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CAPÍTULO 6: VOLUNTÁRIOS

6.1.1. Dona Geny: O asilo: ensinamento e amizades aprender a morrer

Dona Geny, 73 anos, é a voluntária mais antiga da instituição. Ela presta trabalho voluntário há 30 anos e traz em sua narrativa o histórico das instituições asilares no Brasil. Dona Geny relata a mudança no perfil da população atendida nos últimos anos e as alterações nas leis e políticas públicas de atendimento aos idosos, como o direito à aposentadoria e a proibição de atender idosos com dependência severa na instituição.

Os velhos de hoje são exigentes, são exigentes e não gostam, por exemplo, de colaborar com as pessoas, com os outros... de fazer um serviço. Nós tínhamos noventa velhos aqui, a maioria que trabalhava e ajudava eram... os internados.

[...] Os de hoje, quando vêm pra cá, eles estão cansados, estão mais sofridos que os de antes... eles estão cansados de tudo. Cansados de trabalhar, cansados de viver, alguns de andarem na rua, então eles preferem ficar aqui e aqui realmente é a casa deles. Só que eles perderam a vontade.... Eles... se fecham no ambiente deles...

[...] a Santa Casa fazia parte do asilo e o asilo fazia parte da Santa Casa...

as irmãs cuidavam e traziam para o asilo (os idosos doentes), ficavam aqui... Então não era só velho aqui, como você vê a Rosinha, a Chiquinha da Mãe, elas vieram muito novinhas aqui... Então o asilo... eu acredito assim, não sei se isso mas é bom você saber, o asilo pra mim eu acho, principalmente o nosso... que eu converso com as pessoas eu digo “meu asilo”... tem mais calor humano.

antigamente, o trabalho voluntário de quando ela era “necessária” e o atual em que não se sente mais tão necessária.

O sentimento de ter perdido a função dentro da instituição, provavelmente, está ligado ao trabalho que se percebe qualificada para desempenhar. Essas são funções que, atualmente, são realizadas pelas cuidadoras e Dona Geny não transferiu seus conhecimentos para outra atividade.

É o que eu digo... esses velhinho que estão aqui hoje, deveriam ter vivido aqui dentro do asilo há dez, quinze anos atrás e aqueles meus velhinhos viverem na época de hoje.

[...] o meu tempo no asilo passou também... passou sim. Passou porque quando eu fui necessária, Graças a Deus! Eu tava aqui... Foi naqueles anos 70, 80, então eu tinha consciência de que eu era necessária... Quando eu via que um velho não era muito bem querido então era esse que eu...

Pesquisadora: Cuidava, se aproximava, dava atenção.

Dona Geny: Isso e de vez em quando as outras pessoas não entendiam, né. É isso aí. É que tem coisas que a gente não pode e nem deve falar, deve ficar no esquecimento, já foi, já passou... mas teve muita mágoa... Nossa Senhora Mãe de Deus!

[...] Então, às vezes, a gente era uma espécie de garantia deles, né....

Foto 3 Foto 5 Foto 6 Foto 10

As fotos recentes foram escolhidas pela presença de moradores e voluntário (Dr. Ettore) que estão na instituição há alguns anos e construíram uma história de trabalho e solidariedade ao outro. Dona Geny também escolheu imagens que registram a presença de pessoas já falecidas ou de moradores que manifestam alegria, bondade e são asilados livres. Esse último refere-se ao idoso que consegue conciliar trabalho prazeroso na instituição com a vida social externa.

comem, bebem, dormem, mas tanto faz pra eles viver ou morrer, esses que estão aqui agora, mas têm aqueles que gostam da vida... tem velho que gosta muito da Vila... Esses aqui os dois que se casaram (fotografia 12).

As fotos antigas foram selecionadas pelo critério tempo, ou seja, o tempo passado onde as pessoas - seus amigos - envelheceram e morreram.

