• Nenhum resultado encontrado

Docência universitária: o caso dos orientadores de estágio

CAPÍTULO 1 – (RE)CONHECENDO O PANO DE FUNDO

1.2 ANÁLISE DOS TRABALHOS SELECIONADOS

1.2.2. Docência universitária: o caso dos orientadores de estágio

Para Souza (2011), o ponto inicial de discussão sobre os formadores de professores é justamente a falta de preparação pedagógica para atuar neste nível de ensino. A partir desta afirmação, a autora se propõe a analisar a trajetória formativa dos professores de uma instituição de Educação Superior, enfocando a articulação entre a formação e a ação formadora.

Segundo esta autora, muitos são os problemas ou dificuldades que podem ser destacados, tais como: a dificuldade em promover experiências formativas que aproximem os futuros professores da realidade educacional, inexistência de trabalho compartilhado entre professores de disciplinas pedagógicas e específicas e a ausência de um programa de incentivo que não se limite a incentivar o ingresso e permanência nos cursos de licenciatura, mas que desenvolva nos futuros professores a consciência da importância do processo de formação. Dos achados de pesquisa da autora, chama-nos a atenção especialmente um deles: a de que há uma “forte relação existente entre as concepções e práticas formativas daqueles que formam e das concepções e práticas educativas formadoras que são voltadas para a docência. Isso é impedimento para a transformação de atitudes e práticas formativas/educativas” (SOUZA, 2011, p. 278). Tal constatação implica na reprodução de concepções formativas que se produzem a partir do fazer docente e, de certo modo, impedem mudanças que poderiam implicar em qualificação dos processos formativos.

Neste sentido, entendemos que estudos que tenham como enfoque os processos formativos no interior das instituições de Educação Superior são relevantes para compreender o modo como a formação ocorre e propor mudanças que impliquem na qualidade formativa. No caso específico da docência universitária exercida no contexto das disciplinas de estágio, tais demandas formativas se mostram ainda mais necessárias, tendo em vista que a fragmentação da formação inicial em teoria/prática, conhecimentos específicos e pedagógicos delega a estas disciplinas a tarefa de articular distantes dimensões inclusive na formação de futuros professores (RAYMUNDO, 2011).

Queiroz (2011) buscou apreender a representação social sobre o objeto formação de professores de 134 professores formadores, considerando a instituição formativa na qual estão inseridos e evidenciou “a cisão entre o pedagógico e o específico está operando plenamente no cotidiano das licenciaturas, apesar das intenções da reforma (p. 192)”, assim como parte significativa dos participantes disse não ter costume de refletir sobre o papel que cumprem como formadores de professores. Tais afirmativas não nos causam estranheza, tendo em vista que as pesquisas realizadas pelo GTFORMA já discutiram estes elementos, inclusive sinalizando algumas proposições no sentido de provocar mudanças nesta configuração.

40

Entretanto, o destaque da tese de Queiroz (2011) está para o fato de que, segundo os professores entrevistados pela pesquisadora, os alunos não veem importância nas disciplinas pedagógicas, porque entendem que as discussões propostas por estas disciplinas ficam apenas no plano da teoria e, na prática, em sala de aula, tem-se outra realidade. Também nos chama a atenção o fato de alguns dos professores da dimensão pedagógica afirmarem que os colegas professores da dimensão específica interferem na construção desta visão dos estudantes, uma vez que eles próprios não veem importância nas disciplinas pedagógicas. Por outro lado, a pesquisadora destaca que há também aqueles que, reconhecendo esta cisão entre dimensão pedagógica e específica, entendem que a primeira cisão está na própria dimensão pedagógica, que também se reconhece falha na construção dos fios que podem atrelar as duas dimensões.

