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CAPÍTULO 1 UM COMPROMISSO SÓCIO-COGNITIVISTA

1.4. DOMÍNIOS COGNITIVOS NA CONSTRUÇÃO DE CATEGORIAS

1.4.2. DOMÍNIOS LOCAIS: A TEORIA DOS ESPAÇOS MENTAIS

Segundo Fauconnier & Sweetser (1996, p. 8-9), a linguagem nos permite falar não só sobre o que é, mas também sobre o que poderia ser, o que será, do que se espera, do que se acredita, de hipóteses, do que é visualmente esperado, do que aconteceu, do que deveria ter acontecido, dentre outros . Sendo assim, dependendo dos propósitos que temos em mente, fazemos referência a diversos fatos. Para Fauconnier & Sweetser, a idéia central é a de que quando as pessoas se envolvem em um evento de fala, espaços mentais são construídos, estruturados, e ligados a partir da gramática, do contexto e da cultura, e são motivados pela sua intenção comunicativa. O efeito disto é a criação de uma rede de espaços através dos quais nos movemos à medida que o discurso ocorre. A linguagem aciona os meios para se construir o significado, assim como o contexto em que os participantes estão inseridos, a experiência anterior dos mesmos e as conexões feitas a partir das construções de espaços mentais. É inerente à cognição humana contextualizar e acessar informações de maneira diferente em contextos diferentes (p. 8).

Há expressões lingüísticas que podem criar novos espaços, ligar espaços a outros externos, ou remeter o ouvinte a um espaço anterior ou posterior, que são denominadas de

construtores de EM. Estes construtores são expressões lingüísticas variadas, desde os tempos e modos verbais até sintagmas adverbiais e preposicionais que introduzem as marcas de diferença entre um espaço e outro, projetando um domínio em outro. Os construtores de espaço acionam, entre outros, domínios de crença (eu acho, eu acredito, eu penso que ele é holandês); de imagem (na foto, na pintura, Cris tem olhos azuis); espaços contrafactuais ou hipotéticos (se sua mãe estivesse viva e ouvisse tal absurdo, ela desejaria estar morta); de gradação, escala (Macunaíma é um tipo de anti-herói); espaços construtores de tempo (na

adolescência, eu podia derrotar qualquer um de vocês na corrida); de drama (no filme, Camila

Morgado é Olga Benário); de lugar (no nordeste todas a praias são belas); bem como espaços construtores de certos modelos culturais como no judaísmo, Jesus é apenas um homem ; na lingüística, a noção de erro é bastante diferente ; no futebol americano, a trave se parece com um ípsilon gigante .

Os EM são constituídos de conjuntos de domínios conceptuais ou do conhecimento oriundo de muitos domínios separados. São construídos de maneira dinâmica na memória de trabalho, mas também se tornam arraigados na memória de longo prazo. A experiência imediata é outra fonte para se construir espaços mentais.

O modelo dos Espaços Mentais baseia-se na capacidade da mente humana em que a linguagem é considerada um instrumento cognitivo. Dois construtos teóricos são pertinentes ao modelo: as noções de domínios e projeções. O princípio nuclear da cognição humana corresponde à projeção entre domínios, desta forma operando a produção, o fracionamento da informação, a transferência e o processamento do sentido (Cf. SALOMÃO, 1999).

Segundo este modelo, as projeções têm como função construir e ligar domínios. Fauconnier (1997, p. 9) afirma que para falar ou pensar sobre determinados domínios (domínio alvo), usamos estruturas de outro domínio (domínio fonte) e do correspondente vocabulário. Essas projeções ajudam-nos a entender as intenções dos falantes no discurso e

são também fontes de evidência de que a negociação conceptual está presente na linguagem cotidiana.

De acordo com esta perspectiva, a projeção conceptual tem lugar entre espaços mentais, que são definidos como representações temporárias construídas pelos falantes. Estes espaços dependem em larga medida de estruturas cognitivas estáveis (como os Modelos Cognitivos Idealizados), mas diferentemente destes, os EM são representações de curto prazo, cuja função é responder às necessidades de conceptualização, muitas vezes novas e mesmo únicas, dos falantes.

