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Estágio curricular supervisionado (ECS): dos sentidos e significados

CAPÍTULO 1 – (RE)CONHECENDO O PANO DE FUNDO

1.2 ANÁLISE DOS TRABALHOS SELECIONADOS

1.2.3. Estágio curricular supervisionado (ECS): dos sentidos e significados

Parte significativa dos trabalhos analisados evidencia que as mudanças ocorridas por conta das legislações educacionais nem sempre ecoaram de modo relevante nas relações e processos formativos dos professores implicados no estágio curricular supervisionado. Entretanto, mesmo reconhecendo que há muitos desafios a serem enfrentados, o estágio é tido como elemento importante da formação de professores, seja ela inicial ou continuada.

Entre os desafios a serem enfrentados, destaca-se a visão do estágio supervisionado como a parte prática do curso de formação de professores e responsável pela união da teoria e da prática; a insuficiente informação sobre a constituição e desenvolvimento das atividades e concepções implicadas no processo; a difícil articulação entre as instituições formativas (a escola e a universidade); a disparidade de concepção do estágio entre os envolvidos; a pouca ou inexistente articulação interna e com o estágio das disciplinas que compõe os currículos formativos na instituição de Educação Superior e aproximações com o contexto escolar. Esses elementos interferem de modo significativo na formação e, segundo Calderano (2013), têm sido discutidos por autores de teses que se interessam pelo tema estágio curricular supervisionado como possibilidade de que este cumpra o papel de dispositivo na produção de

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um novo ser e pensar. Para Calderano (2013) os professores supervisores nas escolas podem contribuir no sentido romper com a visão ilusória que graduandos e até mesmo professores orientadores têm das escolas, construindo com base na docência compartilhada, a noção de estágio como espaço de construção conjunta de saberes e práticas, onde além da formação se partilha o trabalho docente.

Diante dos desafios que estão postos pelos mecanismos institucionais produzidos no contexto do estágio e na tentativa de mudar e transformar as relações entre escola e instituição de Educação Básica, Cyrino e Neto (2013) discutem a interventoria como proposta de acompanhamento de estagiários. Tal proposta parte do pressuposto que as denominações dadas às pessoas envolvidas no estágio carregam concepções sobre a atividade. Assim, a interventoria “é um processo pelo qual se pressupõe interferência e intenção por parte do Interagente (professor universitário), da escola, e do professor-parceiro na influência sob o desenvolvimento do estagiário, além de todos estarem conscientes do processo (CYRINO e NETO, 2013, p. s/p)”. Nessa direção, os autores destacam que o professor interagente tem a função de proporcionar momentos de interação dos estudantes com a escola, já o professor- parceiro, a partir da comunicação, deve estabelecer com o outro (estagiários) uma relação de reciprocidade na qual há trocas de experiências. A concepção de estágio implicada nesta proposta é a de construção, de aprendizagem e a de um olhar sobre a profissão docente que procura [re]significar a visão sobre e para a escola (CYRINO e NETO, 2013).

A tese de Borges (2012) sinaliza que, salvo exceções, as experiências dos professores parceiros, nas escolas, que recebem estagiários demonstram a fragilidade das relações da parceria estabelecida entre universidade e escola. Tal parceria precisa extrapolar as relações de amizade e de primeiro contato com as escolas, conforme salientam alguns dos professores participantes da pesquisa realizada. As considerações do autor sinalizam que os professores parceiros creditam ao acompanhamento mais efetivo dos estagiários na escola, pelos orientadores, a qualidade desta atividade, salientando que apesar da carga de trabalho, os esforços para o estabelecimento desta atividade compartilhada na escola renderia uma qualificação mais significativa dos processos de aprendizagem.

Os participantes da pesquisa realizada por Borges (2012) que recebem estagiários chamam ainda a atenção para um fato importante no processo de formação de professores, a construção da identidade docente. Para alguns dos professores das escolas ainda é frequente receber alunos da licenciatura que não têm interesse pela sua formação e que por isso costumam não desenvolver as atividades com o mesmo envolvimento que, segundo os

participantes, é esperado de um estagiário que receberá a autorização legal, através de diploma, para exercer a profissão de professor.