André et. al (2010) apresentam um estudo que se propôs a investigar a relação existente entre os contextos institucionais e a atuação dos formadores em um contexto de constantes mudanças e demonstram que os aspectos institucionais tem influência sobre as relações que estes professores estabelecem com o seu trabalho, tanto a partir da noção de espaço físico que ocupam, quanto das experiências adquiridas em outras instituições. A pesquisa envolveu quatro instituições de Educação Superior, um total de 53 professores formadores de disciplinas pedagógicas e específicas de diferentes áreas. Indagados sobre os saberes que os constituem professores de uma instituição de educação superior, os participantes da pesquisa citam a “formação inicial e contínua, o currículo, o conhecimento do conteúdo, o conhecimento pedagógico, a experiência na profissão, a cultura organizacional, a aprendizagem com os pares, dentre outras (ANDRÉ, et. all, p. s/p)”. Neste ponto, é interessante que façamos uma importante observação, dos participantes da pesquisa destacada, alguns tiveram experiência na Educação Básica e creditam a esta a capacidade de integrar teoria e prática com maior facilidade, auxiliando os futuros professores na percepção desta relação. Tendo em vista a ausência de formação específica para atuação, os professores formadores fazem uso de elementos do percurso profissional, evidenciando que os saberes que fundamentam sua atuação docente foram adquiridos em diferentes momentos de suas trajetórias, como enunciados pelos docentes entrevistados: graduação, pós-graduação, lugares e pessoas que influenciaram suas constituições e implicaram o desenvolvimento profissional. Nos trabalhos de Feldkercher e Neves (2010) e Powaczuk (2012), encontramos referência à produção da pedagogia universitária como processo desenvolvido pelos docentes. Para André et.all (2010), o contexto de trabalho destes professores tem sido afetado por mudanças significativas que afetam a identidade destes professores e, consequentemente, os modelos de formação que se instauram nas instituições formadoras.

Nesta direção, com problematizações semelhantes, ainda que sob outro enfoque, destacamos o trabalho de Rocha e Aguiar (2012). Estas autoras se propõem a discutir os processos formativos na universidade, a construção da identidade e profissionalidade no contexto da universidade, a partir da afirmação de que os professores formadores exercem influência sobre os processos de construção identitária e profissionalidade dos futuros professores. Não havendo uma formação específica para os professores formadores, estes constroem seus processos formativos assentados na prática ou nos modelos que tiveram de professores neste nível de ensino. Neste sentido, a partir dos achados da pesquisa, Rocha e Aguiar (2012, p. s/p.) apontam que

A voz desses professores desvela como eles se sentem no seu fazer docente, o que tiveram que, reproduzir, construir, desconstruir, resgatar, ressignificar e conviver com a falta da formação universitária principalmente para lidar com a formação de futuros professores. Isso tudo parece apontar para uma necessidade sentida pelo próprio docente, de mudar, transformar e ressignificar seus saberes e fazeres diante dos desafios encontrados na sala de aula, da própria insegurança deixada pelas lacunas da formação que tem relação direta com a profissionalidade docente. E revela o caráter transitório em que o docente se encontra naquilo que faz, nas decisões que toma e, como as põe em prática. Esses dados apontam para a necessidade de uma formação continuada também na Universidade.

Dutra e Terrazzan (2010) apresentam resultados de uma pesquisa realizada na UFSM, a partir de entrevistas com orientadores de estágio supervisionado do curso de licenciatura em química. Os autores compreendem que o papel do professor formador responsável pela disciplina de estágio curricular supervisionado é a de extrapolar os limites da sala de aula, promovendo reflexões sobre contexto social, político e econômicos na construção da noção da prática com função social. A reflexão como prática social envolve professores e estudantes na constituição de comunidades de aprendizagem que se apoiam no desenvolvimento de saberes e competências próprias à profissão professor.

Enfocando a formação docente dos professores orientadores, Dutra e Terrazzan (2010) salientam que os professores formadores iniciam seu trabalho docente nesta disciplina por meio de concurso público. Os professores entrevistados destacam os estudos sobre formação docente e ciências humanas como preparação para realizar o trabalho de orientação, assim como gosto pela docência. A aprendizagem dessa função, segundo o estudo realizado, é creditada a prática, ou seja, é na prática cotidiana que estes professores vão se constituindo professores orientadores de estágio. As experiências anteriores com a Educação Básica e estudos nas ciências humanas e na área da formação também são elencados como aspectos importantes. Esses autores afirmam que estudos que auxiliam a compreensão da preparação e

42

formação dos professores formadores, orientadores de estágio curricular supervisionado, são relevantes, incidindo nos estudos sobre formação de professores.