Esta teoria postula a existência de quatro (ou mais) espaços mentais envolvidos no processo de projeção conceptual entre domínios: dois espaços de input (espaços influentes correspondentes ao domínio-fonte e ao domínio-alvo), um espaço genérico que comporta a estrutura abstrata partilhada pelos dois espaços anteriores (e eventualmente por muitos outros) e ainda um espaço-mescla (blend), em que se verifica a combinação, a mistura, de representações dos espaços influentes, e por vezes, também de outros espaços mentais cuja informação é mobilizada. É desta mesclagem que resulta uma nova conceptualização, não submissível a uma soma das estruturas dos espaços influentes, nem a um mero conjunto de correspondências previsíveis fora deste processo.

Esquema 1: Diagrama Básico de Quatro Espaços

Esta estrutura apresenta as seguintes características (Cf. FAUCONNIER & TURNER, 2002, p. 40-47):

Os EM configuram-se como pequenas estruturas conceptuais construídas à medida que pensamos ou falamos para os propósitos de compreensão e ação local. Eles são conectados às estruturas de conhecimento. Os espaços mentais são extremamente parciais e contêm elementos tipicamente estruturados por enquadres. São interconectados, podem ser modificados à medida que o discurso se desdobra e podem ser usados para modelar mapeamentos dinâmicos entre pensamento e linguagem. São representados por círculos, enquanto os enquadres são representados por retângulos e quadros.

Enquadres são a organização dos elementos de um EM e suas relações vitais. Espaços Influentes (input) estruturas parciais que organizam o conhecimento.

Espaço Genérico Espaço Influente 2 Espaço Influente 1 Espaço-Mescla Estrutura Emergente = x = y Enquadre

Mapeamento entre espaços conecta as contrapartes dos espaços influentes através do Princípio de Identidade (linhas sólidas) ou de projeção (linhas tracejadas). Na projeção seletiva nem todos os elementos de um input são projetados na mescla.

Espaço Genérico mapeia sobre cada um dos espaços influentes e contém o que aqueles têm em comum.

Espaço-Mescla a mesclagem dos espaços influentes. Estrutura projetada dos espaços influentes.

Estrutura emergente desenvolvida no espaço-mescla a partir de estruturas que não estão nos espaços influentes. Envolve:

a) Composição das relações na mescla que não existiam nos inputs. Fornece relações que não existem em separado nos inputs. Elementos contrapartes podem ser compostos pela inclusão separada na mescla ou pela projeção do mesmo elemento na fusão do blend.

b) Acabamento que traz estrutura adicional para a mescla. A mescla recruta grande gama de sentidos e conhecimentos prévios.

c) Elaboração de uma mescla integrada. A operação dinâmica da mescla modifica imaginativamente a estrutura emergente. Tratamos a mescla como simulações e a operamos imaginativamente de acordo com princípios estabelecidos para ela. Há sempre muitas possíveis e diferentes linhas de elaboração que prosseguem indefinidamente.

Conexão - integração de diferentes fontes em uma unidade. Ex. Se eu fosse você (domínio fonte), usaria o vestido vermelho (domínio alvo).

As linhas no diagrama básico de integração conceptual dinâmica que representam projeções e mapeamentos conceptuais podem ser pensadas como correspondentes das co-ativações neuronais e conexões no cérebro.

Este é justamente um dos aspectos mais produtivos da teoria dos espaços mentais em relação às abordagens de apenas dois domínios, ou seja, postular a existência de "espaços intermédios" (middle spaces) permite explicar a elaboração/transformação da informação projetada, que parece ser uma característica essencial deste processo. O espaço-mescla permite explicar a emergência de uma estrutura nova, que é um produto da projeção conceptual e não pode, por isso, ser encontrada nos espaços de input. A projeção conceptual constitui, segundo Fauconnier e Turner, um processo cognitivo fundamental, responsável por fenômenos como a categorização, a formulação de hipóteses, os mecanismos inferenciais, a contrafactualidade, etc.

Fauconnier & Turner (1996) apontam que uma das funções do espaço-mescla é proporcionar diferentes reações emocionais a um dado cenário. A integração conceptual que ocorre nos espaços mesclados é usada para formar novos conceitos ou podem ser empregados para gerar conceitos disponíveis para alguma necessidade local, geralmente retórica.