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doação de óVulos

No documento FEBRASGO - Manual de Reprodução Humana (páginas 76-82)

A primeira gestação derivada de uma doação de oócitos ocorreu numa paciente com insuficiência ovariana precoce, mas infelizmente resultou em aborto (Trounson et al., 1983). Entretanto, alguns meses mais tarde, Lutjen et al. (1984) relataram uma gravidez com nascimento de uma criança proveniente de oócito doado anonimamen- te. Atualmente, trata-se de uma técnica difundida em âmbito mundial, porém sua utilização difere entre os centros e mesmo entre os países, principalmente por ser co- mumente objeto de estrita regulamentação. A doação de oócitos constitui-se na situa- ção clínica única em que a gestação é obtida na ausência de corpo lúteo e importantes informações podem ser colhidas sobre o fenômeno de sincronia entre o endométrio e embrião, ou melhor, do processo inicial de implantação embrionária. Envolve duas mulheres: a doadora e a mulher que deseja engravidar. Basicamente, o procedimento consiste na estimulação da ovulação da mulher doadora como habitual para FIV e nos óvulos coletados inseminados com espermatozoides do parceiro da mulher receptora. Posteriormente, os embriões produzidos são transferidos para o útero da receptora hormonalmente preparada e/ou criopreservados para posterior transferência.

indicações

A doação de oócitos não é apenas indicada para situações de ausência de função ovariana (menopausa precoce, insuficiência ovariana precoce, disgenesias ovaria- nas, após ooforectomias bilaterais), mas também nas situações de presença da fun- ção ovariana, porém com repetidas falhas após estimulação ovariana nos programas de FIV. Além disso, também é aconselhada nos casos de risco de doença genética. Recentemente, houve uma ampliação das indicações da doação de óvulos nas pa- cientes com menopausa fisiológica, especialmente na faixa etária entre as décadas de 1950 e 1960, desde que se enquadrem como normais após exames médicos.

doadoras

Uma das grandes dificuldades em estabelecer um programa de doação de óvu- los é a disponibilidade limitada de doadoras. Além disso, um número conside-

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rável de potenciais doadoras pode apresentar alguma contraindicação médica, genética ou psicológica que inviabiliza a doação. É comum utilizar óvulos de pacientes que estão se submetendo a tratamento de FIV e concordam em doar parte de seus óvulos a uma outra paciente, em caso de boa resposta ovariana. Entretanto, há poucas pessoas com interesse de realizar a doação, por isso outras fontes têm sido estudadas. Entre as possíveis alternativas, estaria a maturação de oócitos obtidos do ovário de paciente submetida à cirurgia ginecológica. Outra opção seria a maturação e fertilização de oócitos obtidos por aspiração folicular em ciclos não estimulados. Além dessas alternativas, o congelamento por vitri- ficação é agora uma abordagem bem- sucedida para a criopreservação de óvulos humanos. Dados da literatura vêm aumentando rapidamente e comprovam a efi- cácia da técnica para armazenamento.

Por outro lado, deve-se obedecer às restrições legais. No Brasil, o Conselho Fe- deral de Medicina estipulou normas éticas para organizar os programas de doação de oócitos. A doação nunca terá caráter lucrativo ou comercial e, além disso, as doadoras não devem conhecer a identidade das receptoras e vice-versa. Obrigatoria- mente, será mantido sigilo sobre a identidade de doadoras e receptoras. Em situações especiais, as informações sobre as doadoras, por motivação médica, podem ser for- necidas exclusivamente para médicos, resguardando-se a identidade civil da doado- ra. Por outro lado, as clínicas, centros ou serviços que empregam a doação devem manter, de forma permanente, um registro de dados clínicos de caráter geral, com as características fenotípicas e uma amostra de material celular dos doadores. Na região de localização da unidade, o registro das gestações evitará que uma doadora tenha produzido mais que duas gestações de sexos diferentes numa área de um milhão de habitantes. Além disso, a escolha das doadoras é responsabilidade da unidade, que, dentro do possível, deverá garantir que tenha a maior semelhança fenotípica e imunológica e a máxima possibilidade de compatibilidade com a receptora. Além disso, as doadoras precisam entender os limites do seu papel e devem ser plenamente capazes e livres de qualquer coerção para assinar o consentimento informado.

triagem das doadoras

A seleção das doadoras deve seguir as exigências da agência de vigilância sani- tária (RDC/Anvisa no 33) para candidatos a doação de células e tecidos germinativos

com fins terapêuticos em terceiros.