Os professores formadores orientadores de estágio foram também o foco do estudo proposto por Pires (2012). A discussão proposta pela autora parte do pressuposto que o estágio é a articulação de duas dimensões de grande valia para a formação inicial de professores, a prática e a teórica. Nesta direção, a autora destaca o fato de que as práticas dos orientadores de estágios são ainda muito tradicionais. Ainda que nas produções discursivas apareçam concepções teóricas novas, na prática essas ideias não ultrapassam o território da Educação Superior, esvaziando-se de sentido no que se refere à operacionalização na sala de aula das escolas, campo de atuação profissional dos futuros professores.

Para Pires (2012) é a concepção que o orientador tem sobre o estágio que incidirá sobre a construção da identidade profissional do futuro professor. Com o intuito de compreender como os orientadores entendem sua formação, como concebem seu trabalho de orientadores e como pensam ser vistos pelos estagiários a pesquisadora contou com a participação de 12 orientadores de estágio, abrangendo as áreas das humanas, exatas e da saúde, professores que receberam os estagiários e os estagiários.

Segundo a pesquisa realizada por Pires (2012), os professores orientadores não têm boas lembranças de seus estágios e destacaram que não havia um procedimento de orientação estabelecido; alguns relataram ter vivenciado modelos significativos de formação que hoje lhes servem de modelo de como orientar; todos enfatizaram a importância do estágio na formação inicial, mas revelaram que as orientações recebidas não facilitaram a inserção na escola; sobre a trajetória profissional apontaram a experiência na Educação Básica como significativa. No que se refere à atuação docente, esta é construída com base em “discussões na Universidade, entre eles e os estagiários, através de literatura sobre formação de professores, sobre contexto escolar, sobre formas de intervenção de acordo com cada licenciatura, concomitantes à ida dos estagiários às escolas (PIRES, 2012, p. s/p.)”. A inserção na escola pelos estudantes se dá inicialmente pela orientação na direção de conhecer os aspectos e funcionamento estrutural da instituição escolar.

Nas conclusões do estudo, Pires (2012) aponta que a relação entre professores orientadores e professores regentes ainda é frágil e que a Universidade e a Escola ainda estão distantes, uma da realidade da outra, mesmo quando se trata de Colégio de Aplicação. A relação entre os professores regentes e orientadores fica restrita à negociação do campo de estágio e, em muitos casos, nem isso. De acordo com a autora do estudo, este distanciamento é perceptível no fato de que os estagiários não citarem os professores regentes em suas

colocações, ou porque estão satisfeitos com a orientação do professor na universidade ou porque, simplesmente, não compreendem o professor regente como um agente importante no processo formativo.

Foi possível evidenciar que o número de estudos realizados sobre a docência no ensino superior enfocando as disciplinas de estágio e a prática docente do orientador desta disciplina tem crescido consideravelmente nos últimos anos. Os estudos têm explorado desde diferentes perspectivas (orientadores e/ou professores supervisores das escolas e/ou estagiários), em especial, a relação da escola com a universidade, o trabalho do orientador, a relação formativa estabelecida. Nestes estudos evidenciamos que apesar dos esforços empreendidos, a escola e a universidade permanecem distantes, os professores do ensino superior pautam seus fazeres em modelos que tiveram ou no conhecimento da área específica e desta fazem emergir as relações formativas (SOUZA, 2011; CUNHA, 2012). Neste sentido, Cunha (2012) aponta a necessidade de estudos que enfoquem a construção de uma Pedagogia Universitária capaz de refletir não só sobre o campo específico, mas também sobre ensinar e aprender que envolvem a docência universitária, ampliando a possibilidade de diálogo epistemológico interdisciplinar.