Foto A 2 Foto A 3 Foto A 6 Foto A 12 Foto A 13

Dona Geny lembra-se mais de moradores com historia de vida sofrida, de velhos que ensinavam ou que eram carinhosos:

[...] eles eram carinhosos (os velhos de antes). Eles a partir de que tavam aqui dentro eles passaram a me tratar como parente deles. Aqueles parentes que eles tinham e que tinham abandonado eles. Então eles transferiam a amizade, o carinho pra gente. E isso aí. E hoje já é diferente, hoje não é tanto assim. Têm alguns que são carinhosos, mas a maioria não é carinhosa como antigamente. Os velhos hoje são diferentes.

[...] Aqui eu aprendi uma coisa, que às vezes a gente passa uma vida inteira morrendo de medo de morrer. Quando a morte chega a gente não vê, não percebe ela vem leva e a gente não... quando ela chega mesmo a gente acha que ela é um descanso...pode ter certeza que isso ficou marcado.

[...] então se eu disser assim pra você que o asilo... eu acho que eu não fiz muita coisa, mas o asilo fez pra mim. Por que o asilo foi excelente vivi com os velhos tudo dessa vida. Se eu viver cem anos ainda eu usaria... aquilo que eles me ensinaram.

A voluntária Dona Geny quis ser fotografada em frente aos quartos da enfermaria (hoje desativada) onde prestava serviço aos moradores doentes.

6.1.2. Ingeborg: O voluntário é o elo e a interação do idoso com o mundo social

Inge trabalha como voluntária na instituição desde 1998. Começou o voluntariado fazendo visitas aos pacientes idosos internados na enfermaria e aos demais moradores da instituição. Ela descreve que desde o início buscou criar um vínculo fraterno no asilo, principalmente um movimento de integração que propiciasse o relacionamento entre os moradores:

[...] eu chamava grupos, eu achava que eles tinham que conversar, assistir televisão junto, mas eu era só visita... era até mal vista porque parecia que eu tava fazendo... quadrinha... fazendo assombração (risos) (Refere-se às reações

das funcionárias quando agrupava as pessoas). É o pessoal (as moradoras)

vinha...

- Quer dizer o voluntário não era bem visto?

- Não, era alguém que tava criticando ou que tava querendo saber coisas ou fazer coisas diferentes e quando juntava aí, invariavelmente, vinham funcionários... passavam, paravam – “o que tá acontecendo?”. Em resumo, as visitas eram assim, cada um sentado na sua porta, dava um balinha pra um, dava pra outro, dava isso pra um, dava pra outro e a minha idéia, já naquela época era de juntar as cadeiras e vamos fazer um grupo e vamos conversar, vocês moram juntos.

[...] Eu vinha aqui (enfermaria) tinha duas (moradoras acamadas), eu lembro e ficava o dia inteiro sozinha vendo televisão sem ninguém. Então, vinha conversar com elas e aí quando, algumas vezes, ela tava meio torta, com sede, eu não me lembro mais eu fui falar com uma cuidadora, aí fui chamada e aí proibiram.

- Chamaram você por que...

- Porque eu interferi, eu não poderia chamar ninguém, não poderia falar nada pra ninguém, se eu quisesse vir era “parará” e ir embora. O fato de eu ter percebido alguma necessidade da pessoa e ter falado pra alguém que pudesse suprir as necessidades ounão foi visto com uma interferência aí a partir daquele momento não era pra vir aqui (na enfermaria).

Em 2002, Inge assumiu a coordenação do grupo de voluntários da Vila São Vicente de Paulo e mantém-se nessa função.

Suas escolhas fotográficas e sua narrativa foram baseadas na história do voluntariado na instituição com as mudanças que ocorreram influenciadas pela nova visão gerontológica que começou a ser implantada na Vila.

Inge considera que 3 aspectos dariam sentidos e movimento à vida dos moradores: atividades, afeto e integração.