Quando o envolvimento do estagiário está presente, a atividade contribui para o conhecimento das atividades realizadas no cotidiano escolar. Compreendemos que para o estagiário, além do conhecimento da sala de aula, espaço no qual empreenderá os processos de ensino na futura profissão como professor, precisará envolver-se com outras atividades que constituem a escola como instituição de ensino. No entanto, a visão exposta pelos professores da escola entrevistados na pesquisa de Borges (2012) denuncia a fragilidade desta dimensão formativa, pois aponta que muitos estagiários chegam à escola com o intuito de preencher fichas, pautados na ideia de que aquela é uma atividade burocrática que precisa ser desenvolvida, mas não ultrapassam a observação e a descrição mecânica do que é vivenciado. Para os professores participantes da pesquisa de Borges (2012) a formação inicial não tem preparado os estagiários no sentido da profissionalização da profissão docente.

Segundo Borges (2012), os professores entrevistados afirmam que muitos estagiários chegam ao campo de estágio sem ter noção do processo de transposição didática, não conseguem adaptar os conhecimentos apreendidos nas salas de aula na universidade para o ensino na escola. Tais deficiências parecem eclodir no momento do estágio supervisionado, mas não podem ser de responsabilidade do professor orientador de estágio. O conhecimento sobre o conteúdo a ser ensinado e o modo como esse processo precisa ser desenvolvido, é tarefa de todos os professores formadores.

Nesse sentido, fica evidente a complexidade que envolve a realização do estágio, pois, identificam-se problemas de diferentes esferas implicadas na realização nessa atividade: “da ordem institucional no âmbito da universidade, problemas da ordem institucional na Escola Básica e problemas da ordem do comportamento individual das pessoas professores parceiros e supervisores (BORGES, 2012, p. 115)”.

Para os professores supervisores de estágio entrevistados, segundo Borges (2012), é comum a compreensão de que o estágio é um momento importante para a formação inicial, porque proporciona reflexões sobre a formação, a profissão e a profissionalização docente. Por isso é necessário que haja uma maior conscientização por parte do estagiário do momento que vivenciará no estágio. Borges (2012) aponta que os supervisores buscam fortalecer a ideia de que o professor é também um pesquisador e que esta é uma das competências necessárias ao professor, por isso a necessidade de pensar na disciplina específica voltada à escola, campo de atuação do futuro professor. Neste sentido, o trabalho tem sido árduo na direção de conscientizar o estudante a romper com a ideia de que para ensinar, basta saber apenas o

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conteúdo, no entanto, os professores entrevistados na pesquisa de Borges (2012) relevam que esta é ainda uma demanda presente, e que em muitos casos é produzida dentro das instituições formadoras que desprestigiam a licenciatura em prol ao bacharelado.

De acordo com a pesquisa de Borges (2012), na compreensão dos supervisores de estágio esta atividade tem extrema relevância para a formação docente

No entanto, não pode ser considerado o único componente curricular responsável por essa mesma formação. É necessário se repensar todo o curso de formação docente, considerando questões cruciais, tais como as discussões acerca da relação teoria/prática, questões relacionadas aos saberes e identidade docente, a profissão e profissionalização do professor. [...] reflexões e debates sobre a disputa entre Bacharelado e Licenciatura travadas nas universidades e que imprimem aos alunos das mesmas, mais especificamente aos licenciandos, a ideia de que não gozam de prestígio na universidade, estendendo esse sentimento para a profissão docente como um todo (p. 118).

Problemas de ordem ideológica (valorização do bacharelado em detrimento à licenciatura e à ideia de que esta é mais fácil), de ordem burocrática (ligados à infraestrutura) também são apontados pelos professores supervisores que, ao passo que reconhecem a relevância da atividade, identificam lacunas, desafios e obstáculos a serem enfrentados na busca de uma efetivação mais significativa dessa prática que envolva os professores (da Educação Básica, da instituição de Educação Superior e o professores em formação inicial) em uma relação de parceria pela aprendizagem docente.

Para Borges (2012, p. 123) “pode-se dizer, portanto, que o que está em jogo é a “cultura” da desvalorização da Licenciatura que é produzida antes, durante e depois da formação de professores por diversos mecanismos desvalorativos que atingem a profissão docente como um todo”. Este fato está, segundo nos parece, relacionado à baixa procura dos cursos de licenciaturas nas universidades federais brasileiras, ao passo que o número de desistentes também é crescente nestes cursos.

