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SEGUNDA PARTE

IV. A interpretação Pianística – a execução no piano moderno.

IV.3. Alguns aspetos técnicos para a execução 1 Introdução.

IV.3.2.10. Outros ornamentos: mordentes, outras apogiaturas e grupetos.

Para além dos ornamentos referidos anteriormente, todos os outros são escritos por extenso, em pequenas notas.

Figura 32. Sonata K.474, cc. 23- 24.

Figura 33. Sonata K.474, cc. 35-40.

Nunca encontramos o símbolo do mordente, mas encontramo-lo realizado por extenso, como na sonata K.44, nos compassos 118–120. (Figura 35) Porém, não podemos excluir a hipótese de que o símbolo ou possa ser realizado como mordente (Neumann, 1978, p. 353). Emilia Fadini sugere que se deve ter em consideração o tratado de Mancini, no qual é indicado o mordente com o símbolo , embora este tratado se refira à pratica do canto figurado (Mancini, 1774, Art.X, pp. 172-173 in Fadini, 1985-1990, pp. 199-200).

Figura 34. Sonata K.203, cc. 1-8.

Figura 35. Sonata K.44, cc. 118-120.

Figura 36. Sonata K.215, cc. 1-3.

Scarlatti escreve sempre por extenso as apogiaturas múltiplas e os grupetos e nunca usa o símbolo. (Figura 36) A apogiatura breve é escrita em pequenas notas, como na K.8. (Figura 37)

Figura 37. Sonata K.8 cc. 21-24.

Scarlatti nunca indica a execução arpejada dos acordes, mas sabemos que no cravo era prática da época arpejar os acordes de figurações longas, sobretudo nos tempos lentos. Encontramos apenas uma indicação de arpejo no início da sonata K.145. (Figura 38)

Figura 38. Sonata K.145, cc. 1-2.

Em conclusão, podemos afirmar que Scarlatti escreveu nas sonatas exatamente quais eram as suas intenções. Quando deixa uma resolução suspensa, um uníssono ou um acrescento das notas nos acordes é porque quer criar este efeito sonoro.

Figura 39. Sonata K.158, compassos 8-15.

Na Sonata K.53, encontramos, pela primeira vez, a ornamentação posta do lado direito da nota que, segundo a nossa opinião, poderá ser tocada como um trilo prolongado, o que cria um efeito sonoro muito singular.

Segundo Emilia Fadini, não se trata de um trilo mas da duração indeterminada da nota. (Figura 40)

Figura 40. Sonata K.53, cc. 1- 8.

Como se pode notar no exemplo seguinte (Figura 41), há uma série de trilos consecutivos que alternam entre a direita e a esquerda, em forma de cânone. Este tipo de escrita sugere que Scarlatti pensava possivelmente na sucessão dos trilos realizada de forma contínua e sem interrupções, como se fosse um único trilo, mas sobre notas diferentes.

Figura 41. Sonata K.463, cc. 1-4.

IV.3.3. A execução no piano moderno: Andamento e Ritmo.

A escolha do Andamento pressupõe uma atenta análise do material musical e das características gerais da sonata.

A linguagem musical, tal como a literária, é um sistema, ou seja um conjunto de elementos sincrónicos correlacionados entre eles. Um músico pode alterar alguns destes elementos, mas estas alterações terão incidência sobre o sistema, sem que isso o prejudique.

Estabelecer a velocidade de execução significa definir o conteúdo expressivo da obra, o afeito que a inspira. A velocidade de execução representa o primeiro e mais delicado aspeto que o executante enfrenta quando se aproxima da leitura de uma obra musical. Muitos músicos- didatas, de várias épocas, tentaram fornecer orientações que ajudassem o intérprete a reconhecer as intenções do compositor neste sentido. (Fadini, 1991, p. 327, tradução livre)

O tratado de Johann Joaquim Quantz (1975, parágrafos 46-51), no capítulo XVII, oferece ao intérprete algumas linhas orientadoras sobre a quantidade e velocidade das pulsações a serem executadas em cada compasso duma obra musical. Embora publicado em 1752, parece um ponto de partida útil pela orientação sobre a velocidade de execução dos vários andamentos das sonatas de Domenico Scarlatti.

Para orientar o executante sobre a quantidade e a velocidade das pulsações para cada compasso, Quantz usa o antigo princípio da pulsação do coração. Desde a Idade Média que os teóricos costumavam comparar os dois movimentos que a mão faz enquanto marca o tactus com duas pulsações do coração (Diruta, libro IV, foglio 24, Venezia 1622, Bologna 1969, como citado em Fadini (1991), tradução livre).