Foto 1 Foto 3 Foto 5 Foto 11 Foto 9

[...] a história da Vila? Então, aqui, por exemplo, começando por essa foto, né, seria a número 1, que é o espaço e mostra, por exemplo, uma coisa parada e aí inclusive como talvez normalmente as vilas, os asilos são. As outras todas mostram uma busca de melhoria na qualidade de vida, por exemplo, essa aqui

(fotografia 9), a qualidade de vida, cuidados pessoais que melhora a auto-

estima, que a gente tá vendo, a parte das atividades de criação... em grupo

(fotografia 11) do artesanato. Aqui(fotografia 5) a música como sendo uma coisa

que integra também é o grupo trabalhando com música e a parte romântica e sentimental (fotografia 3), o amor que reina (risos). Nunca é tarde, que é uma coisa também que eu acho importantíssima, então isso demonstra outros momentos de cuidado pessoal, de integração através da música, de artesanato e trabalho manual e a parte assim eu acho que isso aqui resume o espírito que está se tentando, as outra são todas coisas que num... porque eu tô vendo a atividade, e não só o espaço físico, né ?

- Pra você a Vila, a instituição tem que ter uma preocupação em estar mantendo a atividade social deles, seria isso?

- Sim, a integração, o cuidado, o relacionamento... As outras coisas são em função disso. Então, se pintar e ficar maravilhoso ótimo, mas isso tem que trazer um bem estar para eles.

-Aqui seriam os aspectos mais importantes pra você? - É essa a procura por isso eu estou aqui (risos).

Quanto às mudanças ocorridas nesses últimos seis anos, Inge as descreve da seguinte forma:

- Tinha um padrão... - A ser seguido?

- Porque eles achavam que eu tava querendo saber, não sei, não houve nenhum entendimento do que eu tava querendo fazer, apesar de eu ter explicado. Mas achavam que não, aqui não funciona assim. E foi falado que voluntário só atrapalha, isso era visto assim.

-... Você está relatando que as coisas mudaram. - Mudaram.

- Do que você sentia naquela época, o idoso deveria receber que tipo de cuidado?

- Era alimentação... os remédios que precisasse, roupa, a parte física. Não tinha nenhuma atividade, nenhuma, nada, nada que não fosse só isso e esperar a

morte chegar(enfática). Se tava em frente a sua porta, cada um na sua cadeira,

se tinha televisão ficava lá sentado no seu quarto. Era manter todo mundo assim... isolado. Limpo (enfática), alimentado e só. E com remédios sendo dado

e só. Era essa a preocupação. Tinha a igreja a missa, mas só isso, mas nenhuma integração social, nenhuma atividade, nenhuma coisa mais alegre, nenhuma, sabe?

- Quer dizer, a sua seleção de fotos então é muito em cima disso da mudança

que você sente que houve relacionada ao social?

- É, porque acho que essa é a parte que tava faltando, porque o resto tem.

Foto A1 Foto A2 Foto A 12 Foto A15 Foto A16

Na seleção das fotos antigas, Inge opta pelas imagens que retratam as atividades sociais e com os familiares, ocorridas na instituição, ou seja, enfatiza a importância de se manter a integração com as pessoas de fora para diminuir a exclusão e existir uma interação com o mundo e continuar vivendo.

- essas aqui são festas (fotos A1 e A16)... é talvez comemoração de aniversário, olha o bolo aqui. Então são atividades também, aqui não tanto entre eles, de

artesanato, mas atividades sociais, inclusive com a comunidade, né. Porque aqui não são só eles. Aqui é com a comunidade, com gente de fora, família (fotografia

A12), aqui idem veio o pessoal de fora, né? Aqui também (fotografia A2). Não é

de fora, mas é um voluntário (fotografia A16)... Mas aqui foi mais à parte não do dia-a-dia.

[...] A outra coisa importante que gente também tá fazendo que é a integração com o mundo de fora, então virem pessoas se apresentarem, virem fazer almoço para que eles participem. Aí o Centro de Convivência (refere-se ao Centro que foi inaugurado) vai ser uma coisa que vai...

[...] não adianta fazer um gueto aqui dentro lindo e maravilhoso, mas a parte de fora... eu acho na realidade é isso, eles com eles mesmos, seus cuidados, né? Com saúde, com beleza, com não sei o que, eles entre eles, né com artesanato, com música, fazendo atividades e a parte externa, essa convivência que eles não são um gueto, não são...

A voluntária Inge pediu para ser fotografada junto aos moradores na área central do asilo.

6.1.3. Rita de Cássia: Fatos recentes e antigos proporcionam uma