Gerais

• Maioridade civil.

• Concordar em realizar uma avaliação médico-laboratorial. • Concordar em assinar o consentimento livre e esclarecido.

Doação de óvulos

• Concordar em realizar os testes para doenças infectocontagiosas durante a triagem e repeti-los seis meses após a data da coleta do oócito, inclusive no caso de utiliza- ção imediata do oócito sem criopreservação.

triagem clínica

São critérios de exclusão as seguintes condições: • mulheres com mais de 35 anos;

• doenças genéticas familiares ou próprias;

• malformações congênitas: lábio leporino, espinha bífida, hipospadia, malformação cardíaca e luxação congênita do quadril;

• história familiar de doenças autossômicas recessivas (albinismo, hemofilia) ou do- minantes (neurofibromatose, esclerose tuberosa);

• história de herpes genital, hepatite, condiloma genital e neoplasia maligna; • história familiar de asma, diabetes juvenil, epilepsia, psicose, artrite reumatoide,

doença coronariana precoce e neoplasias malignas com características familiares; • sorologia anterior reagente para as seguintes doenças transmissíveis: sífilis, HIV1

e 2, hepatites B e C ou vírus T-linfotrópicos humanos tipos 1 e 2 (HTLV I e II).

triagem sorológica

Deve ser realizada para as seguintes doenças infectocontagiosas: • sífilis;

• hepatite B (HbsAg e anti-HBc); • hepatite C (anti-HCV);

• HIV1 e 2; • HTLVI e II.

Apesar da doadora de oócitos no momento do procedimento apresentar sorologias negativas, teoricamente há risco posterior de soroconversão. Entretanto, até hoje não há descrição de transmissão do vírus do HIV por meio de gametas. Outra possibilida- de é utilizar óvulos criopreservados. Nesses casos, a liberação da amostra ocorreria após os testes sorológicos serem repetidos, em um prazo não inferior a seis meses.

receptoras

As receptoras devem ser saudáveis, devendo-se excluir contraindicações clínicas para gestação. Deve-se realizar triagem sorológica na paciente e em seu parceiro (sí-

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filis, hepatites B e hepatite C, HIV1 e 2 e HTLVI e II). Avaliações do fator masculino e de malformações uterinas também são necessárias.

A controvérsia sobre a limitação etária das receptoras ainda persiste. Há preo- cupações relativas à saúde das mães em idade mais avançada e dos fetos durante a gravidez e à capacidade de essas mulheres criarem um filho até a idade adulta.

sincronização doadora-receptora

Por definição, os eventos ovariano e endometrial estão dissociados nos ciclos de doação de óvulo. Por conseguinte, a sincronização eficaz dos desenvolvimentos embrionário e endometrial é passo crucial para o sucesso do programa. Os primeiros esquemas de sincronização entre doadora-receptora empregavam os esteroides de forma cíclica e fixa, com aumento periódico do estradiol na tentativa de imitar os incrementos habituais da fase folicular de um ciclo menstrual. Atualmente, os mo- delos de administração de esteroides tentam solucionar os problemas de sincronia entre doadora e receptora pelo prolongamento da fase folicular da receptora. Estudos confirmaram que a receptividade endometrial para a implantação embrionária não seria dependente da dose de estradiol ou progesterona.

