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CAPÍTULO 1 UM COMPROMISSO SÓCIO-COGNITIVISTA

1.1. POR UMA TEORIA DA COGNIÇÃO SOCIAL

1.1.1. ENFOQUES MENTALISTAS DA COGNIÇÃO SOCIAL

Para Jackendoff (1992, p. 69), a mente humana pode ser fatorada em um número considerável de faculdades ou módulos, cada um dos quais é especializado no processamento de uma forma específica de informação e no desenvolvimento de tipos particulares de tarefas perceptuais ou cognitivas . Segundo o autor, pode-se, desta forma, argumentar em favor de um módulo ou grupo de módulos (uma faculdade) especializado na cognição social. Uma teoria modular , assim proposta, não rejeita o componente cultural específico da designação social atribuída à cognição, no entanto, implica uma base inata bastante forte que limita a variação culturalmente dependente.

uma visão integrada do eu na sociedade. Enquanto que as unidades fundamentais da cognição espacial seriam as de posicionar os objetos no espaço, as da cognição social seriam as pessoas na interação social. Do mesmo modo, a cognição espacial lidaria com perguntas to tipo o que é isso? e onde está isso? enquanto a cognição social se ocuparia de responder quem são os indivíduos e qual é a relação entre uma dada pessoa e o eu ou os outros.

Neste domínio, as noções centrais à compreensão das relações sociais e das ações sociais são as relações de parentesco, de pertencimento ao grupo, a relação de dominância entre os membros de uma cultura. A estrutura conceptual deve incluir elementos combinatórios relacionados à organização social e que não têm base imediata na percepção. Assim, os conceitos sociais constituem um domínio separado da percepção e categorização de objetos ordinários (JACKENDOFF, 1992, p. 72).

Uma faculdade central da cognição social considera o conhecimento sócio-cultural variável de uma cultura para outra, e de um indivíduo para outro, na mesma cultura, o que poderia sugerir ser este conhecimento totalmente aprendido. No entanto, o que tal cognição prefere buscar, na mesma direção dos estudos da linguagem, são os princípios subjacentes que possibilitam à criança aprender as convenções específicas da cultura na qual ele ou ela está situado.

Apesar da variação cultural, há aspectos amplamente difundidos (provavelmente universais) que formam a estrutura básica sobre a qual as culturas são construídas. Estes aspectos envolvem as noções de parentesco, pertencimento, dominância, propriedade, papéis sociais e rituais elaborados. Ou seja, há componentes inatos substancialmente válidos subjacentes à especialização da organização social, específica da espécie, o que sugere fortes razões evolucionárias da existência de uma faculdade da cognição social (Cf. JACKENDOFF, 1992, p. 74-75).

alertando-nos para suas implicações na resposta a um total relativismo cultural e para o fato de que outras teorias biológicas que se prestaram a explicar a sociedade humana à luz de uma objetividade científica livre de juízo de valor foram quase sempre usadas para fazer distinções hostis entre grupos de pessoas e justificar políticas racistas e sexistas. Para o autor, no entanto, sua abordagem acentua a universalidade da cognição social na espécie humana e, portanto, a igualdade essencial dos indivíduos e grupos neste domínio.

Deslocando a discussão para o campo da psicologia cognitiva contemporânea, a cognição social refere-se à tentativa de aplicação das regras básicas da psicologia cognitiva ao ato de conhecer concebido como ato de percepção e compreensão dos seres humanos. Este enfoque parte da noção que o raciocínio é uma atividade mental privada e procura encontrar o mecanismo de processamento de informação que é responsável pela seleção, recuperação e produção dos julgamentos sociais, para então designar as variáveis que afetam sua atuação e aquelas que são afetadas pelos seus resultados.

Tal concepção de cognição social pode ser descrita como um empreendimento individual, uma vez que os seres humanos operam como máquinas isoladas de processamento informacional, ou como cientistas desinteressados tentando garimpar informações sobre o mundo através do uso de processos racionais (Cf. CONDOR & ANTAKI, 1997, p, 321).