Neste sentido, para Borges (2012), “a objetivação do Estágio Curricular Supervisionado, conforme previsto na legislação educacional e como defende a respectiva literatura acadêmica, efetiva-se nos modos pelos quais os professores supervisores e os professores parceiros concebem e fazem o Estágio (p. 123)”, perpassando, portanto, os sentidos e significados que lhe são atribuídos pelos sujeitos implicados no processo. Este autor salienta ainda que os esforços empenhados no sentido de estabelecer um sistema de parceria que ultrapasse as relações interpessoais é que tem movimentado a constituição deste campo de conhecimento implicando na aprendizagem significativa dos envolvidos no processo, professores supervisores, professores parceiros nas escolas e futuros professores.

Pereira e Agostini (2010) destacam a partir da visão dos estagiários, o que consideram a primeira experiência como professor ainda no curso de graduação. As autoras salientaram que, em geral, o estágio é vivenciado como um choque de realidade, repleto de anseios que podem ser traduzidos em dúvidas, questionamentos, desafios, dificuldades e expectativas; os estagiários consideram que o tempo para esta atividade é limitado e sinalizam para a necessidade de uma maior integração da universidade com a escola.

Os elementos apontados por Pereira e Agostini (2010) sugerem que o estágio necessita da construção de uma relação efetiva por parte do estagiário e do professor regente na escola para que haja contribuição dos professores experientes na formação de futuros professores.

Problematizando o estágio desde o mesmo enfoque que Pereira e Agostini (2010), Cyrino e Neto (2010), investigam o estágio supervisionado desde as perspectivas dos professores das escolas, dos estagiários e da instituição escolar. A discussão proposta pelos autores aprofunda as discussões sobre os processos de orientação de estágio, enfatizando a falta de formação específica para o trabalho a ser desenvolvido pelos professores na escola, no que diz respeito à formação de futuros professores. Neste sentido, vale ressaltar que os professores das escolas, em geral, não recebem orientações de como proceder nos encaminhamentos do estágio e por isso é comum, segundo Cyrino e Neto (2010) que compreendam os estagiários como auxiliares dentro da sala de aula, não como futuros profissionais e não saibam como orienta-los.

A pesquisa revelou ainda a dificuldade e insegurança com o fazer pedagógico dos estudantes em situação de estágio, o que possibilita apontar para o processo de significação dos discursos promovidos na universidade em choque com a realidade da escolar, na qual o estudante está inserido. Nessa perspectiva, os autores afirmam:

[...] a partir das entrevistas com os estudantes e professores, dois tipos de encaminhamentos no que tange ao professor formador: o primeiro é aquele que forma o aluno a partir do modelo “tentativa erro” (GARCIA, 1999), ou seja, deixa o estagiário aprender por si as questões da prática pedagógica; outra perspectiva encontrada é o docente que forma o estagiário a partir do âmbito reflexivo, consistindo no professor-colaborador orientar os alunos sobre os problemas encontrados na prática pedagógica, os cuidados e passar seu saber experiencial. Outra observação importante a fazer é o aprendizado que o aluno-mestre tem quando se relaciona com o professor colaborador, apontando para a ausência de uma formação efetiva do professor formador abarcando seu saber da experiência e como este pode ser passado de uma forma não mecânica aos futuros professores em formação, entendendo que essa formação é necessária (CYRINO e NETO, 2010, p. 11).

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O estudo de Rodrigues (2012) parte do pressuposto que uma mudança necessária na formação de professores e, em específico, no período de estágio curricular supervisionado, é passar a compreender a escola como lugar que proporciona a construção de saberes e não como aplicação de conhecimentos. Tal proposição está assentada em uma experiência de estágio significativa que objetivou o compartilhamento de saberes daqueles que estão em fase de construção de saberes para a docência e daqueles que vivenciam a docência na escola. Para a autora, a experiência demonstra que quando o processo de parceria entre estagiário e professor regente é estabelecido, as trocas ultrapassam o espaço da sala de aula e outros elementos passam a ser observados e problematizados, mobilizando a formação significativa. A realidade do professor da escola passa a ser conhecida pelos estagiários, assim como o professor que o recebe compreende as dificuldades, demandas e necessidades que estes têm diante do processo de formação inicial.

