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Figura 2.3 – Seu Domingos.

Eu nasci em Paracatu, Minas Geraís. Eu saí de lá com 10 anos. Eu vim para cá em 1951. Quando eu vim era no começo do garimpo, eu estava com 38 anos. Vim para cá com Deus, vim para garimpar. É bom, fui criado trabalhando mesmo. Eu trabalhava com o garimpo e roça. Aqui era cheio, aqui já existiram uns 3.000 mil garimpeiros aqui dentro, né, mais era bom. Aqui não tinha nada, nós construímos uma casa, uma casinha pequena para a escola. Depois foi evoluindo... aqui não tinha nem igreja, o padre vinha de vez em quando. Depois que veio, que construiu a Igreja o padre trouxe o santo, o São Jorge, aí o padre veio, então largou o nome de Baixa e colocou São Jorge, trocou de nome.

Quando eu trabalhava, dava muito dinheiro, agora não. Não trabalho mais no garimpo, o Ibama fechou, botou a gente para cá. O garimpo não tem procura, aí o Ibama veio e fechou; tirar cristal para guardar; deixa ele lá onde está. É porque o caboclo, o trabalhador do garimpo, não tirava nada, então tirar cristal para não vender. A gente tira para vender, se não vende, o que vai fazer? Depois que acabou o garimpo, melhorou mais. Melhorou porque o povo está vivendo muito melhor do que na época do garimpo.

Mas depois foi o turismo que dominou mais para cá. Mas é muito bagunçado. Bagunçado demais, aqui no tempo do garimpo era melhor.

A reserva, para mim, foi boa porque se o Ibama não fecha isso aqui, chegasse fazendeiro, esse povo, era pior do que o Ibama; com o Ibama tem o movimento do povo e o fazendeiro ninguém entra. Foi melhor o Ibama fechar. Agora tem parte que o Ibama é muito errado, esse negócio de não queimar a campina, para mim é o maior erro; o governo devia ver isso, porque no tempo que queimava, a bicharada juntava, era tanto bicho... tem que ter controle... mas naquele outro tempo, de queimada, você ia daqui até Alto Paraíso, não tinha condução, era a pé, a cavalo, naquele tempo, era veado, era tudo quanto é bicho, hoje não vê nenhum, tem bem pouquinho. Agora detesto o fogo nas matas. Na minha idéia, a mata não

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pode ser queimada, mata perto de vereda, mata perto de brejo, não pode ser queimada, porque a raiz daqueles paus velhos é que segura a água.

Eu conheço o prestígio das plantas, o prestígio é enorme para remédio. Tem o chapéu de couro, a congonha, mutember. O chapéu de couro é a folha. Tem a douradinha que é a mesma coisa do chapéu de couro. Tem a arnica.

O prestígio da arnica é a folha, é para cicatrizar. Tem a batata de perdiz. Eu sabia que era só para mulher, mas depois me falaram que é para homem também. Aquilo pra mulher é bom, é um remediozinho santo.

Eu aprendi com meu pai, ele era raizeiro. O meu pai me ensinou foi muito, ele preparava qualquer garrafada. O meu pai me ensinou como preparar raizada, cuidou de mim e era bom. Eu já vim desde de pequeno sabendo muita coisa. Tem o tiú, a raiz do tiú é bom também. Não tirei da idéia, mas os dias vão passando...

Os vizinhos falavam, e depois os outros iam falando o que eu não sabia. Nós usávamos muitos remédios, esse capim santo, capim de cheiro, que o povo fala, a gente estando gripado é só arrancar a raiz dele, lavou e machucou, bem machucadinho, fez o chá, tomou, pronto acabou a gripe. A folha a gente toma também, o sabor é o mesmo, mas para curar a gripe mesmo é a raiz. Tem essa batata de perdiz que é difícil, ela é difícil, é remédio bom, mas é difícil.

Hoje o povo não quer mais saber, não conhece nada, não quer conhecer mais nada. Isso me incomoda um pouco, é bom conhecer, não é? Eu ensinei aos meus filhos. Eu tenho oito filhos. Eu tenho um filho que é guia, ele conhece muito de remédio.

Tem que usar, assuntar o efeito daquele remédio, para depois usar o outro, pode ser tudo da floresta, mas não pode misturar, porque um tira o efeito do outro. A gente tem que explicar para quem não sabe.

O bom é que outros também ensinam: quando está sentindo alguma coisa, “toma tal remédio”, é assim, um está sentindo uma coisa, o outro chega e, fala “eu tomei isso e fiquei bom”, então vai aprendendo com o tempo, com o povo.

A pessoa, quando vive no mundo, tem que assuntar muito, é saber viver, senão não vive. Tem pessoas que não capricham de assuntar com o que vive... Aí nesse cerrado todo, onde eu andava, que eu conhecia, já sabia, quando eu precisava eu ia lá naquele lugar. Tudo a gente tem que assuntar, não é? Às vezes, a gente não precisa, mas o outro precisa, a gente já sabe o ponto que vai arrancar, vai lá e procura.

É difícil o caboclo morrer de fome. Quem morre de fome é porque não tem coragem de ir apanhar a fruta, ou então plantar para produzir. Na minha casa, é difícil morrer de fome,

tem muita coisa, eu não sei qual é a coisa que eu uso para comer: milho, tem tudo, produz muita coisa, para mim e para os outros, a gente não produz não é só para a gente não, para os outros também. Eu planto, planto tudo mesmo, ainda que eu não coma. Mas eu gosto, tenho prazer de estar lutando, produzindo com muita fartura.

Essa palha é a pindoba. Essa palha dura um bocado, 30 anos e poucos, sem vazar, não vaza de jeito nenhum. Essa é do cerrado. As casas aqui eram cobertas com a indaíá, é a mesma coisa da palmeira, ela é da mata, mas não vale nada aquela palha, e ela é feia demais. A pindoba não molha nem a pau.

Eu morei em muita casa de palha de buriti, mas não é muito boa não. Ela acaba logo; lagarta gosta muito da palha de buriti. A pindoba é melhor, tirada na lua boa, lua minguante. Porque se tirar na lua nova, ela nasce em baixo, então tem que tirar na lua minguante, fica a palha bem novinha, não tem lagarta, não tem nada. Tudo tem um tempo, né? Nós temos tempo de ser novo, temos tempo de sermos velhos...

O povo antigo para trás caprichou, hoje não. Hoje o povo não quer nada, não quer produzir nada, não quer nada que presta só coisa errada, então não serve para labutar comigo. O povo de hoje não quer aprender nada. Não querem saber de nada sobre o prestígio das plantas, a gente tem que explicar, tem que pôr num livro explicando tudo, essas coisas das plantas é coisa de prestígio. Tem que publicar para o povo ir compreendendo, não é?