O emprego de estradiol (valerato de estradiol, 17ß estradiol), por duas a quatro semanas, e a introdução de progesterona (micronizada via oral ou vaginal e em vei- culo oleoso via intramuscular), no dia anterior ao da coleta dos oócitos, seriam sufi- cientes para obter bons resultados. O emprego de ciclos menstruais artificiais para a transferência de embriões derivados de oócitos doados permitiu o estudo da chamada “janela” endometrial de receptividade. Habitualmente, nos mamíferos essa janela es- taria aberta por poucas horas, entretanto, nos primatas, esse período eleva-se para até três dias. Do ponto de vista prático, as gestações em pacientes com função ovariana ausente resultariam da transferência de embriões para um endométrio já submetido à ação da progesterona por um a quatro dias, desde que previamente desenvolvido pelos estrógenos, demonstrando que essa “janela” no ser humano é flexível. No caso de a receptora ainda possuir função ovariana, utilizam-se os análogos de GnRH para bloquear a atividade hormonal ovariana. A manutenção da ação estrogênica por até cinco semanas não afeta os resultados de um programa de doação de oócitos. Estudos demonstraram que o conceito de fase folicular prolongada pode ser mantido até nove semanas, sem interferir nas taxas de gestação, implantação ou aborto. Entretanto, descrevem alta incidência (maior que 44%) de sangramento após nove semanas de manutenção isolada da ação estrogênica. A administração de progesterona inicia-se no dia da administração de hCG ou no dia da coleta de oócitos pela doadora.

Comumente, a dosagem de ß-hCG é realizada 14 dias após a transferência em- brionária e caso a gestação seja confirmada, suplementação com esteroides deverá ser

Doação de óvulos

mantida até que o tecido trofoblástico esteja apto a manter a gravidez. Acredita-se que a placenta possa assumir a produção de progesterona ao redor da oitava semana de gestação Dessa forma, nas pacientes com ausência de função ovariana, teoricamente a suplementação com esteroides deveria durar até seis semanas após a transferência embrionária. Entretanto, existem divergências quanto ao tempo ideal para interrom- per o uso de estradiol e progesterona. Alguns autores preconizam a manutenção de doses fixas de esteroides por um tempo determinado, contudo outros se baseiam nas dosagens plasmáticas para o acerto final. Em geral, o estradiol e a progesterona são interrompidos, em média, entre 12 e 14 semanas. As doses de reposição hormonal baseiam-se nas taxas circulantes de esteroides avaliadas semanal ou quinzenalmente, procurando-se atingir 2.000 pg/ml de estradiol e 50 ng/ml de progesterona.

resultados com a doação de oócito

Segundo um levantamento realizado pela SAMR, referente a 2006, 12% de todos os ciclos são de reprodução assistida. A taxa de nascimentos após a transferência de embri- ões nessa população ficou acima dos 40%. Segundo o mesmo levantamento, as gesta- ções múltiplas estão associadas a maiores complicações maternas e neonatais, incluindo maiores taxas de cesariana, prematuridade, baixo peso ao nascer, problemas neurológi- cos e morte infantil. Entre as 6.315 gestações que resultaram de ciclos de reprodução assistida, utilizando embriões frescos a partir de óvulos doados, cerca de 54% foram gestações únicas, cerca de 37% eram gêmeos e quase 4% eram trigêmeos ou mais.

Por outro lado, segundo dados da Rede Latino-Americana de Reprodução Assis- tida, referente a 2007, foram realizados 3.970 ciclos de transferências de embriões a fresco provenientes de óvulos doados com taxas de gestação clínica de 45% e de nascimentos de 31,2%

leituras suplementares

1. Koutlaki N, Schoepper B, Maroulis G, et al. Human oocyte cryopreservation: past, present and future. Reprod Biomed Online. 2006;13:427-36.

2. Purewal S, van den Akker OB. Systematic review of oocyte donation: investigating attitudes, moti- vations and experiences. Hum Reprod Update. 2009;15:499-515.

3. Sauer MV, Kavic SM. Oocyte and embryo donation 2006: reviewing two decades of innovation and controversy. Reprod Biomed Online. 2006;12:153-62.

4. Soares SR, Velasco JA, Fernandez M, et al. Clinical factors affecting endometrial receptiveness in oocyte donation cycles. Fertil Steril. 2008;89:491-501.

5. Usta IM, Nassar AH. Advanced maternal age. Part I: obstetric complications. Am J Perinatol. 2008;25:521-34.

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