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Figura 2.2 – Dona Chiquinha.

Meu nome é Francisca Teixeira Mendes, mas o povo só me chama Chiquinha. Eu nasci na Bahia. Eu sou de Barreiras. Eu sou de 25, do dia 04 de outubro, de 1925. Vim para cá, eu vim com minha mãe né, mas eu vim muito pequeninha, eu vim nos braços, assim no colinho, miudinha demais, aí eu não sei contar nada de lá... era bebezinha. Minha filha, minha família é enorme, é gente demais, mais eu não fui à Bahia mais nunca, não lembro mais, morreram uns, ficaram outros... eu tenho uma irmã que mora em Goiânia, meu povo é esparramado no mundo todo, tem muita gente, viu.

Nós morávamos na Boa Vista, aí coisa do garimpo, meu marido mudou pra cá. Comprou essas casas. Aqui se você visse a pobreza que era... hum... minha filha, aqui não tinha ninguém, quando nós mudamos pra aqui podia ter uns vinte ranchos, era rancho... não era casa não, eram umas taperas velhas, tudo quebrado. Aí ele foi arrumando aos poucos e fez aquela pousada, e aí a gente vai vivendo com essa pousadinha. É como diz Cecílio, meu marido, diz que baiano gosta muito de caminhar...[risos], baiano gosta muito de caminhar, então a gente veio.

Minha infância foi toda nesta região aqui. Boa Vista é para cá, para o rumo do Alto Paraíso, eu me criei lá e casei. O meu marido mesmo, eu encontrei numa festa, e deu casamento [risos]. A sorte da pessoa não é, que eu nem conhecia ele, ele não me conhecia, aí deu casamento. Eu me criei lá. Aí me mudei pra cá, quando eu casei. Aqui era bom viu, o garimpo... o pessoal aqui vivia do garimpo.

Meu marido era garimpeiro. Só que ele não tirou cristal nenhum, mas deu muito cristal aqui, muito mesmo, mas muito, muito mesmo. Depois que o Ibama fechou aqui, se não é o turista nem sei como é que a gente estava vivendo aqui. Mas Deus abençoou, Deus trouxe eles para cá, aí é que a gente vai vivendo... é do turista.

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O povo tirava muita lasca, vivia aqui da lasca, ia para o garimpo aquela mulherzada, tirar lasca, e chegava de tarde vendia para comprar o pão de cada dia, para dar aos filhos para comer. Ia para tirar a lasca, vendia de tarde para comprar esse ô [refere-se a comida].

Tiravam as lascas ali, como diz o povo o “garimpo da preguiça”, ali; ia lá e vinha com a sacola cheia; outros tiravam cá no Garimpão, Pedrão, para cá. Eles exportavam tudo para Cristalina, para esse mundo todo; vinha comprador aqui, comprava era caminhão cheio... para exportar...depois que o Parque entrou, acabou.

Nós tínhamos chácara ali, tinha não, tem. Lá tinha de tudo... mas meu marido gostava muito de garimpar, ia para o garimpo tirar lasca, essas coisas assim... esse menino meu também. Aqui se você visse a pobreza que era... hum... aqui não tinha ninguém, quando nós mudamos para aqui, podia ter uns vinte ranchos, era rancho... não era casa não, eram aqueles ranchos velhos caindo os pedaços.

Teve muita gente, mas foi na força do garimpo, aí teve muita gente, mas, depois o povo foi saindo, saindo, saindo. Prova tanto que ficaram aí só os ranchinhos velhos, caindo os pedaços.

Eu nunca fui para o garimpo, eu tinha muito filho, criava neto ainda. Eu ia era socar arroz, socar milho, cuidar das coisas, apanhava lenha na cabeça, eu não tinha tempo... era meu marido que ia; tinha meus filhos e tinha sobrinho, meu e dele, tudo dentro de casa, aquela moçada, aquela menineira... aquela rapaziadinha...tudo assim, não tinha jeito de eu ir para o garimpo, não. Nesse tempo, eu não mexia com isso, eu ia era para o pilão, socar milho, tirar fubá, fazer cuscuz, fazer angu para eles, era isso que eu fazia.

Aqui, a gente lavava a roupa, tinha umas cacimbas ali, que as mulheres lavavam a roupa tudo era lá. Tiravam água nas vasilhas, botavam na bacia e todo mundo assim... esse povo antigo... as mulheres, unidas umas com as outras, a outra lavava, depois que a outra lavava, e todo mundo se arremediava. Agora tem que pagar água. Eu digo, pois é, a gente podia abrir as cacimbas de novo e lavar a roupa... as mulheres que tinham, uma ia dando sabão na roupa e a outra ia lavando as dela, e todo mundo se unia... eu fico falando, hoje em dia é uma desunião.

Meu marido era tocador de sanfona. Sábado ele ia tocar e nós íamos dançar. Essas moças, essas mulheres casadas, assim mais velhas que já tinham filho também. Juntava todo mundo, ele ia tocar e nós íamos farrear. Era bom demais...

Eu dou tanto graças a Deus e ao turista, porque do que a gente ia viver?

A gente morava lá na Boa Vista, para lá, não era aqui não; depois é que ele comprou uma chácara aí para baixo no Vale da Lua e nós mudamos para lá. Depois, os meninos, por

causa da escola, tiveram que comprar essas casas aqui. Nós tínhamos muitas casas aqui, porque ele comprou aqueles ranchos velhos caindo os pedaços, aí depois ele foi vendendo para esse pessoal que foi chegando aqui.

