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P- CugMM 58,10 Kirkpatrick,1953 Longo,1906-10 Pestelli, 1967 Fadini,

III. O contexto organológico das três coleções.

III.4. A tipologia dos instrumentos de tecla italianos.

III.4.2. Domenico Scarlatti e os pianos italianos.

Tentaremos averiguar se Scarlatti terá composto e tocado as suas sonatas no piano de martelos ou no cravo, tendo em consideração o inventário dos instrumentos de D. Maria Bárbara.

O predomínio do cravo para a composição e execução das sonatas de Scarlatti foi posto em causa, pela primeira vez, por Joel Sheveloff na sua dissertação de 1970 e em artigos posteriores. Entre os estudos que apareceram sobre esta temática, sobressai o de Eva Badura-Skoda (Skoda, 1985, pp. 524-9), que concluiu que o piano de martelos tinha uma posição equivalente à do cravo no que diz respeito a Scarlatti. Stewart Pollens (1984, pp. 65-66), no seu artigo, abordou a questão do ponto de vista de Cristofori e observou que os novos pianos eram tidos em alta consideração nas cortes portuguesa e espanhola.

Ogeil (2008), no seu artigo, analisa as sonatas de Azzolino della Ciaja (pub.1727) e Lodovico Giustini (pub.1732), contemporâneos de Scarlatti, que estavam certamente a escrever para o piano, e também aprofunda o estudo das qualidades desta música que a tornam apropriada para o piano.

O seu estudo chega à conclusão de que é difícil aceitar que Scarlatti tenha escrito música para um instrumento incapaz de responder ao seu conteúdo expressivo. A autora, mesmo tendo conhecido a obra de Scarlatti como intérprete de cravo, não hesita em considerá-lo como o primeiro grande compositor para o piano, dado o volume das evidências.31.

Van der Meer (1997), no seu artigo, examina o âmbito dos vários instrumentos de tecla italianos, espanhóis e portugueses e tenta estabelecer uma relação entre com o âmbito das sonatas.

Os três pianos descritos no inventário real que possuem um âmbito de 49, 54 e 56 teclas têm uma extensão mais curta em relação ao âmbito de 61 teclas dos

cravos espanhóis (ver descrição do cravo de Diego Fernandez) com o qual estão emparelhados em cada uma das residências reais.

Segundo a tabela de Sheveloff (1986, Part II, p. 94), só 73 sonatas, num conjunto de aproximadamente 550, exigem mais do que 56 notas e, portanto, nenhuma destas 73 podia ser tocada nos pianos da rainha, facto que tem pouca relevância como prova de que Scarlatti não terá escrito para o piano (Sutherland, 1995, p. 250). D. Sutherland denomina Scarlatti como “o primeiro grande defensor do piano” e, no seu artigo, afirma que

Scarlatti compôs as suas sonatas para o cembalo/clavicórdio, mas aqueles que tinha à sua disposição diferiam na tipologia própria de cada país, no âmbito, no registo, em número de teclas (…) Que cada sonata tenha melhor efeito quando tocada num tipo particular de

cembalo/clavicordio em que foi composta pode ser tomado como uma útil

hipótese de trabalho, mas é duvidoso que Scarlatti tenha desenvolvido idiomas exclusivos para as várias espécies de cembalo/clavicordio32 (…) Scarlatti tocou e compôs para o piano ao longo de sua carreira e foi o seu primeiro grande defensor. Isso não é afirmar que algumas de suas músicas sejam exclusivamente para o piano e não possam ou não devam ser executadas no cravo. É simplesmente insistir em que o piano deve ser reconhecido como um dos instrumentos-como um dos tipos particulares de cimbalo/clavicordio- pertinente para a sua música. (Sutherland, 1995, p. 252)

É natural, no entanto, que se especule sobre quais serão as sonatas que terão tido a sua origem como composições para piano. Uma abordagem a esta questão foi realizada por Sheveloff (1986, pp. 96-7), que substitui a ordem cronológica das sonatas de Kirpatrick por uma ordem organológica que classifica as sonatas segundo a extensão do teclado dos instrumentos pertencentes à rainha (e identificada no seu testamento) e o espaço que separa a nota mais baixa da mais aguda na partitura musical. Assim, todas as sonatas cuja extensão não excedesse a dos pianos de Cristofori ou Ferrini seriam destinadas a esse instrumento.

Outro argumento do mesmo estudioso trata das notas que não fazem parte da harmonia e a que Gasparini chama acciaccature. Esta questão levou Sheveloff

32 Van der Meer (1997), no seu artigo, afirma que não há duvida que Scarlatti tenha conhecido o címbalo a martelletti do tipo Cristofori. Acrescenta que é muito provável que ele tenha conhecido e

ouvido os instrumentos deste géneros antes, ou seja na ocasião da visita a Florença em 1702 e 1705.

a concluir que a acciacatura era usada principalmente em conexão com o piano, e só secundariamente uma técnica de cravo. Baseado nesta análise, conclui que cerca de 200 sonatas de Scarlatti estariam associadas ao pianoforte33.

Emilia Fadini (1985, pp. 44-47) discute o artigo de Sheveloff, em que tenta responder à questão de quais são os critérios de seleção e de ordenação das sonatas de Domenico Scarlatti adotados para compor os manuscritos de proveniência espanhola, atualmente conservados em Parma e Veneza.

Segundo Emilia Fadini, devemos aceitar a ideia de que a mesma sonata pode ter sido interpretada indiferentemente no piano ou no cravo. Por isso, “devemos ir além do exame elementar baseado na relação precária entre a extensão musical duma determinada sonata e o número de teclas que ocupa ou então sobre o tipo de sonoridade a atribuir em virtude de harmonias determinadas” (Fadini, 1985, p. 50, tradução livre).

Não devemos cair na armadilha de tentar reduzir, para cumprir esquemas e grelhas de análise sistemática e rígida, uma escrita barroca tão rica, diversificada e audaciosa. É preciso lembrar que o barroco se caracteriza, mesmo com as suas regras, por uma grande liberdade e ambiguidade de escolhas, inclusive das fontes sonoras e, como tal, essa liberdade não pode ser negada ao intérprete de hoje.

A linguagem musical barroca convida constantemente a desmultiplicar, contradizer, edificar, gerar interrogações e problemáticas que desafiem os espíritos demasiados sistemáticos e desmultipliquem os espaços de interpretação no interior dos quais só os esforços e estratégias para evoluir têm sentido.” (Fadini, 1985, p. 50, tradução livre)

Pollens (1995, p. 121) critica a observação de Kirkpatrick em que este afirma que Scarlatti teria preferido o cravo. Segundo Pollens, este raciocínio pode gerar equívocos, tento em conta que apenas 19 sonatas exigem 61 teclas, ou seja o âmbito Sol1-sol3. Mesmo considerando os pianos com o âmbito mais limitado da época (provavelmente de 49 teclas), estes podiam ser usados para cerca de 91 sonatas. Já os pianos de âmbito mais extenso podiam ter sido usados para 438 sonatas.