Rodrigues (2012) aponta, entretanto, questões que precisam ser repensadas para que o estágio ocorra de modo significativo para todos os envolvidos. Para a autora, os professores orientadores, em geral, possuem muitas atividades para dar conta no interior de suas instituições e, igualmente, os professores regentes das escolas acabam assumindo várias instituições para que haja uma compensação salarial o que acarreta a sobrecarga de trabalho. Diante das questões apontadas a autora sinaliza a “necessidade de pensar em uma proposta de formação de professores que não ignore a distribuição de tempo e funções dos envolvidos no estágio, para torná-lo um rico espaço de construção de conhecimento” (p. 13).

Esta também é a postura assumida por Andrade (2012) em sua tese quando assevera que

[...] diferentemente dos estágios que ocorrem em empresas (de outros cursos), não basta encaminhar o estudante ao seu futuro local de atuação, é necessário que as ações realizadas pelo futuro professor sejam consideradas e problematizadas no currículo do curso de formação, pois o currículo é a personificação do curso e, por consequência, é um corpo em movimento; ou seja, há um espaço/tempo privilegiado para uma análise crítica e diálogo das práticas sociais desenvolvidas na escola, na tentativa de interagir a realidade profissional com os elementos estudados do curso (ANDRADE, 2012, p.9-10).

Em geral, as escolas de Educação Básica, não percebem um ganho efetivo e real quando são convidadas a participarem de forma mais significativa e ativa no processo de formação de professores. Para Andrade (2012) esta é uma questão merecedora de atenção, pois, se por um lado é compreensível que os problemas enfrentados no sistema escolar são notórios e merecem a atenção da sociedade, por outro, um caminho possível é a

conscientização na formação inicial de novos modos de enfrentamento que viabilizem uma reescrita da história educacional.

Andrade (2012) discute três concepções de aprendizagem da docência, a partir do olhar do estágio curricular supervisionado, que nos parecem interessante: conhecimento para a prática, em prática e da prática. Para a autora, é necessário que seja superada a ideia de polarização entre teórico e prático, que correspondem respectivamente ao conhecimento para a prática e o conhecimento em prática para engendrar no processo de formação inicial a concepção de um conhecimento nutrido ao mesmo tempo de dimensões práticas e teóricas.

Nesse sentido, torna-se essencial tomar a prática como investigação e compreender que esse processo contribui para o aprendizado e produção de conhecimento da docência, pois investigar a prática significa ter que haver uma teoria subjacente e a resultante disso é a ressignificação de um dado corpo teórico ou a produção de diretrizes para uma nova base de conhecimento (ANDRADE, 2012, p. 36).

Raymundo (2011) relatando seu processo formativo destaca que bastou que adentrasse oficialmente em uma instituição de ensino de Educação Básica, para que tomasse consciência de que as técnicas metodológicas que haviam lhe servido, em especial, no período do estágio supervisionado, não eram suficientes para o desenvolvimento de seu trabalho docente. Assim, para esta autora, o desafio dos cursos de formação de professores, “está em oferecer instrumentos teórico-práticos aos educadores para enriquecer e depurar o senso comum, levando-os a adquirir capacidade reflexiva para indagar sobre as relações sociais e educacionais nas quais estejam inseridos, procurando desvela-las” (RAYMUNDO, 2011, p. 13).

Para esta autora, a formação de professores precisa ser construída na concomitância das dimensões teórica e prática. Para que isso ocorra duas engrenagens formativas são necessárias; a primeira trata da relação entre as disciplinas que constituem o processo formativo inicial na instituição formadora; a segunda, diz respeito à realidade vivenciada nos contextos da Educação Básica.

Quando se trabalha integralmente teoria e prática, permitindo que a primeira seja o ponto de reflexão crítica sobre a realidade a fim de poder transformá-la, o estágio poderá constituir-se um elo, que certamente culminará numa proposta significativa de interferência com vistas à mudança e à busca da qualidade de ensino. Assim, formaremos um profissional dos conhecimentos específicos e pedagógicos, que fará de sua prática um processo contínuo de investigação (RAYMUNDO, 2011, p. 100).

O estágio curricular supervisionado se apresenta como um importante instrumento de mobilização de saberes profissionais do professor e, por isso, os estudos apontam que a

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parceria entre instituições formadoras (universidade e escola) e uma perspectiva formativa construída pela pesquisa e reflexão a partir da prática e da teoria podem auxiliar na formação inicial e continuada de qualidade.

1.3 DISTANCIAMENTOS E APROXIMAÇÕES: VISLUMBRANDO POSSIBILIDADES