizadores com o conteúdo através de gestos, com a integração do Kinect, sem necessitarem assim de um dispositivo adicional. Com efeito, o projeto passou por várias fases, nomeadamente incluindo o uso do smartphone para controlar o display, opção essa que teve pouco sucesso, pois a necessidade de fazer download da aplicação para o telemóvel do utilizador constituía uma barreira à sua utilização. Assim, o Deti-‐interact 1.0 foi pouco usado pois exigia passos de confirmação que implicavam tempo e esforço (Dias et al., 2014). Surgiu uma nova versão do sistema integrando o Kinect, que colocado no hall de entrada do DETI, permitia o acesso a informação relevante para os estudantes, como os contactos dos membros do departamento, os horários dos cursos, vídeos promocionais das atividades do departamento. Os módulos referidos estão disponíveis na imagem abaixo, que representa o ecrã principal do protótipo (Figura 58).
FIGURA 58 – ECRÃ PRINCIPAL DETI-‐INTERACT (SOUSA ET AL., 2014)
Partindo agora para o contexto médico/saúde, a solução ADORA: Advanced Doctor’s Operational Research Assistant 70é uma solução interativa que permite auxiliar o profissional de saúde ao facilitar o acesso a informação sobre o paciente antes, durante e após o procedimento cirúrgico (Kosic et al., 2013). Os médicos poderão usar gestos e controlo de voz para manipular os dados do paciente, sem contacto físico com um dispositivo. Outros médicos fora do teatro de operações poderão também ter acesso à informação. Como vantagens, os autores consideram que é possível reduzir a duração da cirurgia, o que vai afetar indiretamente os aspetos ambientais e económicos dos serviços de saúde. No seguimento das vantagens apresentadas anteriormente, este é claramente um contexto que tira proveito do uso em ambiente esterilizado em que as interfaces touchless podem ser usadas. No desenvolvimento do ADORA, o primeiro desafio enfrentado foi o desenhar de uma interface gráfica que fosse intuitiva que suportasse a comunicação com o sensor (neste caso, com o Kinect). Assim, é
fundamental que esta inclua feedback claro para os utilizadores (quer gráfico, quer de voz), sendo também recomendável incluir uma secção de ajuda interativa que permita ao utilizador praticar os gestos e comandos necessários para interagir. Ainda no desenho da interface, foi necessário afastarem-‐se do desenho clássico das interfaces e enfrentar os desafios trazidos pelo novo paradigma, sendo importante a análise de soluções já existentes e as guidelines da Microsoft para o Kinect. Outro dos desafios consistiu na calibração do sensor, tendo surgido problemas na tentativa de detetar utilizadores a partir de diferentes distâncias e ainda problemas na deteção do utilizador primário na presença de outros cirurgiões ou profissionais na sala (na sala de operações existem três ou mais pessoas próximas uma das outras, pelo que o Kinect irá fazer a deteção de todas). Para resolver este problema, foi usado um comando de voz para definir o utilizador primário da sala, através do comando “follow me”, que é usado para definir a pessoa a ser detetada e interpretada pelo sensor. Posteriormente, foi realizada uma avaliação de usabilidade sumativa da aplicação (Kuhar & Kosic, 2014), envolvendo dois grupos de participantes (cirurgiões), sendo o primeiro grupo instruído e informado dos gestos disponíveis no ADORA, e o segundo devendo identificar os gestos sem instrução prévia através a ajuda de um tutorial disponível na aplicação. Os participantes levaram a cabo um conjunto de tarefas simples e avançadas durante o momento da experiência, respondendo em seguida a um questionário.
