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Ainda faltava à “novidade” do cinema sonoro um pequeno detalhe: a voz humana. Apesar do grande sucesso de público, “Don Juan” ainda não tinha diálogos sincronizados com o movimento labial dos atores. Sua trilha sonora possuía apenas música e alguns efeitos, e os diálogos ainda eram exibidos por intertítulos.

O ano seguinte viu o lançamento de “The Jazz Singer” (1927, dir. Alan Crosland), que até hoje muitas pessoas associam com “o nascimento do cinema sonoro”. Como já vimos até aqui, isso é uma simplificação do

processo histórico lento e gradual que levou ao desenvolvimento do som cinematográfico, e está longe de ser um marco tão importante assim. Outra inverdade associada a essa filme é a de que, no dia seguinte ao seu lançamento, todos

os estúdios de Hollywood passaram a se dedicar à produção de filmes falados, uma incorreção que ajudou a ser perpetuada no imaginário popular pelo filme “Singing in the Rain” (1952, dir. Stanley Donen & Gene Kelly). Apesar do sucesso comercial de “Don Juan” e “The Jazz Singer”, ainda haviam muitos entraves tecnológicos e logísticos que dificultariam a conversão do cinema mudo para o falado, um processo que demorou muitos anos, assim como outros processos semelhantes na história do cinema, como o uso da cor, por exemplo.

Para começar, os custos de produção de um filme sonoro ainda eram muito altos, quase o dobro de um filme normal. Assim, os estúdios tinham que escolher alguns poucos filmes que acreditavam necessitar de som sincronizado para produzi- los assim. Além disso, poucas salas de cinema tinham sistemas de som instalados, e isso era um custo muito oneroso na época. Demorou anos até que os distribuidores e exibidores se convencessem da necessidade dessa conversão – algo semelhante ao que acontece hoje com os projetores de cinema digital. Outro entrave econômico

para essa conversão era o mercado internacional: re-dublar um filme custava muito mais do que apenas pintar intertítulos com frases traduzidas.

Outro problema era o uso dos discos sincronizados aos filmes. Um sistema de som óptico exigiria apenas um projetor especial e uma cópia comum do filme, ao invés da produção de um filme e de um disco, executados em dois aparelhos diferentes, e sincronizados por sistemas pouco confiáveis. Embora por alguns meses os dois sistemas (som óptico e som com discos) tenham convivido no mercado, o som óptico acabou por vencer a batalha tecnológica, por uma série de motivos: • Sincronização: o sistema de sincronia dos aparelhos de discos nunca funcionava

perfeitamente, e exigia uma vigilância constante do projetista, que precisava calibrar os equipamentos durante todo o tempo da projeção.

• Edição. É normal que um filme sofra alguns danos ao longo de sua história de projeções. A cada exibição do rolo de filme, ele sofre pequenos danos, e eventualmente pode arrebentar e precisa ser colado novamente. O mesmo não pode ser feito com o disco, e assim por mais que a sincronia entre os dois estivesse perfeita no início do filme, a cada corte e emenda do rolo de filme o filme sairia alguns frames de sincronia.

• Distribuição: os discos de phonograph eram caros não apenas para produzir, mas também transportar sem quebrar, dificultando sua distribuição principalmente no mercado internacional.

• Deterioração: os discos antigos não eram tão duráveis quanto os discos de vinil, e o processo de executá-los degradava sua superfície. Em média, os discos duravam no máximo 20 ou 30 projeções, e tinham até um pequeno placar impresso no rótulo para que o projecionista contasse quantas vezes ele já havia sido utilizado.

A solução desses problemas deu ao som óptico uma enorme vantagem sobre os discos, e ele se tornou o padrão da indústria por um bom tempo, mas isso não sifnificou o fim do processo evolutivo do cinema sonoro. Com as inovações tecnológicas, sempre surgem novos problemas que não existiam antes, e que precisam

ser contornados para que o conjunto tecnológico envolvido não fique estagnado. No caso do filme sonoro, os problemas surgidos foram provocados pelos equipamentos necessários para a gravação e a reprodução do som.

O mais claro deles, nesses filmes dos primórdios do cinema sonoro, foi a imobilização da câmera. Devido ao enorme barulho produzido pela câmera e pelos refletores, era necessário que ela ficasse aprisionada dentro de uma cabine especial para abafar o seu ruído, chamada de “blimp”. Isso dificultava o uso de gruas e qualquer tipo de movimento de câmera, reduzindo o vasto arsenal linguístico explorado por cineastas como Eisenstein e Hitchcock a uma série entediante de planos imóveis, que arrastavam a linguagem cinematográfica de volta às suas origens primitivas como imitação barata do teatro clássico.

Os técnicos dos estúdios logo correram atrás de soluções para esse problema. Os ruidosos holofotes de arco voltaico foram substituídos por lâmpadas incandenscentes silenciosas, que funcionavam muito bem com os novos filmes pancromáticos, que exigiam menos luz para obter uma boa imagem.

A velocidade inconstante dos filmes também se tornou um problema. Antes do som sincronizado, tanto a filmagem quando a exibição dos filmes era feita manualmente, e a velocidade de filmagem e projeção dependia unicamente dos operadores de câmera e projetor. Com o som sincronizado, isso interferia também no som do filme, e os técnicos tiveram que se abster de usar esse tipo de truque. Logo as câmeras e projetores foram ajustados para trabalhar em uma velocidade constante de 24 quadros por segundo.

Outro problema nascido nessa época, e que também foi retratado humoristicamente em “Dançando na Chuva” foi o problema do despreparo vocal de vários atores de Hollywood. Muitos tinham vozes fracas, finas ou grossas demais, ou sotaques estrangeiros que dificultavam a compreensão de suas falas. Essas estrelas eram escolhidas unicamente por sua beleza física, e subitamente eram obrigadas a falar e cantar nos filmes, com resultados desastrosos. A solução foi o aprimoramento

da dublagem, que permitia que os próprios atores, ou outros atores, gravassem as falas dos personagens depois que o filme já estava editado.

É importante salientar que todos esses problemas do cinema falado eram típicos apenas no mundo da ação direta, enquanto no mundo da animação nada disso nunca foi problema. Até mesmo a definição da velocidade dos filmes para 24 quadros por segundo já era comum entre os animadores, que precisavam criar todos os frames individualmente, tendo uma noção muito precisa de sua duração e do valor de cada frame. O processo de dublagem, adotado pelos estúdios para substituir as vozes dos atores, também veio da animação: os personagens animados não têm voz, e sempre precisaram ser dublados desde o seu nascimento. Assim, mais uma vez, o cinema de ação direta se aproveitou de desenvolvimentos tecnológicos criados pelos filmes de animação.