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O desenvolvimento da estética sonora do cinema aconteceu em inúmeros estágios, mas podemos dividir três deles como sendo primordiais antes de sua consolidação e posterior manipulação ou ruptura por novos movimentos artísticos do cinema. Inicialmente, mesmo antes da conquista da gravação e reprodução do som, o cinema já fazia uso da música, tocada ao vivo em suas projeções. Mais tarde, veio a voz, gravada e amplificada dentro dos cinemas, em sincronia com as imagens dos atores na tela. Mas um terceiro elemento sonoro ainda havia de ser descoberto e explorado comercialmente por Hollywood: os efeitos sonoros.

A utilização de aparatos especiais para reproduzir artificialmente (ou seja, sem a gravação propriamente dita do som) o ruído ou o barulho natural de um objeto, um movimento ou de um ambiente, foi comum ao longo de toda a história do teatro, e provavelmente data de tempos imemoriais, quando os narradores pré- históricos contavam suas lendas e fábulas ao redor das fogueiras. No entanto, o

cinema demorou um pouco para assimilar a importância e o poder dessa forma de arte ilusoriamente simples.

Na mesma época em que o som sincronizado se popularizava no cinema, o rádio ganhava popularidade nos Estados Unidos e em outras partes do mundo como uma poderosa ferramenta de comunicação. A tecnologia de transmissão de som sem fio foi muito usada na I Guerra Mundial, e os Estados Unidos tentaram manter um monopólio governamental em seu mercado local, prevendo usos bastante diversos para o aparelho.

Em 1926, a Radio Corporation of America (RCA), a Westinghouse e a General Electric adquiriram a rádio WEAF de Nova York, até então pertencente à AT&T. A empresa utilizava esse canal para testar seus novos equipamentos, mas sua programação já era um sucesso de público, tento inclusive alguns dos primeiros programas de rádio patrocinados comercialmente da história. O grupo chefiado pela RCA fundou uma nova empresa chamada National Broadcasting Corporation (NBC), e passou a investir pesado no canal, ampliando sua grade de programação e criando programas que se tornaram enormes sucessos de público, como “Amos’n’Andy”. A partir de 1926, e durante toda a chamada “era de ouro” do rádio, a NBC foi uma grande potência cultural nos EUA, um monopólio que só foi ameaçado pela rival CBS no final dos anos 1940.

Todos os dias, os ouvintes da rádio tinham acesso a música, notícias, programas de variedades, e aos programas de ficção. Drama, comédia, faroeste, terror, ficção-científica - qualquer gênero que o cinema tivesse explorado, ou viesse a explorar depois, exista também nos programas radiofônicos de ficção, alguns deles extremamente populares, como “Lights Out”, “Terry and the Pirates”, “Believe It Or Not” e o “Lux Radio Theater”. Para melhor explorar o potencial narrativo do rádio, que depende muito do poder de sugestão não-visual típico da literatura, os programas de ficção radiofônica fizeram uso extensivo dos efeitos sonoros, dando

origem à versão moderna daqueles efeitos sonoros utilizados no teatro e em outras formas de narrativa desde a aurora dos tempos.

Apesar de sua popularidade e importância no rádio, os efeitos sonoros não foram muito bem aproveitados pelo cinema durante um bom tempo. Desde o surgimento do som sincronizado, e a popularização da

edição de áudio, primeiro com trilhas sonoras ópticas, e posteriormente com fitas magnéticas, os editores de áudio, profissão recente em Hollywood, acostumaram- se a utilizar grandes bancos sonoros pré-gravados. Toda vez que um som era usado em um filme, ele podia ser armazenado para ser re-aproveitado em produções posteriores.

Entretanto, como editar áudio com fitas e pedaços de filme era extremamente demorado e complicado, aos poucos a prática de dublar os efeitos sonoros novamente foi se popularizando. Um marco disso teria sido o filme “Smuggler’s Island”, de 1951, onde um técnico de estúdio chamado Jack Foley teria usado um balde de água e um microfone para reproduzir todos os sons de barcos e remos usados ao longo do filme. Esse processo se provou bastante eficiente e rápido, e a fama de Foley se espalhou por Hollywood de tal forma que, quando essa prática se tornou padrão na indústria, ganhou o apelido de “foley” em homenagem ao seu criador. Essa profissão existe até hoje, com esse nome, como pode ser constatado em qualquer crédito final de filmes hollywoodianos.

O que Foley fez que deixou o diretor de Smuggler’s Island tão encantado era tão somente a mesma prática que já era comum no rádio e no teatro: produzir efeitos sonoros ao vivo, muitas vezes usando a criatividade para simular sons usando objetos diferentes que “corretos”, como amassar papel celofane para simular um incêndio ou bater um pedaço de madeira sobre uma mesa para recriar o som de passos em

um corredor. Foley não inventou isso, mas ajudou o cinema a assimilar essa prática, deixada de lado pelos produtores muito provavelmente por desconhecimento das outras formas de arte, ou por acharem que era vaudeville demais. Fato é que, depois que os efeitos sonoros deixaram de ser gravados ao vivo em sincronia com a filmagem, ou editados lenta e dolorosamente por técnicos de som usando fitas e filmes antigos, a linguagem cinematográfica ganhou uma nova ferramenta de enorme expressividade e baixo custo de produção, tanto financeiro quanto cronológico. O foley ganhava tempo, economizava dinheiro, e criava possibilidades estéticas e narrativas muito poderosas e úteis.