Uma das possíveis áreas de aplicação das interfaces touchless que revelou bons resultados é ainda a dos jogos para crianças com necessidades especiais, nomeadamente de crianças com autismo (ASD: Autistic Spectrum Disorder/TEA: Transtornos do Espectro Autista) (Bartoli, Garzotto, Gelsomini, Oliveto, & Valoriani, 2014). Tendo em conta as vantagens de usar as tecnologias digitais neste âmbito, existem vários protótipos que permitem às crianças autistas explorarem várias tecnologias e modelos de interação, desde o desktop, ao mobile, multitoque, experiências tangíveis, realidade aumentada e mais recentemente, ambientes baseados em movimentos sem toque, que permitem ao utilizador interagir sem contacto físico com ferramentas ou dispositivos. Assim, Bartoli et al.(2014) procuraram desenhar, desenvolver e avaliar jogos touchless que podem ser usados por crianças autistas, em diferentes contextos, com propósitos educacionais e terapêuticos. Embora o contexto, utilizadores e o objetivos do tipo de solução tecnológica sejam muito distintos da solução e do contexto em estudo na presente tese, é relevante referir que o processo levado a cabo por Bartoli et al.(2014) (observação em campo das crianças, estudo empírico de crianças autistas com versões comerciais de jogos touchless, focus group, etc) tornou possível obter um conjunto de guidelines de design, dirigidas à interface e interação geral e guidelines específicas com objetivos de aprendizagem das crianças (capacidades de aprendizagem na esfera motora, cognitiva e social). Assim, essas guidelines foram a base de três protótipos de jogos distintos, que são altamente personalizáveis de acordo com as características e necessidades especiais de cada criança. Finalmente foi realizado um estudo empírico em ambiente controlado, que permitiu verificar os benefícios de aprendizagem dos jogos e validar de forma indireta as guidelines propostas. Foi assim possível concluir que os jogos touchless têm um potencial forte de melhorar a atenção e as capacidades motoras e visuais em crianças autistas, o que valoriza a aplicabilidade das interfaces gestuais em diversos campos.
Ainda na área da saúde e relacionado com um público especial, o On-‐line-‐Gym é um protótipo exploratório de um ginásio virtual 3D que usa a interação com o Kinect, dedicado a promover o bem-‐ estar físico e mental do público sénior ao promover a atividade física (Cassola, Morgado, de Carvalho, Paredes, & Fonseca, 2014). Este ginásio on-‐line corresponde a um espaço virtual tridimensional onde os utilizadores, fisicamente separados, poderão fazer parte de uma sessão de treino controlado por um monitor, ligados via Internet e representados por avatares que são animados pelos movimentos capturados pelo Kinect ligado a cada computador pessoal. Assim, irá criar-‐se uma experiência de treino conjunto, numa sessão de treino/exercício. Com efeito, o projeto tem como alvo os sénior, por estes poderem estar impedidos de participar em sessões de treino fora de suas casas, por habitarem zonas de baixa densidade populacional ou zonas altamente urbanizadas, o que pode requerer viagens/deslocações dispendiosas ou incomodativas (Paredes et al., 2014). Neste sentido, os exergames (Paredes et al., 2014) podem constituir uma nova geração de jogos, que combinam o desenvolvimento de tecnologias de realidade virtual e sensores de movimento, que podem promover o exercício e ter um impacto positivo na saúde dos utilizadores(Paredes et al., 2014).
Como é possível verificar pelos exemplos recolhidos, muitos dos estudos focam a interação touchless que ocorre de pé, em frente a um display de grandes dimensões, sendo que o ambiente de sala de estar, confortável, não tem recebido muito enfoque. Também Chattapadhyay & Bolchini (2014) referem a mesma questão:
“Interestingly, existing research on device-‐free interaction with large displays have only (empirically) investigated settings, where users are standing in front of the display. However, a sitting posture limits hand-‐movements more than a standing posture, and is equally relevant but largely unexplored.” (Chattopadhyay & Bolchini, 2014a, p. 2).
Logo, Lee et al. (S.-‐S. Lee et al., 2013) procuraram dar atenção a este contexto, realizando um processo invertido para a definição dos gestos a usar, não partindo de gestos já existentes ou definidos por designers, mas procurando perceber como é que os utilizadores manipulam o conteúdo digital num ecrã distante de forma livre, sem intervenção de designers e sem pensar nas limitações tecnológicas, deixando-‐os escolher os gestos que julgam adequados para uma determinada tarefa que lhes é proposta. O teste foi realizado num ambiente que simulava uma sala de estar, com os participantes sentados no sofá, com um ecrã à sua frente. Alguns dos resultados permitiram perceber que os gestos escolhidos eram refinados ao longo do teste, sendo alterados não só de acordo com o comando que recebiam mas também de acordo com o conteúdo, pelo que os gestos se devem adequar aos diferentes tipos de conteúdos. Para além disso, o cansaço foi um factor presente, que levou muitos participantes a mudarem os gestos que usavam para gestos menos exigentes/amplos. Serve este estudo para revelar outro possível contexto de aplicação das interfaces gestuais touch-‐free, que já se materializa também nas smartTV presentes nas nossas salas.