Lá do Vale da Lua eu trazia era trem na cabeça, assim a bacia de coisas na cabeça, para vender aqui. Eu vendia alface, tomate, rapadura, mel. Meu marido tinha dois engenhos, tinha não, tem lá na Chácara. Essas coisas eu vendia tudo. Aqui, bem no lugar dessa pousada (...) tinha uma venda que, quando eu chegava, o dono comprava minhas coisinhas, quase tudo... ele tinha grana, ele tinha venda, o povo comprava de tudo aí na venda dele. Ele tinha um caminhão e ia a Formosa comprava as coisas para vender aqui também... aí o povo comprava.

Esses lugares aí, eu ia para passear... é muito bonito... agora... nem... para nada mais [faz silêncio, suspira e fala em tom baixo]. Mas meus filhos vão em tudo assim. Eles vão para essas cachoeiras. Eu até não, mas meu marido conhece lá, ficava lá debaixo e água caindo... eu tenho muito medo d’água. Eu ia era lá no Vale da Lua e aqui na Raizama; agora para cá é muito longe. A Raizama eu fui foi muitas vezes, a pé, tinha festa lá, a gente ia, tinha aniversário... festa de aniversário, de São João, fogueira, essas coisas. Morava muita gente lá naquela região, depois foi morrendo tudo, acabou.

Graças a Deus, agora todos os meus filhos têm seu ganha pão; têm pousada, têm restaurante, eles todos têm as pousadinhas... mas a poder de Deus e do turista... que Deus dá o dinheiro e eles construíram. Nem se fala [faz silêncio], só Deus mesmo, mas Deus tem poder... a gente sofreu demais... [fala sussurando, a respeito da época do fechamento do Parque].

Dizendo o povo [refere-se ao turismo na região] que é por causa desses cristais, né... O cristal chama; e aqui, esse mundo todinho, é cheio de cristal. Aqui, quando a gente mudou para aqui, e os turistas deram para vim, enchia era a sacola, cheinha de coisinha do meio da rua, de cristal. Eu vejo, eles chegam aí, ainda estão catando ainda, isso tem mais de dez anos, e o povo enchia a sacolada. Quando eles chegavam aí que viam, menina, apanhavam para levar, dizem que era para por nos jardins.

Aqui tinha a Folia de Santo Reis, tinha a Folia de São Sebastião, tinha a Folia do Divino, mas agora acabou tudo... não tem mais... era bom demais essas folias aí do povo, era uma alegria que você precisava ver; os pousos de folia, os fogueteiros nas portas...era uma beleza...e acabou tudo isso.

O turismo que mudou, mas eu quero mais o turista, eu adoro, eu gosto mesmo. E falo assim: Deus que abençoa todos eles que vem aqui, porque se não é o turista, pelo garimpo nós

íamos morrer tudo de fome, porque eles não deixam ninguém tirar nadinha mais dali [refere- se ao Parque].

Meus filhos foram criados todinhos com remédios do mato, só com os remédios do mato, e é tudo assim sadio, tudo gordo, tudo bonito. Eu ia no mato arrancar remédio para dar para eles, para dor de barriga, para febre. Inclusive uma vez eu adoeci, porque eu sofria asma, eu fui para Brasília... Meu menino estava com dois anos e adoeceu aqui de febre, eu lá em Brasília internada ruim, né. Aí o meu marido, já ia mandar o menino para lá, porque estava ruim, com febre, aí chegou uma vizinha e falou: “ô Cecílio não manda não que eu vou dar um purgantinho pra ele” e deu o purgantinho. Juntava assim um bando de remédio do mato: carro-santo, babosa, era um monte assim de remédio que a gente juntava tudinho assim, torrava a batata, torrava tudo, juntava e dava o purgantinho com azeite... para febre, para catarro, a gente chamava catarro, né, agora é gripe... o menino tomou e ficou bonzinho. Agora eu fico falando para meus filhos... Eu tenho um neto, ele era pequeno... eu o trouxe de Anápolis, porque a mãe foi operar; o menino chorava, mas chorava, você precisava ver. Um dia eu fui na casa da minha cunhada e contando para ela: “não comadre tem um remédio muito bom, o magnésio do campo”. Eu fui lá com ela e arrancamos, mas é por medida assim né, menininho novo é assim olha, um pedacinho; a gente arrancava a raiz, batia e dava o chazinho. Até um homem do Parque que teve aqui e pediu; eu mostrei qual era, que a mulher dele sente assim presa né, é só tomar e melhora esse magnésio do campo.

Aqui no cerrado tinha muita era carobinha, velame, ruibarbo... eu sei que era muito remédio que a gente arrancava aí nos matos. Acho que é Deus que dá o tino para a gente, né. Minha mãe ensinou muito remédio assim, a semente de carro santo, a semente de... junta tudinho e faz um purgante, é uma beleza até para gente grande; toma com azeite, aí limpa tudo, tudo, tudo, agora eu fico falando para meus filhos, eles só correm para farmácia. Agora eu não conheço porque quase eu não saio de casa; eu nem saio de casa mais para nada. Essa carobinha mesmo é um santo remédio, para curuba, para tudo assim, ela é uma beleza... para aquelas feridas que dão na perna quando bicho morde, é uma beleza; o ruibarbo é uma beleza para febre, a tiborna... eu agora que não me lembro mais de nada, a cabeça anda muito ruim, que eu não lembro mais de nada. Adelídio vai te ensinar tudo quanto é remédio do mato. Eu sou mãe dele, de umbigo. Eu cortei o umbigo dele. Ele me chama é “mãe Chica”, o outro irmão dele me chama é “mãe Veia”, que eu cortei o dele também. Esse conhece é tudo, ele pega os turistas aí, e vai com eles para o mato para arrancar remédio para eles levarem. Esse sabe, conhece mesmo. Eu mesmo é que não sei mais nada, estou com a cabeça ruim, um frigelo danado, minha cabeça não dá mais para nada.