Deste modo, a cognição social de orientação mentalista assume a categorização como um traço básico dos processos mentais humanos. As categorias são estruturas mentais que não dependem de qualquer manipulação consciente, mas são automaticamente capazes de possibilitar as inferências que guiam nossas ações. Este tipo de raciocínio remonta à pré- história da psicologia, cristalizado na demonstração de Rosch (1978) da centralidade dos protótipos na compreensão que as pessoas têm das categorias cotidianas.

Algumas críticas fazem-se necessárias à concepção mentalista da cognição. Reportaremo-nos àquelas feitas por Mondada (2003a, p.12), que propõe uma sub-

classificação da cognição mentalista em duas posturas: uma exógena, ética e irônica, e outra que preserva o modelo de planejamento.

Para a autora, a cognição não pode ser tratada como um dispositivo abstrato, individual, interior, descontextualizado e mesmo universal, como o faz um programa exógeno, mas deve levar em consideração uma dimensão situada, corporificada, às voltas com os detalhes do desenvolvimento das ações sociais, das quais a interação conversacional é uma das manifestações prototípicas.

A análise das atividades dos atores engajados em contextos diversos repousa sobre a consideração dos meios pelos quais eles sustentam, defendem e ajustam seus pontos de vista à estruturação de suas condutas. Estes métodos são localmente elaborados e tornam-se reconhecíveis no curso do engajamento social. Esta postura é antípoda de outra, irônica, que repousa sobre uma relação de competição e de concorrência entre os saberes atribuídos aos participantes do contexto e o saber do observador que investiga estes contextos.

A autora pontua que a conseqüência da postura irônica é duplamente indesejável, tanto porque trata os atores sociais como se fossem idiotas culturais (judgemental dopes), e também porque permite ao pesquisador projetar sobre os fatos observados modelos exógenos, validados e garantidos por outras instâncias, externas ao contexto observado (p.12).

A questão que se põe, como resultado da rejeição de tal postura, é a de saber como desenvolver uma concepção da cognição que esclareça as orientações dos atores, suas categorizações práticas e suas interpretações da ação, e como é possível, sobre esta base, uma re-descrição das atividades humanas e sociais que abandone uma concepção autônoma da cognição, que faz a distinção entre estados interiores e exteriores e que favorece a marginalização da ação e do contexto.

Em sua crítica a um modelo de planejamento prévio das ações dos indivíduos no contexto situado, Mondada (2003a, p.13) recorre ao argumento de Wittgenstein sobre seguir

uma regra já expresso por Garfinkel (1967) em sua reflexão sobre o caráter necessariamente incompleto e indexical das instruções.

As regras são freqüentemente invocadas pelos próprios atores, post hoc, para tematizar, explicar, legitimar a ação. Suchman (1987, p. 28) retoma esta reflexão a propósito da qual ela denomina modelos do plano em ciências cognitivas , isto é, os modelos cognitivos que se prestam a explicar a ação humana, fazendo-na depender de um planejamento prévio seguido pelo ator racional e reconhecido pelos seus co-atores sobre a base das convenções compartilhadas.

A crítica de Suchman consiste em dizer que se a ação pode ser sempre reconstruída

post hoc em termos de intenções prévias e de situações típicas, nada nos autoriza a considerar

que essas intenções e situações tenham tido um valor prescritivo para a ação e sua organização. A ação se desenvolve de forma necessariamente situada e corporificada, se organiza ajustando-se às contingências locais e temporais do contexto no qual ela se desenvolve e que nenhum plano a pode prever. Seguindo a direção de Garfinkel (1967), Suchman procura demonstrar que o planejamento é, antes de tudo, um recurso dos participantes e lhes permite, eventualmente, compreender a ação, tornando-a descritível (accountable), inteligível e explicável.