Quantz indica, como pulsação ideal, a de um coração que bate oitenta vezes por minuto. Sobre esta base, refere-se a 80 do metrónomo de Johann Nepomuk Mälzel, divide as indicações de andamento mais comuns em quatro grupos a que chama classi: Allegro assai, Allegretto, Adagio cantabile e Adagio

assai, que constituem o ponto de referência principal de cada categoria.

Quantz afirma que o mais importante não é tanto obedecer à rigorosa correspondência entre o 80 do metrónomo e o valor musical escolhido, mas o conceito geral de pulsação que sustenta o discurso musical e consequentemente a sua acentuação e o seu fraseado. Isto significa que o 80 do metrónomo indicado por Quantz não deve ser entendido de forma categórica; as características expressivas ou técnicas de cada peça poderão incidir sobre a velocidade, alterando ligeiramente o eixo da pulsação, quer no âmbito da mesma peça, quer entre duas peças com a mesma indicação de andamento. O que deve ser mantido de forma

constante é o número de pulsações necessárias para cada tipo de compasso. (Fadini, 1991, p. 328, tradução livre)

Em conclusão, não podemos estabelecer uma referência metronómica absoluta para cada tipo de andamento, porque estes variam conforme a subjetividade da interpretação. A análise da interpretação tendo como base as gravações da Sonata K.1, tratada no Capítulo V, poderá mostrar uma abordagem da escolha do andamento realizada por diferentes intérpretes, quer no piano moderno, quer no cravo, quer no pianoforte.

Como se pode verificar no capítulo I.4.3, nas 95 sonatas de Scarlatti dos manuscritos objeto desta tese, a indicação de andamento mais usada é Allegro (45), seguida do Presto (17). Menos frequentemente encontramos Andante (3),

Allegro di molto (2), Allegrissimo (2), Andante Moderato (1), Andante Cantabile41

(1), Andante Commodo (1), Allegro Non Presto (1), Molto Allegro (1), Pastorale,

Allegrissimo (1), Non presto, ma a tempo di ballo (1), Allegro o Presto (1) e Fuga

(1).

Curiosamente, comparando as fontes manuscritas de Veneza e de Parma com o MS 194.1 da Biblioteca Nacional de Portugal, as indicações de andamento por vezes diferem ligeiramente da seguinte forma:

No MS 194.1 são 21 as sonatas que diferem no andamento na comparação com as outras fontes: 13 sonatas do MS 194.1 não têm nenhuma indicação de andamento; a K.118 no MS 194.1 tem Allegro enquanto as edições de Fadini e Gilbert têm Non Presto; a K.103 tem indicação de Allegro, enquanto as outras duas edições têm Allegrissimo; na K.145, a indicação de Allegro non Presto aparece só no MS de Lisboa, enquanto falta qualquer indicação na edição de Gilbert (na edição de Fadini esta sonata não foi publicada); a K.125 tem Allegro, enquanto nas outras duas edições aparece Vivo; é de realçar a indicação de Allegro na K.397, enquanto nas edições de Fadini e Gilbert aparece a indicação Minuet.

41 As associações entre o Cantabile e o piano foram recentemente revisitadas por Rosalind Halton,

que marca que um bom cravo italiano também pode conseguir um excecional estilo cantabile. (Halton, 2002, pp. 22-47, citado em Ogeil, 2008, p. 358)

Tal como demonstrado no capítulo I.4.2, os Essercizi per gravicembalo diferem no andamento apenas na sonata K.11: enquanto na fonte da Biblioteca Nacional de Portugal, Essercizi 1738, não aparece nenhuma indicação de andamento, na cópia manuscrita de Münster (Vol. V, 1754) aparece a indicação

Allegro. A mesma indicação é transcrita na edição de Kenneth Gilbert (Vol. I, p. 24).

No Manuscrito P-Cug MM 58, 10 de Coimbra, (ver capítulo I.4.1), a sonata K.78 tem a indicação Giga-Allegro, enquanto que na cópia manuscrita de Veneza (Vol. XIV, 1742) não existe nenhuma indicação de Andamento, apenas a palavra

Giga. Na edição crítica de Emilia Fadini (Vol. I p. 134) também aparece apenas a

palavra Giga.

Como afirma Kirkpatrick no seu livro:

As indicações de Scarlatti parecem ter pouca relação com a efetiva velocidade de execução da sonata; servem principalmente como indicações para o carácter rítmico. Presto pode não indicar um tempo rápido mas apenas sugerir uma execução de carácter vivace, ligeira, ágil. Se evidenciamos na execução a expressão da linha melódica, que aparece sempre, mesmo nos andamentos rápidos, alguns andamentos

Allegro serão um pouco mais rápidos do que Andante. (Kirkpatrick, 1984,

p. 293, tradução livre)